segunda-feira, 26 de julho de 2010

Da Filosofia à expressão com H. BERGSON

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
Campus Guarulhos
Disciplina: Filosofia das Ciências Humanas
Professora Responsável: Rita Paiva
Aluna: Cristilene Carneiro da Silva
Nº matrícula: 50043
Curso de Filosofia – Noturno


Avaliação Final sobre “O Pensamento e o Movente” de Henri Bergson

(Questões II e III: ciência e filosofia - questão de método;
                                                    Da questão do método filosófico à expressão)


SÃO PAULO
02/07/2010



Questão II - Ciência e filosofia: questão de método

A metafísica bergsoniana não considera uma divisão entre a ciência e a filosofia em termos de ambas serem tratadas sob o mesmo aspecto que as fundamenta: a estruturação da matemática ou mesmo da lógica vigente enquanto direcionadas a uma única linha, a qual mensiona medidas e conceitos por meio de espacializações, unicamente, inclusive a medida e o conceito do tempo, por exemplo. É através de um prisma tridimensional que Bergson, então, questiona todas e quaisquer possibilidades, científica ou filosófica, que não se expanda para fora desse plano oblíquo de materializar universalmente os objetos e dá-los somente conforme a medida no espaço e não no tempo. A intenção do autor está envolvida na pretensão de fundamentar a capacidade humana de apreender, para além do pragmatismo cultural e historicamente já nos entranhado ao insidiarmos as coisas, e ampliá-la também numa base temporal, ou em outras palavras, dar voz à maneira como o tempo nos é disposto, e não como o espaço o coloca, conforme foi feito com todas as ciências e filosofias anteriores à Bergson.

Em contraste à metafísica comumente predominante na história do pensamento, e reduzida à linguagem compreendida e abstraída distante do real e concreto, há uma proposta de contrabalançar a consciência espacial com a intuição temporal trazida por Bergson. O pressuposto de um método filosófico está implícito nessa metafísica inovadora do filósofo francês. Com o intuito de possibilitar a participação da fluidez sobre a duração, o autor pretende ultrapassar a dificuldade de articulação dos pensamentos concebidos no plano múltiplo e apenas quantitativo e argumenta o quanto a metafísica estudada por outros filósofos se prejudica com isso, pelo fato de não se ater necessariamente a um determinado espaço, bem como a um acompanhamento da passagem do tempo durante a experiência dada. Assim ele reconhece os impecílios à adesão de uma idéia realmente nova como a proposta, por não compartilhar a mesma estrutura anteriores e baseadas em conceitos fixos, como é a própria linguagem comum ou filosófica, por exemplo, a sua metafísica torna-se abstrata ou mesmo imcompreensível. Porém a questão é exatamente se destemer dos conceitos criados, das linguagens imóveis e dos espaços vazios dados na metafísica alucinante e com desvios para outras realidades que não a do mundo vigente: “... nossa metafísica será a metafísica do mundo em que vivemos e não de todos os mundos possíveis. Ela cingirá realidades.” É da inauguração de algo que não é tão somente direcionado à percepção, como é a ciência, nem tão somente direcionado à idealização. Mas sim o “liame” entre as duas, não enquanto simplesmente uma transcendência kantiana (pois esta não tratou a questão particular do tempo na intuição à priori conforme o fluxo dele mesmo e não espacializado), mas uma metafísica do momento, por intuí-lo e acompanhá-lo de acordo com as idéias particulares até as gerais, para enfim voltar-se às particulares novamente:

“Libertemos o espírito do espaço no qual ele se distende, da materialidade que ele se confere para pousar sobre a matéria: iremos devolvê-lo a si mesmo e apreendê-lo imediatamente. Essa visão direta do espírito pelo espírito é a função principal da intuição, tal como a apreendemos.”

A ciência não consegue abranger o espírito e a matéria como a intuição o faz. Pois ela (a ciÊncia) parte da matéria para a sua intelecção e depois torna à matéria para comprová-la, como o inverso da intuição, mas na verdade a intuição não é o seu inverso e sim o seu complemento. Essa inteligência está somente na prolongação dos sentidos e não na abstração do que é físico, por isso ela não acessa o espírito como a intuição, pois a ciência retorna à matéria para se comprovar apenas fisicamente, numa parcialidade por ser somente espacial, e não intuitivamente conforme pede o espírito para não somente conceber, mas transformar o objeto. Bergson concebe a realidade não enquanto simples matéria, mas enquanto criação.

