segunda-feira, 26 de julho de 2010

ANÁLISE ESTÉTICA DO ESPETÁCULO: “ QUARTO 77 ”

ANÁLISE ESTÉTICA DO ESPETÁCULO: “ QUARTO 77 ”, de Leonardo Alkmim

Para não construir um receio de não acertar o entendimento da proposta do espetáculo, coloquei minha intuição como objetivo da análise. Onde até poderei desencontrar as minhas percepções das intenções esteticamente criadas por eles. Mas darei importância em defender a maneira como a peça foi absorvida pelas minhas sensações.

Isto vai ficar mais claro durante o desenvolvimento quando eu explicar com mais detalhes as partes que me chamaram mais atenção. O meu foco foi maior sobre o texto, por exemplo. Suas metáforas abriram janelas para um mundo atraente e pouco observado; as reações, dependências e contrastes de algumas partes do nosso interior trabalhadas pelo nosso equilíbrio entre a mente e o coração. Conseqüentemente aparecem dificuldades no controle entre a razão e a emoção.

Os valores do espetáculo são além do que enxergamos concretamente, estão escancarados em qualquer parte do espetáculo: desde a enérgica interpretação dos atores, o despido texto e a atmosfera cúmplice de nosso interior, até a grande sacada do comportamento do público ao se acostumarem em desleixar a reflexão do que vêem e cederem à monstruosidade do sono.

Mesmo com este tema super abstrato, a encenação não trai a nossa realidade. A intimidade entre as cenas e o público nos provoca. Efeitos exagerados e surpreendentes vistos com freqüência em muitos espetáculos como recurso de garantir um impacto no espectador, tornam-se, para “Quarto 77”, apenas enfeites desnecessários frente ao conteúdo carregado pela apresentação.

A direção do espetáculo lembrou de tudo. Caprichou mais nos movimentos dos atores e na marcação do que na própria interpretação destes. Houve harmonia e comunhão entre todos os elementos (cenário, luz, som, figurino etc). Com influências brechtnianas e alguns símbolos, originou uma encenação prática e bem composta.

O figurino e a maquiagem não “pesam” muito, ao meu ver, na hora de avaliar a encenação. Por ter um cenário muito apto, facilita a relatividade com que poderia se trabalhar o figurino: desde pijamas até roupas formais (e eles desfrutam da oportunidade: principalmente ela, conforme a apropriação da vestimenta na personagem, utilizou várias ocasiões distintas).

Pela minha visão, os personagens seriam uma grande metáfora (com menor importância nos nomes e /ou nas gêneses) representando a razão (ela) e a emoção (ele). Encontram-se presos num mesmo corpo (mesmo quarto), um precisa fatalmente do outro. Ela joga o tempo todo com ele. E ele, por sua vez, não consegue mandá-la embora. Ela persuade, engana e confunde-o. Quando ele tenta eliminá-la, atacando-a com violência, torna-se um monstro. Existe um desejo e uma atração de complemento insolúvel entre os dois. Ela precisa dominá-lo, entendê-lo. Ele, satisfazer-se. O texto dá mais abertura nesta intenção quando evidencia as frases: “É não falando que a mulher magoa” (ou seja, ao ser calculista e não mostrar seus sentimentos) e “O sono da razão gera monstros” (este com maior foco, sem a mulher, o coração se perde).

O aparecimento da mesma mulher com 7 personalidades variadas, ilustra quantas interpretações distintas pode-se obter deste texto. São inúmeras as revelações que vão mostrar para cada indivíduo. E contemporaniza tão bem com a nossa pluralidade de pensamentos, esta árvore emancipada criada por cada costume individual/ social.

A minha interpretação neste ato, é por ela ter sempre a mesma intenção, (seja ela a mesma mulher, ou não) a de dominá-lo, de persuasão para ganhar um lugar no quarto e provar (pela exatidão da matemática do 7, por uma existência real de uma gravata ou mesmo pela coincidência de uma música) o acontecimento; que a razão existe e não é imaginação dele. Existe e persiste. O costume é deixá-la existir. Tanto que a penúltima parte onde ela aparece, o quarto torna-se silencioso, sem atritos pela aceitação da razão por ele... É como se o coração dormisse. Finalmente, na última cena, é a razão que prevalece e toma o lugar dos instintos. Ela é acostumada a falar, porém não precisa mais dizer, só demonstra que a voz é dela, ao se maquiar com um chamativo batom vermelho.

