segunda-feira, 26 de julho de 2010

A representação em Arthur C.Danto

São Paulo, 15 de novembro de 2008
UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo
Unidade Curricular: Estética e História da Arte
Professores:
Francisco De Ambrosis P. machado
Jens Michael Baumgarten

MONOGRAFIA SOBRE A REPRESENTAÇÃO NO PENSAMENTO DE DANTO
Nome: Cristilene Carneiro da Silva [50.043]


“Meu livro Connections to the World [Conexões com o mundo], de 1989, é uma filosofia da filosofia. Nele exponho idéias que surgiram desde cedo em meu pensamento, a saber: que a filosofia em sua totalidade tem de algum modo uma relação com o conceito de representação - que os seres humanos são ens representantes, seres que representam o mundo, que nossas histórias individuais são as histórias de nossas representações e de como essas representações se modificam no decorrer de nossas vidas; que as representações formam sistemas que constituem nossa imagem do mundo; que a história humana é a história de como esse sistema de representações se altera com o tempo; que o mundo e nosso sistema de representações são interdependentes, isto é, algumas vezes mudamos o mundo para que ele se encaixe em nossas representações, e outras vezes mudamos nossas representações pra que elas se encaixem no mundo.” 1

A respeito de um sistema filosófico para explicar a arte, o qual abranja uma resolução em todos os níveis da filosofia inclusive na estética, não mais a especializando em outro significado que não filosófico, Danto inicia o prefácio de seu livro A Transfiguração do Lugar Comum desconfiado da crença num fim da arte e sua adesão imediata à realidade, a qual Wittigenstein aceitou contornando os espaços deixados para uma maior reflexão a respeito, e é tal reflexão que Danto se propõe fazer neste ensaio.

O fundamento do homem enquanto representação do mundo é uma das bases argumentativas da filosofia de Danto. Onde depositou pesquisas referentes a uma filosofia das representações em alguns de seus livros anteriores à publicação de A Transfiguração do Lugar Comum. Sua filosofia neste, conforme esclarece, tenta se desviar um pouco da filosofia analítica produzida na época. A reação frente obras de arte da década de sessenta como Andy Warhol ou Roy Lichtenstein foi o que despertou seu interesse pela tentativa de uma investigação filosófica da expressiva revolta artística por um critério avaliador das obras maior do que as meras institucionalidades:

“Os filósofos nos dizem que coisas que parecem completamente diferentes umas das outras são iguais, enquanto coisas que são completamente idênticas são diferentes. Era exatamente isso que se passava entre a Brillo Box [ Caixa Brilho ] de Warhol, exposta na galeria, e as mesmas embalagens de sabão em pó Brillo armazenadas em depósitos. Dizer que a diferença, em última análise, se deve à diferença entre as instituições da galeria e do depósito é escamotear o problema.”2

Numa primeira busca de diferenciar a arte da vida a fim de caracterizá-la, o autor apresenta um primeiro capítulo deste livro, intitulado “A obra de arte e meras coisas reais”, para trabalhar as contradições conceituais sobre a arte, as quais derivaram a crise na sua finalidade. A estrutura da obra, inclusive, também é facilitada para tal debate de opiniões: apresentada em forma de diálogo com seu aluno “J”, possibilita essa compreensão das forças antagônicas entre arte e realidade. Da necessidade de questionar sobre os direitos que os objetos com o status de arte possuíam sobre outros idênticos a estes porém sem tal nomeação, surge a possibilidade de uma consideração preconceituosa advinda de uma declaração da classe artística: por que não abolir a arte se ela é o retrato da realidade ou vice-versa? É sobre esse problema que Danto depositará as primeiras páginas, mas talvez não encontre respostas até o fim do capítulo. Ainda outras perguntas, tais como: a utilidade da arte depois que democratizada em suas inúmeras obras não a incluiria numa nova posição social? Ou numa nova ordem de significados até no âmbito do conhecimento?