Logo, a metafísica de Bergson se aproxima da filosofia pois se expande à ela como única maneira filosófica completa e precisa. É a metafísica que conquista essa fluidez desejada do tempo, além de explorar os objetos também projetados no espaço. Ela agiria como se fosse a própria intuição da ciência, aquilo que articula os movimentos de um fato e, por isso, flexiona-os e possibilita a reflexão. Mas Bergson não modifica somente o conceito de metafísica e filosofia, como também se infere que pensa em qualquer argumentação lógica que não conte com as mudanças da duração, a ciência por exemplo:

“A ciência levou esse trabalho da inteligência bem mais longe, mas não mudou sua direção. Visa, antes de tudo, tornar-nos senhores da matéria. Mesmo quando especula, preocupa-se ainda em agir, o valor das teorias científicas sendo sempre medido pela solidez do poder que nos dão sobre a realidade.”

Porém a ciência, nos moldes proposto por seu método, seria o externo e a consequência que dialogaria com a filosofia, seria a realidade com todas as suas perspectivas obscuras e inexplicáveis as quais intuimos, mais do que verificamos. A intuição, inclusive, pode alcançar um absoluto por meio do particular que somente ela constitui em nós: a passagem temporal, o acompanhamento fluente da duração. Ela permite à inteligência uma coincidência criativa com o objeto, somente porque nós o intuimos, além de concretizá-lo. Esses dois momentos simultâneos de apreensão intuitiva e presença perceptiva faz a representação da coisa em si transbordar e haver meios de se unir à realidade, mas uma realidade criativa e humana, mesmo que próxima do objeto:

“Somos interiores à nós mesmos, e nossa personalidade é aquilo que deveríamos conhecer melhor. Nada disso; nosso espírito, aqui, está como que no estrangeiro, ao passo que a matéria lhe é familiar e que, nela, ele se sente em casa.”

Desfeito o pragmatismo nas idéias comuns, a filosofia agora trata da duração enquanto próprio objeto metafísico, e articula um método que é a simplicidade enquanto esqueleto da realidade, pois é muito mais elementar do que as especulações matemáticas já alcançaram, ou que as outras filosofias representaram. A história da filosofia se repete por estar presa à medição incompleta da realidade, um círculo linear e sem coincidências precisas que se referem ao mundo vivido, de fato, e não à qualquer outro mundo. A filosofia sustenta a realidade sobre as coisas por comportar a maleabilidade oferecida pelo tempo:

“Desçamos então para o interior de nós mesmos: quanto mais profundo for o ponto que tivermos alcançado, mais forte será o ímpeto que nos devolverá à superfície. A intuição filosófica é esse contato, a filosofia é esse ela. Reconduzidos para fora por uma impulsão vinda do fundo, alcançaremos a ciência à medida que nosso pensamento for desabrochado ao se espalhar. É portanto preciso que a filosofia possa moldar-se pela ciência, e uma idéia, de origem pretensamente intuitiva, que não conseguisse, dividindo-se e subdividindo suas divisões, recobrir os fatos observados lá fora e as leis pelas quais a ciência os liga entre si, que não fosse capaz, inclusive, de corrigir certas generalizações e endireitar certas observações, seria pura fantasia; nada teria em comum com a intuição.”

Questão III - Da questão do método filosófico à expressão

A expressividade na filosofia bergsoniana consiste na consequência de seu próprio método intuitivo. Não há como pensar em uma linguagem conceitual ou pragmática para tal filosofia. A própria filosofia no autor, possui este potencial criador que sustenta o pensamento por meio do movimento intuitivo, ou da “franja” que o desfaz e o exibe espiritualmente:

“Filosofar consiste em inverter a direção habitual do trabalho do pensamento”

É com a filosofia que as imagens ganham um sentido fortalecedor em Bergson, pois as mesmas atuam sobre a realidade, contactando o sujeito no mundo e impedindo que haja alguma confusão ontológica entre a inteligência humana e as coisas intuídas. Bem como extermina-se também a rotulação dada por alguns críticos ao autor enquanto espiritualista ou empirista, conforme Bento P. Junior também dissocia:

“Parece que este ‘espiritualismo’ é constituído, nos dois casos, no interior de um mesmo progresso de conhecimento que parte do interior da consciência para, transcendendo-a, encontrar, fora dela, suas raízes. Em ambos os casos o itinerário metodológico é governado pela passagem da psicologia à metafísica; o filósofo não somente descobre na psicologia a introdução à metafísica, mas o faz porque não hesita em projetar o “psicológico” para fora da consciência humana, acreditando redescobri-la no seio das forças anônimas da natureza.”

Sob a tentativa de instaurar algo correspondente à intuição nos conceitos, Bergson vai além do estudo da consciência humana e da metafísica e parte para a prática das mesmas, em outras palavras, propõe uma realização efetiva para o seu método, por meio dos símbolos. Mas não somente enquanto propostos, como também enquanto um fundamento crucial para a apreensão dos objetos e enquanto objeto da intuição. Pelo fato do homem não conter instintos, ele não alcança a natureza conforme a sua simples presença, e exatamente por isso que o homem é o único a ser consciente dela mas por outra via, representativa nele, desenvolvendo assim um contato intuitivo com ela, mas não unicamente descritivo.

