domingo, 4 de setembro de 2011

Carta ao futuro

Como um fiapo saído dos cílios da lembrança, hoje veio me cutucar um cisco inquieto a querer despertar aquela mais pura esperança, teimou em cismar o roçar de um rio afetuoso e desejos árvores dançantes até que conquistou: coçou-me o instante de uma lágrima!


Estou dentro de uma mala e a chave virou semente de ilusões que florescem em alguns pés de abraços. A fechadura, muito menos, há um tempão ela deixou de existir e foi visitar seus antepassados, a história do mundo, e essas coisas todas intelectuais que costumam nos regrar para a libertinagem, de alguma maneira. Bom, entendi, depois de bater muito com a cara, as partes todas do corpo, o nariz e os cotovelos arranhados pelo couro dessa bagagem, que é ali dentro aonde vou ter de sobreviver durante um período suficiente para eu não me esquecer mais, lembrar de mim o tempo todo e seqüestrar minhas relações pessoais, de fato, para mim mesmo. Para que eu recupere o que guardei tão bem guardado dentro daqui de dentro, é preciso não mais tirar a roupa de fora e ser nua, mas vestir a pele do avesso. Encarar minhas entranhas, ir fundo até no meu superficial. Isto é só um exercício de descoberta, auto-conhecimento e valorização da auto-estima, por mais torturador que pareça. Tortura é o não. O não ser por mim. Ainda acredito em autonomias, liberdades, escolhas e sujeito. E não era nada disso que eu precisava te dizer. É somente sobre o esquecimento. Isto é um esquecimento, esse egoísmo todo é um esquecimento, e escrever pra mim sempre foi uma despedida, não um encontro.