“O motivo disso era estabelecer uma primeira condição necessária, qual seja, a de que toda obra de arte deve dizer respeito a algo - ter um significado. Ainda que não fosse suficiente, essa condição deveria bastar para justificar a afirmação de que toda arte é representacional, e por isso mesmo possível de uma espécie de análise semântica, e de que o formalismo é inadequado como filosofia da arte. Como veículos de representação, as obras de arte se encaixavam na filosofia da representação que eu estava tentando estabelecer. Mas é evidente que nem todos os veículos de representação são obras de arte, de modo que era necessário encontrar outra condição diferenciadora. Assim, sugeri que a obra de arte é um veículo de representação que corporifica seu significado.”3

Com esta passagem sobre a sua sugestão de uma definição da obra de arte, Danto expõe suas intenções neste ensaio: partir da arte enquanto representação e materializar os seus significados. Ou seja, uma suposta passagem da filosofia da arte para uma prática da filosofia por meio do objeto artístico.

Das analogias entre obra de arte e objeto, imitação e realidade ou significado e signo, o filósofo situa a obra de arte como um predicado ao objeto por meio de sua interpretação, e não simples identificação de um fenômeno qualquer. Nisso implica uma busca na intenção ontológica na obra de arte com sua diferença aos objetos da realidade.

Não somente da questão ontológica da arte como também da classificação entre níveis de sua categoria de acordo com a qualificação da obra. No que diz respeito, por exemplo, ao trabalho de confecção e manuseio ou à fabricação ou disposição de simples objetos retirados da realidade sem nenhuma alteração a não ser esta ficção. Ficção a qual é facilmente descartada por alguns pensadores da arte devido a sua falta de definição, mas que frente aos trabalhos da pop art merecem um maior detalhamento.

Essa falta de definição que faz a arte enquanto ficção flutuar sobre a realidade sem um porquê é fundada na causa referente ao fim da história da arte e suas conseqüências de revolta transposta nas intenções do artista. A inutilidade das técnicas é representada por essa suscetível revolução e já abafa quaisquer indícios de sustentabilidade imune a este eterno epílogo. Muito próximo do historiador Hans Beltting4, esse raciocínio vem à tona também na filosofia de Danto para incrementar o otimismo numa nova era da arte, somente diferenciada e não finalizada, explícito por esses dois autores.

“A história da arte não foi interrompida, mas acabada, no sentido de que passou a ter uma espécie de autoconsciência, convertendo-se, de certo modo, em sua própria filosofia: um estado de coisas que Hegel previu em sua filosofia da história. O que estou querendo dizer é que, em certa medida, era preciso que o desenvolvimento interno do mundo da arte adquirisse solidez suficiente para que a própria filosofia da arte se tornasse uma possibilidade séria. De repente, na arte avançada das décadas de 60 e 70, arte e filosofia estavam prontas uma para a outra. De fato, repentinamente elas precisavam uma da outra para se diferenciarem.”5

A filosofia está distante da arte por estarem uma em cada tempo, e por isso mais próximas de completude. A conspiração histórica dentro de uma época é talvez o empecilho para uma maior visualização dos acontecimentos. Como a arte tem se apropriado deste significado filosófico de polemizar sobre o seu epílogo, a filosofia enquanto separada da arte ou a história estética não encontra lugar se não na própria representação artística, a única filosofia ou história possível hoje para se auto-argumentar, por se ater ao presente, única coisa mais significante no momento dessas destruições na universalidade do tempo enquanto narrado linearmente.

Danto inicia o capítulo com um exemplo para delimitar a sutileza da fronteira que separa o mundo da obra de arte. Seu aluno, J, argumenta sobre o fim da mimese em uma de suas obras intitulada como Sem Título e corresponde ao vazio da imitação, a qual trata de uma superfície vermelha pintada sobre tela, sem nenhuma diferença daquelas três anteriores citadas por Danto para demonstrar o quanto o vermelho num quadro pode ser muito semelhante porém conter significados diferentes para cada autor. Aqui o filósofo argumenta que a imitação não está somente na reprodução da coisa enquanto obra, mas que o que permanece sobre o próprio quadro pintado daria origem ao quadro pintado. Mesmo que este “sobre-o-quê” seja a intenção de vazio sobre a obra.

