segunda-feira, 26 de julho de 2010

Análise de “Cidade Proibida” (Antonin Artaud)

Análise de “Cidade Proibida” (Antonin Artaud)

Relatório de peça da aluna: Cristilene Carneiro da Silva.
Data: 30 / 10 / 2005.
Texto: Antonin Artaud e Sam Shepard.

Espetáculo: “Cidade Proibida”
Adaptação: Carlos Gardin.
Direção: Carlos Gardin.
Núcleo Trupitê de Teatro: Adilson Estevam, Gabi Germano, Gabriel Kemart, Luce Diogo, Lucio Machado e Velber Melo

Fiquei muito satisfeita por escolher relatar sobre um fenômeno tão exuberante como foi a apresentação de vcs! Espero conseguir corresponder com tudo o que me mostraram pois será uma tarefa difícil explicar a energia do grupo em cena e o prazer dos sentidos de quem os presenciou! Mas prometo não desapontar no capricho do trabalho...

ENTREVISTA COM O NÚCLEO:
1)Como surgiu o projeto?

Em final de 2001 a Trupitê estava convidando pessoas pra integrar o Núcleo e por ser um grupo da Universidade (PUC-SP) seu diretor Carlos Gardin também coordenador do curso de Comunicação das Artes do Corpo procurou estas pessoas no pp curso. A idéia era trabalhar com algumas idéias daquilo que lemos sobre Artaud. Começamos então a ler “O Teatro e seu duplo” e fazer discussões sobre os assuntos. Tivemos uma parte de treinamento corporal com a coreógrafa Lara Pinheiro. E ao longo do tempo Gardin sempre nos perguntava o que queríamos dizer pro mundo. Desta forma, surgiram temas que forma expostos por cenas realizadas pelos interpretes e depois de muita procura, leitura de diversos textos, chegamos no texto de “Angel City” de Sam Shepard. Resolvemos a partir disso trabalhar com a idéia da criação artística utilizando o texto de Shepard como base para a criação de novas cenas que tratassem do processo de criação no Teatro.

Depois de muitas adaptações chegou-se no texto de Cidade Proibida.

2)Como foi o seu processo de criação?Quais foram as maiores facilidades e/ou dificuldades?

O processo de criação envolveu um trabalho com mímesis corpórea, criação de partituras, observação de macacos, treinamento corporal, estudo de música com instrumentos de percurssão, variações sonoras de falas.

A maior dificuldade foi a de compreender que a personagem bem como o espetáculo seria criado de fora para dentro, sem psicologismos stanislavskiano. Pensamos num processo de collagem.

3)O núcleo Trupitê existe há quanto tempo?Houveram outros trabalhos a não ser "Cidade Proibida"?

Existe há treze anos.

ESPETÁCULOS ENCENADOS PELO GRUPO:

ESPERANDO GODOT de Samuel Beckett (1991/1992),

BERNADA de Frederico Garcia Lorca (1993/1994),

DO JEITO QUE VOCÊ GOSTA de William Shakespeare (1994/1995),

RECUERDOS de Leonardo Cortez e elenco (1996),

ANTÍGONE de Sófocles (1997/1998), 1999 criação coletiva (1999), TRATIVELINDEPRAGLUTIFITOTINQUELUX de Roberto Freire (2000)

CIDADE PROIBIDA de Carlos Gardin com textos de Sam Shepard e Antonin Artaud (2005).

PRINCIPAIS PREMIAÇÕES RECEBIDAS PELO GRUPO

BERNADA (1993/1994):

Prêmios

- melhor sonoplastia no VII Festival Universitário de Teatro de Blumenau jul/93

- melhor conjunto de atores ,

- melhor ator coadjuvante,

- melhor figurino e melhor maquiagem no I Festival de Teatro Isnard Azevedo de Florianópolis out/93

- melhor direção e terceiro melhor espetáculo pelo juri popular no XI Festivale de São José dos Campos set/93

DO JEITO QUE VOCÊ GOSTA (1994/1995):

Prêmios

- melhor espetáculo

- melhor ator coadjuvante no XIII Festivale de São José dos Campos set/95

- melhor música original no V Festival de Teatro de Presidente Prudente ago/95

- melhor ator coadjuvante no XIX Festival de Teatro de Pindamonhangaba out/95

- melhor ator coadjuvante no III Festival de Teatro Isnard Azevedo de Florianópolis out/95