Ele: A cara barbada, suja e suada de um animal porco, irracional, natural pelos instintos. O branco de seu figurino mostra a ingenuidade pura das emoções e das intuições. A face transformada gradativamente em monstro. O gesto de agressão aos cabelos, quer agredir sua própria mente, não gosta de entender. Descabela-se. A forma física inadequada lembra despreocupação, apego aos prazeres e vícios dos sentidos.

Ela: perfeição + habilidade + clareza + exatidão + lógica = razão.

Possui corpo e formas padronizados.

Diferentes maneiras da 1ª) Roupa de folgada, de brusca.

mulher aparecer sempre 2ª) Jaqueta jeans e tênis de imposição.

com a intenção e o mesmo 3ª) :

destino em comuns: o de 4ª) :

provar sua existência de 5ª) :

uma forma ou de outra 6ª) Formalidade ( passiva quando ele a aceita ) e o batom

(ou de 7...) vermelho para enfatizar que a última palavra é a sua.

7ª) Novamente uma roupa imperativa.

Os recursos cênicos não foram redundantes com os seus signos. E quando apareciam mais de uma vez, era para relatar de mais perto, confirmações no seu significado. Como quando a mulher envolve o rapaz com uma gravata, por exemplo. Não pelo enforcamento em si, mas ao querer insistir em comprovar sua permanente ocorrência no quarto. Sempre dá um jeito para ele perceber a presença dela no seu quarto, e o jeito mais convincente que acha é a gravata que ela mesma o presenteou, dando “a corda” para ele se enforcar.

Os números 7, talvez também podem ser símbolos para lembrar o azar da emoção, a mentira ou a matemática. Lembra provas e logo, existência/ raciocínio. São dois os números 7: “equilíbrio” de azares/mentiras entre a mente e o coração. Há um momento em que o homem da peça começa a vomitar contas sem lógicas. Tenta em sete mulheres a expulsão de um quarto onde é fracassado e azarado também 7 vezes...

A mala trouxe-me tanto os sentimentos carregados por ele, quanto o passado cogitado sempre por ela.

A garrafa de bebida embriaga-os equilibrando o controle na gangorra. Pois ficam mais sensíveis a quaisquer reações; ou se explodem, ou se esquecem.

O lençol escondia o corpo dela e mostrava a cara dele. O branco no pano apagava os pensamentos que ele não queria ouvir.

A cenografia

Sabe-se que os objetos são para a peça, sem nenhum enfeite, e com total utilidade. Não precisaram se preocupar em deixar exposto (como na peça “Arena conta Danton”, por exemplo) a cara do cenário para distinguir a encenação. Apenas se apoiaram nos elementos da proposta de Brecht, como uma base para ajudar no espetáculo e não como efeito para demonstração explicativa. Não foi necessário nenhum recurso mais evocativo para sustentá-lo como realista. Já o é por si só, ao estarem ali, mostrando o seu significado natural do cenário.

O quarto pode ser uma prisão (dos instintos com o pensamento), um corpo, ou até mesmo uma mente! Dentro dos parâmetros da imaginação que o texto permite.

Poderia ser apenas uma cama, ao invés de duas: para evidenciar a concorrência entre os dois (um dormiria no chão, por exemplo, havendo espaço só para um lugar...).

A janela (e o seu truque de “porta-trecos”) precisava aparecer na cena, propositalmente. Estético: mostra a vontade / ou não, de estar no quarto / na parte de fora. Intenção de prisão. Porem, às vezes não me passava a imagem de uma janela, e sim, de um baú onde você joga coisas fora, sabendo que permanecerão ali.

Uma cadeira super comum, o que aproximou a real intimidade com a platéia.

A luz do quarto: uma lâmpada e o cuidado que os atores tinham ao acender e apagá-la sem balançar o fio representante da função.

A mudança do lugar da cama: na 2ª vez que aparece a atriz, ficou em aberto porque motivo a cama muda. Seria para esclarecer a mudança de ocasião, simular uma nova e / ou diferente cena?