Por trás deste exemplo Danto introduz a problemática da obra de arte enquanto declaração do autor, mais associada ao artista do que ao objeto trabalhado. O poder que o artista possui em nomear as coisas como obra de arte estaria numa intenção de diferenciar o contexto habitual, ou mesmo o critério mimético. A cognição que diferencia uma ação por meio da intenção no gesto está afirmada quando ele diferencia as intenções artísticas das ações humanas involuntárias (por exemplo os tiques e os espasmos). Confirma que a arte tem sempre uma intenção na ação, mesmo que seja a a falta dela. Mas esta regra não é suficiente para condicionar a arte enquanto conceituada por isso. A repetição de tal regra talvez desvalorizasse o seu próprio significado, como a exposição do urinol de Duchamp, praticamente impossível de ser considerada nos mesmos valores artísticos:

“A teoria institucional da arte não explica, embora permita justificar, porque a Fonte de Duchamp passou de mera coisa a obra de arte, porque aquele urinol específico mereceu tão impressionante promoção, enquanto outros urinóis obviamente idênticos a ele continuaram relegados a uma categoria ontologicamente degradada. ” 6

Dessa dificuldade de distanciamento entre intenções na expressão artística e na vida cotidiana, surge mais uma questão para realmente se reconhecer a preferência de ir a favor dos institucionalistas e não mais tentar discernir o sentido da arte não só filosófica, mas também materialmente. Os sentimentos de alegria, sorrisos ou choros, por exemplo, como expressões corriqueiras na vida, ainda que não consideradas artísticas.

Depois desta primeira possibilidade de caracterizar a arte enquanto expressão da intenção do autor, não muito satisfatória para finalizar as antíteses entre os dois fatores estudados, Danto agora parte para a análise da mimese enquanto imitação da realidade. Explora o fato de como um espelho exposto já contradiz essa teoria da arte enquanto imitação. Por já ser um espelho enquanto próprio objeto, e não uma imitação dele, ainda o transformaria em arte? Talvez quando o objeto exposto ironicamente inverte tal teoria. Mas independente de tal intenção do artista, a qual já foi argumentada anteriormente, o que distingue o espelho enquanto obra do espelho enquanto objeto?

Nesta última pergunta Danto já parte para o critério de mimese enquanto ontológica. Faz uma apologia à Sócrates quanto ao perigo prenunciado pela arte ser confundida com a realidade. O que possibilita a idéia de uma falta de critério sobre a definição do que seria arte desde Platão. Porém o espelho reflete a própria pessoa, sendo um significado e um signo ao mesmo tempo ou, se preferir, uma obra e uma coisa. Dessa imagem refletida pode-se tirar também a maneira do auto-conhecimento, a partir do exemplo de Narciso apaixonado por seu reflexo, o autor denota a mimese como suposta paixão pelo auto-conhecimento. Onde o homem seria um objeto de representação para si mesmo. Daí a imitação da realidade como propiciadora do que somos e do que aparentamos ser para os outros ou para si mesmo. Para explicar tal raciocínio, Danto se utiliza das idéias Sartreanas em que:

“Assim, é com inusitada surpresa metafísica que vemos a possibilidade de que o pour-soi compreenda que tem um outro modo de ser, que ele é um objeto para outros, tem uma existência para-o-outro (pour-autrui) e dessa forma participa do modo degradado de ser das coisas de que sempre se distinguiu: ele reconhece possuir, por assim dizer, um lado exterior e um lado interior, enquanto a experiência de si como pour-soi não o teria levado a nenhuma das duas conclusões - seria metafisicamente sem lados.” 7

Onde podemos tirar duas conclusões dessa posição ontológica na arte, uma como o ser visto como um objeto frente a obra, o espelho. Ou a obra ser um objeto e sujeito ao mesmo tempo. Desse vão entre sujeito e objeto enquanto obra e realidade é que Danto propõe ser o meio de se conhecer ambas, tanto a vida quanto a arte.