- espetáculo selecionado para a mostra do IX Festival Universitário de Teatro de Blumenau jul/95

RECUERDOS (1996):

Prêmios

- melhor ator coadjuvante no X Festival Universitário de Teatro de Blumenau jul/96

- espetáculo selecionado para o XVI Festival de Teatro S.J. do Rio Preto jul/96

ANTÌGONE (1997/1998):

Prêmios

- melhor atriz coadjuvante no VI Festival de Teatro Isnard Azevedo de Florianópolis nov/98

TRATIVELINDEPRAGLUTIFITOTINQUELUX (2000):

Prêmio Estímulo Flávio Rangel

4)Em quais aspectos artaudianos vocês se basearam mais?Houve alguma outra influência a não ser a dele?

Na questão do duplo e de pensar que todos os elementos que constituem um espetáculo são importantes: a luz, a música, o cenário....

Nas variações sonoras, pensar o texto não só de forma semântica, pelo seu siginficado...

5)Quanto tempo durou o processo da montagem (no geral dos ensaios, pesquisa etc.)?

Três anos.

6)Vocês tem a aprovação de alguma lei de incentivo à cultura?Quais foram os meios de patrocínios utilizados e se foi muito difícil consegui-los.

Não temos aprovação em lei de incentivo. Conseguimos levantar a produção do espetáculo pois o grupo já disponibizava de uma verba adquirida pelo premio estimulo recebido em anos antes. Temos apenas um pequeno apoio da PUC que nos oferece sala para ensaio.

7)E o resultado do trabalho foi satisfatório para as espectativas de vocês?

Ainda não tivemos nenhum respaldo de critica de imprensa porem o que ouvimos do grande publico foi muito satisfatório. Temos a vontade de poder fazer mais para podermos compensar o tanto de tempo que levamos para chegarmos a um resultado e ficarmos mais contentes.

8)O que foi mais marcante no trabalho?

Mais marcante no trabalho foi a possibilidade de pesquisar as possibilidades do corpo no espaço, de trabalhar com uma proposta de linguagem que funde o teatro e a dança e de testar uma nova possibilidade de representação.

9)Qual o futuro do projeto?Pretendem planejar viagens, festivais etc?

Ainda não sabemos o que acontecerá após esta temporada no studio das Artes. Já mandamos o projeto pra inúmeros festivais e não fomos aceitos. Fizemos semana passada uma viagem a São José do Rio Preto pra apresentar o espetáculo no Teatro Municipal para fazer o fechamento de um festival de teatro amador.

10)O que mais acrescentou em vocês com essa experiência adquirida?

A oportunidade de realizar esta proposta e testar esta pesquisa de fusão entre a dança e o teatro. É uma proposta muito arriscada que nos colocou diante de um enorme desafio: realizar um espetáculo um pouco diferente do que se vê por ai e chegar até o publico pelo viés do corpo, da expressividade e da sonoridade.

HISTÓRICO DO NÚCLEO DE PESQUISA TEATRAL- TRUPITÊ DE TEATRO

Em 1989 Carlos Gardin foi convidado pela Superintendência do Teatro da Universidade Católica de São Paulo a elaborar um projeto que proporcionasse a produção de pesquisa, ensino e produção de obras na área das Artes Cênicas, em especial o teatro, com a mesma qualidade de ensino dos demais cursos da PUC-SP. Tanto sua Dissertação de Mestrado quanto a sua tese de Doutoramento, defendidas na PUC-SP, versavam sobre as questões relativas à criação artística nas Artes Cênicas. Como resultado, foi criado um Curso Livre de Formação de Atores e, já em 1989, foi montado sob sua direção o espetáculo O Homem e o Cavalo, de Oswald de Andrade, texto que permanecia inédito nos palcos nacionais.

A partir de 1990, com o objetivo de aprofundar a pesquisa, o Centro de Artes Cênicas do TUCA, foi instituído o Núcleo de Pesquisa Teatral. Foram formados vários grupos de pesquisa com lideranças diferentes, dentre eles a TRUPITÊ DE TEATRO.