A porta: tão cobiçada pelos dois. Quem é o dono da chave? Certos momentos, os personagens mantinham grande distância dela, em outros afrontavam-na querendo abrir caminho e ainda outro, impedir a passagem. Às vezes amavam aquele quarto, outras o repudiavam.

Na iluminação, o que mais me apavorou foi a luz da janela. Uma angústia de saber em qual mundo eles estavam, de onde vinham. O colorido deixou muitas hipóteses sem respostas. Até mesmo para atrair esta dúvida a quem assiste.

Há um momento de uma enorme sombra da mulher sobre o homem. Como se ela fosse o monstro da cabeça dele. Enuncia também assombração.

Quando uma abstração aparece logo sobre o sono da razão dele, é o primeiro contato revelador de monstruosidade que o público enxerga, e muito claro e funcional.

Somente os black outs em algumas mudanças de cena, que não me satisfizeram. Por que não assumir a exposição da troca de cenário, já que não temos a quarta parede e já foi mostrado que fazem teatro?

Pensei num bom argumento para isso, o fato de ter a luz permanente no número da porta (77). E para destacarem bem, produziram a escuridão no restante do palco...Pensei também na luz do quarto estar apagada. Contentei-me com as duas respostas.

Os focos de luz jogados no rosto dele a cada repetição da frase dita por ele: “o sono da razão gera monstros” são diferenciados. Ora de cima para baixo, criando sombra no nariz e pescoço e clareando a testa, ora de baixo para cima, quando assusta mesmo pelo queixo e olhos iluminados de fogo e o resto escuros, ora também mais avermelhados na luz do que antes. Sua monstruosidade é crescente.

Gostei da mínima luminosidade do quarto, na hora em que mostram a sombra de alguém entrando, mesmo no escuro, enxerga-se perfeitamente a sombra de um camareiro, talvez.

As cores sempre alaranjadas, amarelas e vermelhas me passaram muita tragédia. Adorei a combinação com a morbidez do marrom no cenário. O que fez lembrar cores da suspensão do juízo.

A sonoplastia aperfeiçoou o que já parecia perfeito. Ela não encobriu nenhuma falha ou vazio do espetáculo, pelo contrário: o preencheu muito com o seu silencio muito estético. E quando soava, era extremamente harmônica com a atmosfera; desde o som daquela água escorrendo, como se fosse uma urina, um mictório ou uma torneira aberta, até as barulhentas sirenes como um socorro dos batimentos cardíacos e não da chegada militar.

As batidas fortes na porta quando um dos dois personagens ganha a discussão, como se quisesse invadir todo o quarto. O silencio, novamente, era uma canção de ninar, que só intimidava e angustiava as mentes confundidas. Os passos fora do quarto parecia ser um deles querendo fugir, ou entrar de vez.

O canto da atriz fecha com chave de ouro. Sua aparição nas horas mais exatas que o autor gloriosamente marca com muita vitória no resultado. Traz consigo a provocação fatal e emocionante do espetáculo. Se não fosse o incidente de rouquidão na voz da atriz quando assisti que a prejudicou, sairia ainda melhor.

Tive que concordar com a mecânica automática de alguns momentos na interpretação dos atores. Mas foi super imperceptível junto a tantas circunstâncias boas. E também ruins: o pequeno público na lotação do espetáculo, implicou certamente numa comunhão maior entre a energia de veracidade deles. Mesmo assim, a capacidade natural dos atores supriu o mantra. Decepcionei-me ao ver a quantidade de pessoas assistindo uma peça merecedora de divulgação de sua ótima mensagem.

“Tanta intimidade, intimida”...

A nossa reação é intimidada. E eles praticam esta frase integralmente. Tudo se funde tão fluente num texto poético e filosófico, que nos intimamos a nos acostumar em não ver certas razões para enxergar o nosso próprio interior, e muitas vezes preferimos dormir...

Mas será que a razão precisa mesmo morar no quarto sozinha, como acostumou o quarto 77 em seu fim e em nossa vida? E se nossos instintos forem o melhor caminho para atingir a natureza dos pensamentos?

Uma coisa, a experiência já mostra: a razão pode dar tudo para a vida, mas quem sustenta a vida, é o coração...

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