Após ter separado o conceito de mimese somente como imitação, o movimento do texto parte para a argumentação como maneira de propor prazer. A partir do distanciamento Aristotélico de se conscientizar a respeito do que é imitado, também como forma de conhecimento. Disso o autor dispões o quanto o gosto tem poder de diferenciação, pois vem da crença provocada por esse distanciamento catártico do que é real ou não. Logo, é esta mesma capacidade de distinção que origina o prazer, ou seja, a dialética persiste como necessidade artística: sem a realidade, a mimese também não seria possível.

“O prazer que sentimos com a imitação pertence, portanto, à mesma ordem da satisfação que as fantasias nos proporcionam quando sabemos que se trata de uma fantasia e que não estamos sendo induzidos a crer que seja uma coisa real.” (D. 51) 8

Portanto o prazer está no reconhecimento de fantasia, oposto ao de realidade. Tal lógica pode ser percebida pela propriedade de assimetria por exemplo, que só é percebida, muitas vezes, quando experimentada, o caso de Narciso a ponto de morrer porque se apaixonou pode estar no motivo de não poder comparar ou sentir o gosto dessa diferenciação entre a verossimilhança. Esse mesmo distanciamento possível entre a arte e a coisa real, também propicia uma fresta para a mimese enquanto representação do que é real, mas não necessariamente idêntica.

Depois de ter examinado o conceito de Mimese e defini-lo como representação das coisas reais, Danto recorre às concepções de Nietzsche para iniciar uma diferenciação entre os dois significados possíveis da palavra representação.

A explicação sobre os dois significados de representação seria que um é fundado no mistério, originário dos rituais de culto a Dionísio o qual era a sua apresentação constantemente presente nos momentos de inconsciência que designava este primeiro sentido da palavra como decorrência da re-apresentação. A segunda definição é a de substituição, em vez de Dionísio aparecer, ele era representado pelos sujeitos entorpecidos que eram destinados a representá-lo no momento mais desprovido de pudores ou sobriedades humanas por meio dos instintos mais primitivos e demolidores de quaisquer raciocínios ou moralidades (esses sujeitos eram nomeados como aner e hipócrites, os quais foram substituídos pelo herói quando tal acontecimento também se modificou para a tragédia).

Dessa distinção entre reapresentação e representação, surge a aparição e aparência respectivamente associados aos dois conceitos. O primeiro ao que de fato se manifesta com a própria presença, por aparição e o segundo como o que substitui algo já apresentado, por imitação. Daí o autor introduz a ambigüidade do conceito de representação resultar em outras confusões a respeito das palavras que se derivaram com significados muito próximos, porém também distintos, tais como: aparição e aparência. Quando aparecer seria o fenômeno e aparência a imitação. Uma distinção maior entre os termos é feita no decorrer da história helênica com o surgimento das artes aproximadas da imitação separada da religião como magia ou aparição.

Porém o pequeno descuido com tais conceitos fez com que tal ambigüidade se evidenciasse mais quando o poder da imitação se misturou com a crença na aparição ou realidade. Danto observa o perigo de tal confusão e exemplifica a magia depositada num objeto imitado devido à crença em sua realidade na falta de um distanciamento maior devido à similaridade de uma obra com o real. De como uma pedra acaba por transformar-se num Deus ou mesmo um Deus em várias pedras, conforme cita. Nesta parte do texto assim como em outras a seguir, o filósofo se aproximará do pensamento de Platão fazendo referência sobre a sua tentativa de desfazer tal semelhança entre a aparência e a realidade.

O argumento com que Danto conclui o problema da aproximação com a realidade que uma representação pode trazer por meio da crença em determinada imitação de um objeto, é que um objeto, quando substituído, já está distanciado do público o qual passam de testemunhas de uma aparição para agora admiradores, longe daquele ser divinal que não está mais presente. Por isso o sentido de imitação na mimese é mais forte do que o de aparição. Nisso está desenvolvida a explicação do autor sobre a arte no âmbito da representação e não da re-apresentação.