Com o objetivo de exercitar a pesquisa em Artes Cênicas em todos os seus níveis, estudando os vários métodos de encenação, buscou-se o aperfeiçoamento de fundamentos e técnicas para uma linguagem própria fundamentado nos princípios da Antropofagia do Teatro de Oswald de Andrade. O objetivo da pesquisa deveria ser, portanto, transdisciplinar, buscando as possibilidades não só no teatro, mas também na música, na dança, no corpo como instrumento, nos instrumentos musicais, no canto, bem como na capacidade de interpretação de vários estilos e aprofundamento do estudo da dramaturgia clássica à criação de uma dramaturgia própria.

Para que um objetivo ambicioso como este se concretizasse seria necessário que um mesmo grupo permanecesse durante certo tempo no processo e que alterações de pesquisadores/artistas fossem as menores possíveis.

Desde 1991 foram realizadas várias pesquisas que redundaram em espetáculos, alguns premiados em participações em festivais nacionais. O grupo teve o projeto Antígone aprovado pela Lei Federal Rouanet e recebeu, em 2001, com o projeto Trativelindepraglutifitotinquelux, o Prêmio Estímulo Flávio Rangel, como reconhecimento de seu trabalho nas Artes Cênicas do Estado de São Paulo. Soma-se ao grupo em 1996, para o início da investigação do teatro com a dança, a bailarina e coreógrafa Lara Pinheiro.

Em 1999 Carlos Gardin, Christine Greiner e outros profissionais implantaram na PUC-SP o curso de Comunicação das Artes do Corpo. Desde outubro de 2001, a Trupitê de Teatro passou a ser constituida também por alunos desse curso.

A Trupitê de Teatro começou a desenvolver para esse projeto, uma pesquisa que parte de um estudo do método de interpretação criado por Antonin Artaud, leituras de vários textos dramatúrgicos, trabalhos laboratoriais em improvisação, mímese corpórea, música, ritmo, colocação de voz, trabalho com instrumentos musicais, para enfim, estabelecer um cronograma que levou a um resultado, ou seja, um espetáculo em que esta presente o núcleo da pesquisa do grupo que é o amalgamento das várias linguagens num produto síntese.

Ao testar os diferentes métodos a Trupitê de Teatro busca criar uma linguagem própria de encenação que compreenda as múltiplas facetas e possibilidades do intérprete contemporâneo com ênfase na transdisciplinaridade e na transculturação. Forma artistas/educadores capazes de buscar a transformação e a auto-transformação através da observação atenta do homem em seu meio e do homem na representação desse meio ambiente.

Com o resultado de seu trabalho o grupo procura atingir não só seus participantes mas estudantes de Artes Cênicas de um modo geral, apontando para a necessidade de aprofundamento das pesquisas em métodos de criação, confronto e reflexão com os postulados teóricos.

A pesquisa laboratorial em Artes Cênicas tem peculiaridades que exigem constante aperfeiçoamento. Quanto maior a longevidade do grupo mais profunda sua formação e melhor ela atinge os demais artistas, pesquisadores, alunos e educadores.

Desde 1998 o trabalho de pesquisa em teatro do grupo tem sido voltado mais especificamente para o que chamamos Teatro-Dança, pesquisa arquitetada a partir dos métodos de Margueritte Marin e Pina Bausch. Todo o trabalho do grupo é também acompanhado pela coreógrafa Lara Pinheiro que tem experiência internacional no método de dança-teatro. O grupo, no entanto, parte de sua principal experiência que é o teatro para inserir as técnicas de dança que transformem o fazer teatral não só do ponto de vista estético, mas sugerindo um outro tipo de dramaturgia.

Neste processo o grupo foi questionando como se dava o processo de criação do artista revelando questões como: crise da criação, criação de personagens, métodos de construção de texto, de dramaturgia, de movimento e gesto, entre outros, com o objetivo de sintetizar essas questões neste espetáculo que envolvesse, portanto a metalinguagem.

Buscou-se uma referência dramatúrgica que contemplasse tais questões. Neste sentido a dramaturgia americana de Sam Shepard foi o ponto de partida para o atual processo de trabalho do grupo. Foi feito um estudo e análise da obra em especial do texto ANGEL CITY. O texto passou por adaptações que foram experimentadas com improvisações sobre a temática: o processo de criação teatral, especificamente a linguagem do Teatro-Dança. No processo de produção de texto tivemos como resultado o texto de Cidade Proibida que apresenta colagens de textos do diretor e de Antonin Artaud.