É nesse vies que a linguagem movente aparece como esqueleto de sua filosofia. A alegria criativa de presenciar a duração do mundo conforme ele passa e mudar juntamente com aquilo que muda, a força do papel das imagens e até a coincidência criativa são possíveis por causa dessa proximidade da filosofia à arte, feita pelo autor. A saída e a iniciativa de seu método, ao mesmo tempo. O elo entre a sobreposição ou matematização das coisas e a intuição da fluidez durável das mesmas ainda se encontram aqui, pois Bergson considera o estado e a coisa como propriedade na duração e no alcance dessas transformações dadas ao intuir um objeto:

“A semelhança entre coisas ou estados, que declaramos perceber, é antes de tudo a propriedade, comum a esses estados ou a essas coisas, de obter de nosso corpo a mesma reação, de fazê-lo esboçar a mesma atitude e começar os mesmos movimentos.”

Além de comentar a respeito dessa questão imagética do objeto e seus estados, há nessa passagem do autor a importância da semelhança. Como uma filosofia que trata, em sua maior parte, do particular poderia sustentar a idéia de identidade? Bergson funda o universal na própria realidade e a dissemina, não em identidades mas em semelhanças. Pois a identidade está mais associada à multiplicidade do quantitativo e exato da matéria, já a semelhança propicia uma espécie de interpretação sobre a comparação de duas coisas:

“... se procurarmos precisar ‘semelhança’ por meio de uma comparação com ‘identidade’, descobriremos, cremos nós, que a identidade é da ordem do geométrico e a semelhança da ordem do vital. A primeira remete à medida, a outra é antes do domínio da arte: é freqüentemente um sentimento perfeitamente estético que leva o biólogo evolucionista a supor parentes entre si formas entre as quais ele é o primeiro a perceber uma semelhança: os próprios desenhos que delas fornece revelam por vezes uma mão e sobretudo um olho de artista.”

Daí que o idêntico é mais voltado ao matemático e numeral, e semelhante no âmbito artístico e vital. É assim que podemos coincidir com a imagem de um objeto por imaginá-lo, literalmente, à maneira como ele nos aparece. As imagens também se movimentam, por isso Bergson volta a sua atenção maior à elas afim de utilizá-las como apropriadas para flexionar a estabilidade da linguagem conceitual. Pois os conceitos possuem um pragmatismo natural de nomear uma coisa independentemente de seus estados no tempo. A necessidade de conceitos maleáveis que acompanhem as transformações da realidade traz à intuição bergsoniana a capacidade de visão:

“ Para isso é preciso que se violente, que se inverta o sentido da operação pela qual habitualmente pensa, que revire ou antes, refunda incessantemente suas categorias. Mas desembocará assim em conceitos fluidos, capazes de seguir a realidade em todas as suas sinuosidades e de adotar o próprio movimento da vida interior das coisas.”

Para além das imagens coisas, dadas em nossa consciência e dispostas à nossa atividade de suscitá-las memorialmente e por seleção, as imagens que intuímos sobre o objeto não são compostas apenas de ligações diretas com a matéria por sobreposição, mas principalmente de movimentos dos estados possíveis do objeto. Esse todo presente, mas não necessariamente materializado traz a mobilidade ao conceito. Logo, a percepção também é mutável e envolve o tempo por isso.

Com isso, a intuição imagética projeta no ser tanto sensações quanto movimento, finalizando assim a realização do método e respondendo à coerência da expressão como forma de libertação da filosofia para além dos moldes pragmáticos:

“... habituemo-nos, numa palavra, a ver todas as coisas sub specie durationis: imediatamente o hirto se distende, o adormecido desperta, o morto ressuscita em nossa percepção galvanizada. As satisfações que a arte nunca fornecerá senão a privilegiados da natureza e da fortuna, e apenas de longe em longe, a filosofia assim entendida ofereceria a todos, a cada instante, reinsuflando a vida dos fantasmas que nos cercam e nos revivificando a nós mesmos. Desse modo, tornar-se-ia complementar da ciência na prática tanto quanto na especulação. Com suas aplicações que visam apenas a comodidade da existência, a ciência nos promete o bem-estar, no máximo o prazer. Mas a filosofia já nos poderia dar a alegria.”


BIBLIOGRAFIA

_ BERGSON, H. “O pensamento e o movente”. Trad. Bento P. Neto. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

_ JUNIOR, Bento P. “Presença e campo transcendental: Consciência e Negatividade na Filosofia de Bergson”. São Paulo: Editora da USP, 1988.

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