A substituição das características de um objeto pode ter as mesmas formas, mas não a possuirá de fato. Danto faz mais uma designação gramatical aqui, quando coloca as características como possíveis predicados e a posse como algo intrínseco no objeto. Mas com exemplos da preposição “of” [de], concebe a dificuldade de diferenciação entre a aparência de uma coisa e a coisa. A linguagem é quem diferenciará, unicamente por concepção, o significado do signo, ou seja, o predicado enquanto característica conceitual e o sujeito.

Depois de ter esmiuçado a questão da representação e designado o seu exercício enquanto similaridade, Danto leva esses resultados agora para o plano que tratava anteriormente e retorna à mimese para ressaltar o quanto ela está diretamente ligada à representação e por isso também pode ser confundida com a realidade assim como a realidade com ela. Assim a próxima exposição é sobre a mimese também levar em conta somente este critério de verossimilhança ou representação. Expõe uma observação de como o teatro, principalmente, necessita dessa concepção convencional de mimese para diferenciar-se do real, como citado acima.

A partir da proposta Kantiana é que Danto inicia articulando sobre como a falta de aparição da coisa em si e sim somente das suas representações, mantém um invólucro delas sobre todos os objetos segundo essa filosofia crítica e descarta a idéia de representação como um diferencial da mimese. Ainda remetendo-se à Kant, nota que este expande a mimese para outra coisa que a diferencie: uma atitude em relação ao objeto, ou a falta dela. Pois Kant não concebe a arte como uma atitude prática de um objeto ou como uma utilidade e sim sobre um distanciamento dado pela contemplação.

Mas como tal distanciamento passivo pode valer para qualquer coisa (a partir da consideração dos fenômenos como representações), então pode-se lançar um olhar estético para toda e qualquer coisa, não só para uma obra de arte. Por isso Danto invalida esse olhar crítico como um critério de diferenciação entre a obra e a realidade. Assim como ainda complementa que essa passividade em tal atitude estética faz com que se aprecie tudo à moda contemplativa, seja a violência nas ruas ou a imitação de tais violências pela arte, pois afirma que o distanciamento crítico faz com que contemple-se um problema real e não anime o espectador a uma atitude maior, além desta.

“Tom Stoppard disse certa vez que se você vê uma injustiça acontecendo do lado de fora de sua janela, a coisa mais inútil que poderia fazer seria escrever uma peça de teatro sobre uma injustiça ante a qual temos a obrigação de intervir, já que elas põem a platéia exatamente naquela espécie de afastamento que o conceito de distanciamento psicológico pretende descrever”9

Com isso mais um critério é descartado de sua pesquisa: o da arte ser fundamentada na inutilidade e desinteresse pacífico. Mas reconhece haver momentos históricos com tais características de desligamento social frente à arte, assim como outros com um comprometimento didático, expiatórios etc.

Dessa consciência do distanciamento de uma obra quando se sabe de sua condição enquanto irreal, é que Danto prossegue o assunto sobre tal convenção. Ele associa a citação feita num palco como uma espécie de aspas neutralizadora. Diferente de uma afirmação dada na realidade a qual nos faz reagir. Essa abdicação às responsabilidade sobre a expressão em forma de arte delimita a mimese somente como uma convenção ou até uma oportunidade à parte de pronunciar a realidade fora dela. E do quanto esse convencionalismo propicia uma liberdade artística, até mesmo para romper a divisão entre a vida e arte, propositalmente. Novamente o filósofo cita Platão quando faz referência do quanto este previu tal liberdade usurpadora da realidade, devido ao intrometimento que a arte poderia fazer na realidade.

Isso que Danto nomeia de convenção é metaforicamente explorado de diversas maneiras no texto, ora a chama de “parênteses”, ora “aspas”, enfim, infere-se que pode ser concebido como aquilo que fica fora de algo, invalidado10. Agora o filósofo expõe as questões negativas de tal aspas como, por exemplo, a capacidade de inibir a crença no que está sendo imitado, por mais semelhante que for a mimese a consciência de que aquilo não é real impede uma confiança. Se, como expõe um exemplo, um ator é realmente esfaqueado em cena mas ninguém o acredita por não haver este espaço para a realidade naquilo que é uma imitação.