Eu já esqueci demais a vida. É como se eu estivesse morta no passado, pois não tenho muita memória. Tudo anda automático e efêmero a ponto de eu não acompanhar minhas lembranças o suficiente, as coisas simplesmente expiram. Quando não há mais memória também não se suporta o esquecimento. Não concordo unicamente com o presente. O presente precisa do tempo, não está parado nunca. E eu preciso de passado, neste momento. Estou numa fase de entender um esquecimento que me veio imposto por encomenda, forçado com isso e somente por isso, a ser lembrado. Temos várias formas de organizar o que queremos lembrar, ás vezes é o conteúdo da lembrança que nos forma, ou transforma. Às vezes somos moldados e esquecidos por falta de memória. Sei que não quero mais me alienar de meu passado porque nele eu me encontrarei. Quando crianças ou mais novos, temos a tendência de idealizar e iludir nossa personalidade para formá-la, para almejá-la, para percorrer os caminhos que queremos. Estou exatamente no momento de passagem, em que já sonhei e percorri algo. É neste algo que me volto agora afim de me entender um pouco, nao somente com o que quero ser, mas com o que já fui e tenho até agora. Quero não trair a mim mesma, ser real. Nem somente ideal, nem somente material. A própria fechadura, também se virou para dentro, juntamente com a mala comigo presa lá, e é necessário recompor um universo para que eu me abra para o mundo novamente e encontre realmente tudo o que guardo do outro lado. O outro lado é o presente-passado, e eu o passado-presente, pois nos completamos, e os dois junto é que é o futuro. O limite é virtual e apenas uma ferramenta, sempre me foi apenas um espelho reflexivo. Nele podemos ser esquecidos ou lembrados, dependendo da perspectiva donde se olha.
E concluindo agora mais direta: estou numa crise de identidade sim. Tenho isso mais ou menos de quatro em quatro anos, pois adoro mudar para inclusive transformar o mundo. Sim, sou utópica inclusive com o amor. Nem sempre ele acompanha o mundo, a maneira como amamos hoje me soa muito ingrata e egoísta, mesmo essa livre é meio burguesa: nós podemos até ser livres, mas o amor ainda não o é, ele continua sendo um sentimento social e (per)seguido por todos, com as circunstâncias de todas as forças coletivas e morais. Sei que pra você não preciso falar tudo isso, mas isso que chamamos de amor ficou somente na lei da palavra, podemos sempre inventar sentimentos e relações e esse que é o melhor barato. Já me acho conservadora quando sinto coisas próximas ou imutáveis por pessoas, do tipo a necessidade de vê-las, de ter saudades, cultivá-las. Mas essa ânsia incômoda por mudanças pra mim é que é uma crise perturbadora, um sinal de que estou fugindo das coisas que já senti. É um sintoma do quanto me machuquei e preciso me perdoar pra aceitar meus sentimentos pelos outros.
Aceitar novamente até o amor convencional seria um passo de evolução. Esse é meu impasse entre: amar e ser. O amor não é, a gente é que ser. Vou contra meus princípios se amo sem rever meu ser, sem me redescobrir. E se eu fizer isso dentro de um amor, já estarei me traindo. Se eu não amar também, estarei fugindo. É como te falei, quero dar prioridade pra mim por inteira, não mais somente para o amor. E eu fiz muito isso de separar uma coisa da outra para me defender, pois adoro me entregar e ser intensa nos sentimentos, esquecer de mim. Mas antes disso preciso me amar primeiro, ou amar o amor. Uma relação se dá com duas pessoas inteiras e isso é o mais lindo, senão não há encontro, há leviandade e consumo. É uma questão de tempo isso, só, nada muito grave, mesmo. Mas é algo que precisa ser. E não pode ser ignorado ou esquecido, como me foi por muito tempo. Por isso é questão de tempo mesmo: de lembrar-me desse mim esquecido.
Você, uma das únicas pessoas que me permitiram ser egoísta a ponto de escrever e assumir tudo isso. Porque entrou, de fato, no meu coração e fez com que eu também me amasse por te amar. É incrível o quanto se reinstaurou toda uma vontade contida que eu tinha de ser, de acreditar. A certeza pra mim sempre foi incomoda até que eu a descobrisse nos sentimentos. Você é um sentimento. Único. O que já me coloca na velha maneira de amar egoistamente, e de idolatrar uma pessoa. Eu só sei amar, não consigo deixar ser amada, isso é um problema feminino. Mas tenho esperança que estou prestes a superar, se houver paciência e compreensão. Ao mesmo tempo não acho nada justo isso, pois sou leviana do mesmo jeito ao fazer isso com você, só por minha causa. Sei que por você não há problema e está muito livre desses impasses pequenos e individuais, mas me preocupo muito com as minhas intensidades sobre você, elas são perigosas e eu gosto muito de senti-las.
Eu sou viciada na linguagem do coração e como ele é capaz de se comunicar melhor do que nós. Isso me desequilibra bastante, ele se impõe mais do que eu. Ele te ama mais do que eu, ele foge dos meus pensamentos e do que acredito ou tento acreditar. Então resolvi buscar mais o que vivi do que o que sonhei, mais o que senti, e isso tem a ver com o amor porque tem a ver com o passado. O coração conta todas as batidas do nosso tempo, o que somos, fomos, queremos ser, o nosso ritmo interior e real, a coisa que mais nos conta. Vou atrás de ouvir a história que ele tem pra me contar já faz tempo...


Há um cisne flor embaixo de um sorriso arborizado de nuvens doces. Como eu nunca snookei essa lua desejada antes? Tão cheia de enamoros vazios de perplexidades minguantes. Cresce então essa cobiça nova novamente em mim. Licor carente de ainda mais humor? Mas toda a gaita de rancor que trago é por demais alucinógena, sulga teus suspiros todos. E ainda aguda, grita aguçante por qualquer orgasmo de instantes. Semente-me ter, meta isto não apenas lá na cabeça: jamais é acolhido o que somente planta. É verde a cama por isso: não é esperança. Mas brinca por favor com a minha conchinha na areia? Vamos nadar juntos. Banho de libidos eu aceito quando for de chuva suculenta que baba por um sol todo derretido. E a vida é assim, bolada pelos nossos sentidos a ser viajada de toda nisso. Desculpe a demora, é que a luz da minha cabeça não quer apagar e implora por não te esquecer de interruptor balançando na rede das minhas mãos. Não chora tua insônia para mim senão vou ninar o seu manto inteiro de bolas de sabão telepaticamente coloridas. Entre o meu sonho e a tua música sonífera e hipnotizante há nipes de baralho jogando RPG com damas de xadrez. E eu adoro todo esse flerte místico e infantil. Mas onde é que eu estava mesmo quando não me encontro em outro lugar senão aqui?