O procedimento técnico de ensaio envolveu pesquisa e aprofundamento na criação de uma dramaturgia, exercícios para preparação do elenco na criação de ritmos, sonoridades que foram aplicadas no espetáculo; trabalho de preparação corporal e física, em especial na criação coreográfica específica para o ator, para o teatro; preparação vocal para emissão de sonoridades e para a emissão de textos; mímesis corpórea para a criação do corpo das personagens; improvisação para a criação de cenas.

JUSTIFICATIVA E OPINIÃO PESSOAL

A curiosidade de entender um pouco mais sobre o autor me fez sentir um tanto atraída ao ver a divulgação da montagem do texto de sua autoria em cartaz e disponível para satisfazer esse meu interesse.

Busquei assimilar esta nova vontade com certa vez em que também já havia tido contato com o universo de Antonin Artaud, no ano passado, com três textos: “Van Gogh + Van Gogh, o suicidado da sociedade” (com Elias Andreato e Pascoal da Conceição), “Onde Deus corre com olhos de uma mulher cega”( com Maura Baiocchi, Wolfang Pannek e outros), e “O grito que acabo de lançar” (com Ondina de Castilho, Cassiano Quilici e Toshiyuri Tanaka), junto com outras palestras e experimentos que despertaram em mim esta empatia a seu respeito.

E desde então, minha atenção é muito tocada quando tenho a oportunidade de aprender mais sobre sua arte através da influência que deixou florescer em alguns contemporâneos também invadidos por ela.

Mas minha tarefa aqui não será comparar estes textos anteriormente assistidos com “Cidade Proibida”, mais recente, mesmo porque eles tiveram aspectos artaudianos diferentes, tornando quase impossível para alguém de poucos conhecimentos sobre estes como eu, fazê-lo... Mas o pior ainda será relatar o presenciado como espectadora, justamente por tratar de um teatro valorizado pelos nossos sentidos, dificulta conseguirmos sintetizá-lo de outro jeito a não ser o vivenciado e cúmplice deste mesmo prazer como meio transmissor da obra do autor.

“Essa linguagem material e sólida pela qual o teatro pode se diferenciar da palavra consiste em tudo que ocupa a cena, tudo que pode se manifestar e expressar materialmente em cena e que se dirige aos sentidos em vez de se dirigir primeiramente ao espírito como a linguagem da palavra.” ( Escritos de A. Artaud )
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Relatório: Este texto foi baseado em “Angel City” de Sam Shepard, onde Carlos Gardin fundiu com a dramaturgia artaudiana como preferência do grupo e fez uma adaptação até chegar à “Cidade Proibida”, com um pertinente e adequado enredo onde seis pessoas, presas num mesmo ambiente, buscam utilizar o teatro para resolver o estado precário de uma cidade.

As inquietações de cada indivíduo dentro de um recinto fechado como um confinamento da cumplicidade e também da falta desta construída entre eles é um dos focos da história. Cada personagem contém um modo de ‘empestiar’ o seu redor, pontuando-o como algo que deve ser mudado. E requerem de algum alvo para que esta transformação alcance uma nova forma, uma criação. Mas acabam por proibirem-se de tanto prenderem-se a ela... Criticam o tédio da normalidade do teatro vivido na época (realismo) e por isso preferem ausentar-se daquela cidade que “dorme tranqüila”, delimitando seus próprios confinamentos até surgir a esperada arte ideal...

Mas esta procura de rumo manifestava-se de maneira diferente em cada personagem dentro do recinto e fora da cidade. Porém foram levados a uma mesma atitude em comum de contratar uma pessoa especialista para poder auxiliá-los. Com este novo membro carregado de experiências trazidas do lado de fora, unem-se cada vez mais através das suas insatisfações e acabam por contagiá-lo a esta desconfiança do conteúdo das coisas vistas e portadas por ele, se estas ainda serviam ou se só haviam restado o seu pó.

A cidade proibida é a habitual vista pela janela, mas onde não se permitem morar.

Houve uma impressão minha da presença de certo humor irônico ou sarcástico no gênero, possivelmente por não ser algo convencional esta forma como uniram a interpretação, a dança, os sinais de pantomima (a mímese de A. Artaud) e os sons que me causaram tal reação.