Depois retorna a enfatizar numa necessidade de rotulação do que é arte para que haja um entendimento e não um estranhamento. Utiliza aqui de situações inusitadas tais como um médico que pratica corrida pelas manhãs mas já com seu traje de trabalho, o estranhamento seria pensar algo diferente do que acontece, que está atrasado, por exemplo. Ou mesmo um homem que late no meio da rua, considerado louco porque não está em cima de um palco. Danto expõe tais circunstâncias a fim de questionar se a convenção seria realmente um critério da mimese.

Mais uma vez há uma pausa no capítulo para uma análise mais aprofundada sobre a última questão: até quanto esclarecer que algo é uma arte ou não, por meio da ilusão ou do distanciamento? Para isso Danto retorna ao texto Da Origem da Tragédia de Nietzsche a fim de localizar o socratismo de Eurípedes para responder a tal pergunta.

Primeiro ele confirma a crítica a Eurípedes feita por Nietzsche pelo fato de o tragediógrafo deixar muito evidente sua convenção, sua moldura, racionalizando-a e deixando muito bem explicada. Danto descarta tanto a semelhança quanto a convenção em demasia como bases da arte, pois diz não haver uma finalidade para tamanha retratação da realidade, e cita Nelson Goodman: “Uma só dessas drogas de coisas já é o bastante”. Afirma que a realidade pode sim ser uma referência para arte, mas não que a arte precise necessariamente segui-la da maneira mais exata possível. Além de considerar ocioso e parasita uma imitação idêntica à realidade. Conclui que a arte precisa de ter caráter de arte, por meio de algo que reconheça a sua identidade com veemência. Mas ainda não descarta a realidade ou a própria imitação como participantes influentes em seu significado. Pois argumenta que o prazer de reconhecer a mimese é já saber sobre a realidade que se imita. Conforme Aristóteles, primeiro conhecer a realidade para depois reconhecer a arte.

Mesmo com essa relevância sobre a arte e a realidade, Danto não perde o foco de seu pensamento sobre a necessidade de diferenciação entre a arte e a realidade. Finaliza sua reflexão sobre ilusão e distanciamento depois de reforçar essa necessidade. Pois conclui que a ilusão não necessariamente precisa estar na ação da mimese, mas no ponto de vista sob uma outra ótica, misteriosa quando comparada àquela a qual se vive.

Após a referência nietzschiana, o filósofo reconhece que nem a verossimilhança nem a descontinuidade são de acordo com o fundamento da arte. Pois as duas se anulam, uma por não ter nenhuma outra finalidade além de ser uma cópia da realidade, que já existe. E a outra por ser tão diferente como qualquer outro objeto que não seja considerado artístico. Associa esta última opção às invenções diversas, e não somente no âmbito da arte. Algo que não é similar à realidade pode ser algo novo mas não por isso, arte. Tais finalidades entram em contradição direta com a arte, pois um abridor de latas pode ser uma invenção de utilidade doméstica ou uma arte, conforme o autor cita como exemplo. Logo, o critério de inovação também é descartado como significador da arte.

A sua saída para tal dialética introduzida neste primeiro capítulo será deixar o problema em cima da arte enquanto convenção declarada. Uma hipótese para aproximar a arte do argumento da arte institucionalista. Mesmo criticando-a por não se aprofundar ou nem levar em conta essas questões que abrangeriam ou não determinados feitos para caracterizá-los enquanto venham ou não a ser uma obra de arte.