Isto também influenciou muito na direção dos atores, pois assim como o som de uma mão brincando de bater nas figurinhas de um baralho dão ironia a um tema tão sério, ela também pode fazer parte do ritmo do trecho do texto interpretado por outro ator na cena. Ao longo do espetáculo, estas idéias se interligam valorizando o ator e a capacidade de seu corpo. Assim como cada gesto criado por eles, inicialmente não identificados, e constantes em todos os personagens, também entrelaçam a mesma linha da cena tornando sinais de comunicação com esta. “Transformar o conhecido em desconhecido sem conhecer de verdade.”

Outra impressão possivelmente existida apenas pela percepção tida por mim, foi o desenho das vozes. Percebi uma preocupação da direção em animá-las, deixando-as parecidas com as de desenho animado mesmo, tanto a voz da mulher “de uma normalidade aterrorizante” como esta que assim a descreve, sendo uma outra personagem já caracterizada com voz e roupa de soldado, como também a voz aguda e alienada de um personagem artista, taxado de confuso e estridente. Puderam ser observados então, por causa da possível maneira de trabalhar a concepção da linguagem e da variação sonora sugeridas no teatro de A.Artaud...

Os atores também exploram a dança como uma explosão para cada ápice contido em todo instante de movimentação do texto, e toda frase que os movimentos contêm... Isso resultará numa coreografia originária da coerência das próprias marcas com o texto. Até as sombras dos atores formada pela luz, podem encaixar-se nessa materialização para o sentido visual.

O clima estabelecido no teatro tinha a ver com a mecânica da movimentação dos atores, que por ser diferente, provocava também sensações diversas por meio dos sentidos visuais e auditivos dos espectadores.

A trilha sonora revelou a importância do corpo do ator. Com ele, moveram até os ruídos do espetáculo como os sons de pancadas fortes feitas por quedas no chão, por exemplo.

Mas eles não foram os únicos participantes da sonoplastia, houveram instrumentos tocados como a flauta doce para algumas cenas e também músicas gravadas num ritmo não muito bem distinguido por mim, mas que era parecido com um leve rock nas mudanças de cena e quando dançavam...

A história foi concebida por mim como uma explícita crítica ao realismo. Não só por tratarem-na com a proposta do duplo como também pela forma de encená-la.

A minha maior curiosidade de entender o teatro de A. Artaud, era conseguir enxergar uma plástica, uma cara desta arte. E isto foi mostrado nesta encenação pela sua ligação com ele atingindo desde o som da flauta em

coerente comunhão com os gestos num momento enquanto um dos personagens falava, até o engajamento como conseguem materializar por imagens as próprias idéias de dois personagens discutindo sobre o que criar; primeiro a cena ocorreu dentro do ambiente onde estavam presos: um era o artista de espírito renovador e cheio de esperanças, o outro era o profissional experiente carregando consigo uma corda com sacos amarrados, representando possivelmente todas as coisas já vividas por ele lá fora, em outro lugar sem ser aquele. O mais novo questionava a importância de tal sabedoria deste mais velho, até chegar um momento de vasculhar esses sacos já desamarrados e depositados por todo o espaço, pondo-os em juízo e abrindo-os para encontrarem enfim, pó dentro deles.

“... Estamos morrendo na frente do outro sem saber...”.

A mesma cena repetir-se-á de modo idêntico, a única diferença será a presença dos próprios personagens que a viveram na primeira vez, assistindo-a ser mostrada para eles nesta próxima, fora da janela por outros dois atores, que utilizam máscaras coloridas.

Com isso demonstram exatamente as mesmas palavras ditas tanto na primeira quanto na segunda vez repetida a cena, mas com maneiras duplamente distintas: discutem sobre o teatro da época em busca da criação de algo novo, mas a imagem os distorce como se a única coisa que os diferenciassem fosse as máscaras utilizadas depois, na segunda vez... Isto provocou uma invocação de espectadora em querer comparar qual seria o mais realista: o que escancarou a cena com aquela crueldade artaudiana da situação de crise do que tinham, ou aquela apresentada como teatro que a fantasiou com sorrisos desenhados em cima de suas caras?

A iluminação foi variada com níveis de maior ou menor luz. A mais predominante foi a luz baner, clara e amarela. Houve cenas onde o escuro era a luz, como nas danças coletivas e também quando a luz vinha somente da janela acesa.