“Seja como for, minha teoria sustenta que somos sistemas de representações, pouco importando se são sistemas de palavras ou de imagens ou ainda de ambas, o que é mais provável. Em síntese, minha tese é uma extensão da tese de Pierce de que ‘o homem é a soma de sua língua, porque o homem é um signo.” 11

No capítulo estudado Danto não expõe uma solução para o problema do institucionalismo na arte, porém, com suas conclusões a respeito da própria teoria podemos inferir onde sua argumentação encontrou fundos: no homem e na ação enquanto autor e obra, sujeito e objeto ou signo e significado.

Ele faz diversas dessas mesmas analogias citadas quando associa na conclusão do livro a história, subjetiva por não ser mais universal e sim particular, passivel de ser associado à vida humana.

Da arte também ser aproximada da crença no que o artista já conhece ou acredita e, por isso, tal crença torna-se objeto de sua ação. Aqui também prenuncia sua definição de estilo na obra: o homem como representação para o outro e não para si, torna-se autor das representações para o apreciador. O estilo como sendo o próprio homem e a aura (ou mimese), o que ele acredita.

“A grandeza da obra está na grandeza d representação que a obra materializa. Se o estilo é o homem, a grandeza do estilo é a grandeza da pessoa.” 12

Essa humanização artística com que Danto conclui por meio da influência da ação ontológica na arte, propicia uma compreensão da arte enquanto uma atitude filosófica que se utiliza do homem (artista) como objeto da representação (mimese).

“Mas falo como um filósofo construindo o gesto do artista como um ato filosófico. Como obra de arte, a caixa de Brillo faz mais do que afirmar que é uma caixa de sabão dotada de surpreendentes atributos metafóricos. Ela faz o que toda obra de arte sempre fez: exteriorizar uma maneira de ver o mundo, expressar o interior de um período cultural, oferecendo-se como espelho para flagrar a consciência dos nossos reis.” 13


BIBLIOGRAFIA:

DANTO, Arthur C. A transfiguração do lugar-comum. Trad. de Vera Pereira. São Paulo: Cosacnaify, 1989.

BELTING, Hans. O Fim da História da Arte. Trad. de Rodnei Nascimento. São Paulo: Cosacnaify, 2006.

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NOTAS:

1 DANTO, Arthur C.A transfiguração do lugar-comum, p.12

2 DANTO, Arthur C.A transfiguração do lugar-comum, p. 16

3 DANTO, Arthur C.A transfiguração do lugar-comum, p.18

4 Uma passagem sobre a persistência de Bellting nessa questão do epílogo da arte: “A história, por fim, como lugar da identidade ou da contradição, perdeu sua autoridade na mesma medida em que se tornou onipresente e disponível. Cessa também assim a história da arte como modelo de nossa cultura histórica, com o que chegamos ao nosso tema... O fim da história da arte não significa que a arte e a ciência da arte tenham alcançado o seu fim, mas registra o fato de que na arte, assim como no pensamento da história da arte, delineia-se o fim de uma tradição, que desde a modernidade se tornara o cânone na forma que nos foi confiada.” (Hans Bellting – O Fim da História da Arte – pag. 23)

5 DANTO, Arthur C.A transfiguração do lugar-comum, p.26

6 DANTO, Arthur C.A transfiguração do lugar-comum, p.39

7 DANTO, Arthur C.A transfiguração do lugar-comum, p.45

8 DANTO, Arthur C.A transfiguração do lugar-comum, p. 51

9 DANTO, Arthur C.A transfiguração do lugar-comum, p. 60

10 Conceito semelhante é também empregado no texto de Bellting: “O epílogo, contudo, também é hoje uma máscara em que se deixa rapidamente anunciar uma reserva contra as próprias teses para não desgastar a tolerância do leitor ou do ouvinte. Quer se fale de “arte” ou de “cultura”, quer de “história” ou de “utopia”, todo conceito é colocado entre aspas para poder levá-lo ainda mais longe na dúvida indicada.” (Hans Bellting – O Fim da História da Arte – pags. 17-18)

11 DANTO, Arthur C.A transfiguração do lugar-comum, p. 293

12 DANTO, Arthur C.A transfiguração do lugar-comum, p.296

13 DANTO, Arthur C.A transfiguração do lugar-comum, p. 297

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