Realizada num espaço onde eu nunca havia ido, a peça portanto aconteceu-me como proprietária inclusive do lugar onde foi encenada. Dispuseram das paredes do teatro para usar como cenário. Provavelmente a parte branca que havia no fundo do palco, era coberta por mais uma cortina preta servindo de rotunda para completar a caixa preta de um teatro. Porém eles não a utilizaram. Deixaram em exposição somente as cortinas laterais, desfrutando então dessa parede do fundo.

Assim como o teto também funcionou descoberto umas partes acimentadas entre o jogo de luzes para sustentá-lo, parecia um encanamento, uma construção, o esqueleto do próprio local da história.

No chão de madeira, eles colocaram inúmeras pedrinhas brancas cercando todos os cantos do palco para isolar um quadrado meio ritualístico, cerimonial onde passavam as cenas.

No fundo, havia uma janela luminosa rente a este cercado empedrado que podia alternar a sua cor dependendo quando apagada; branca, quando usada para olhar a cidade; acendia o verde. O seu formato era quadrado, lembrando mais ou menos a borda e o tamanho de uma grande televisão...

Não havia demais objetos em cena a não ser esta janela mais uma cadeira perto do centro do palco.

Com os ferros de um carrinho de supermercado de cor vinho, montaram exatamente o mesmo formato e a mesma resistência de uma cadeira comum, que sustentou com facilidade o peso dos atores sentados ou de pé em cima dela. Fizeram com que as grades desta não os incomodasse na hora de sentar, pois se aparentava muito confortável ao sentarem.

Quando os atores não estavam na cena, encontravam-se fora do quadrado, mas continuavam movimentando-se com os sinais de mímese.

Imaginei a dúvida entre os personagens da cena e os atores da peça, pois a relação com a história do texto é muito próxima da realidade de um ator. Então, quando o texto era dito, fiquei na dúvida entre eles estarem interpretando cada personagem ou atuando de modo experimental. Então apostei mais no método experimental o qual achei mais contemporâneo aos olhos da proposta de Antonin Artaud e também do próprio grupo a respeito do seu princípio em trabalhar de fora para dentro.

Mesmo assim, houveram alguns momentos em que os personagens certamente existiam nesta nuança:

Uma atriz vestida com roupas e vozes femininas, figurino cor de rosa e tênis, penteada com dois coques, um para cada lado. Parece ingênua quando surge, mas as poucos reconhecemos suas vontades.

”Agente ta dando voltas pra chegar à lugar nenhum, cada vez mais rápido.”

Um ator com sobretudo fechado e preto, lápis nos olhos, traz consigo uma corda cheia de coisas: sacos brancos, enfeitados e pendurados contendo uma espécie de areia fina dentro. Ele vem da cidade chamado na suposta sala em função de auxiliá-los na busca de uma criação artística. Acredita ser um profissional experiente da área para salvá-los.

“Ou agente controla as coisas ou as coisas controlam agente.”

Uma atriz fardada com voz, andar, modos e postura de soldado. Seu ânimo em não se animar estimula uma revolta sarcástica contra as suas decepções narradas.

“O meu bom humor é a variação do meu mau humor”.

Um ator de terno e tênis, um pouco descabelado e com um lado do rosto pintado de verde passou-me a figura de um amante do teatro pronto pra consumar sua dedicação em não conseguir achar um rumo adequado a ponto de criar sua própria arte. Esta sua vontade é um pouco mais alterada em relação à dos outros personagens. Há um certo humor na sua alienação. Sobre ele, percebi um trabalho mais direcionado à elevação da destruição associada à relação entre teatro e peste, feita por Artaud. Pois nas suas falas, ele se refere à “esgotos e coisas que roem de dentro pra fora’’, servindo de salvação para “olharem pra dentro”. Aproximando com isso, o que parecia ser dois extremos: a criação e a destruição.

“O teatro, assim como a peste, é uma crise que se resolve pela morte ou pela cura. E a peste é um mal superior por ser uma crise completa, não sobrando nada depois dela a não ser a morte ou a purificação” (escritos de Antonin Artaud). Mas no texto da peça, a última palavra dita por ele é destruição em vez de purificação.

“É preciso acreditar num sentido da vida renovado pelo teatro, onde o
homem impavidamente torna-se o senhor daquilo que ainda não é, e o faz nascer.”


“A cidade dorme tranqüila...”

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