Pausa

Você era meu
karma
profunda desculpa
que sempre volta

Mas eu sou ateu
causa?
rasa é a lupa
que nos escolta

Você era eu
calma
não se preocupa
somos revoltas


PODE SER

Um minuto por favor
uma semi nota
pouca, fútil e idiota
depois eu volto

Cada coisa exposta
perturba o sono o dia
com qualquer outra bosta
rotina da ironia

Reclamação torta e grossa
volúvel indisposta lida
continuar a vida morta
quando o tédio é a partida


PARATI

"Quando era ali? As casas chegaram antes, uma bicicleta parada e a outra que vinha vindo com alguém montado em cima. Em cima das portas, redes penduradas. Brincos à venda pendurados nas paredes. A placa pequena caída no chão, gritando: "Temos filmes!" De um outro lado janelas padronizadas e impecáveis na restauração da arquitetura enfatizada. Mas esqueceram de lustrar o poste, o poste descascado carregava uma lampadazinha miúda e apagada. A procissão de fios entre as casas acompanhava as charretes ao fundo até se despedirem na montanha. Esta fica, e o tempo que desapareceu ali depois da foto, brinca de voltar pra dizer mais sobre os tijolos sem acabamento por trás da parte turística da rua, nas moradas de cimento. "


MATERIALISMO POÉTICO

SIMETRIA MESMO AO INVERSO
ASSIM METRIA A ALIENAÇÃO
PASSADO PRESENTE E ELITES
VANGUARDAS DIFERENTES

NOVIDADES E HISTÓRIA
FUTURO INVERTIDO
DIVERSO À DISPOSIÇÃO
POSICIONA CADA VERSO

O SILÊNCIO

O QUE ELE FALA
É O QUE NINGUÉM
OUVE

O QUE ELA OUVE
É O QUE ELE FALA:
NINGUÉM


SAUDOSAGENS

CANECA DE MÁRMORE RACHADA
LP REPETIDO
CONTROLE REMOTO
NUVEM LILÁS DE PÔR DO SOL TE OLHANDO
FÓSFOROS QUEIMADOS
CROCHÊ DESMANCHADO
RELÓGIO NOVO
CARTÃO POSTAL
LEITE COM NATA
LUZ ESQUECIDA ACESA
GELADEIRA ABANDONADA
CALMANTE DA SOBREMESA
PLANTAS TORTAS
LOUÇA SUJA APROVEITADA
PANOS LIMPOS
BRANDO BRANQUERO
BANHOS TÍMIDOS
LUAS PRA CHORAR
RESQUÍCIOS DE VÍNCULO
SOMENTE COM O LAR
VAZIO DE CORPO
E MARÉ CHEIA
VEIA ENTUPIDA DE BAR
VAGA FORÇA
LEMBRAR FUGIDO
TAMBÉM MORREU
TAMBÉM CORREU
LOUCURA ROUCA
SEM NENHUM GRITO
QUE NÃO O MEU
QUE NÃO O MEU
QUE NÃO O MEU
PROBLEMA NENHUM
MANDEM FÓSFOROS E TESOURA
E TODA SOLUÇÃO
SE EVAPORA EM LÁGRIMAS

HÁ MAIS UM INSULTO ALÉM
ALI ONDE FINDA O ÓDIO
E A PROA DO AMOR AFUNDA
EXISTE O ATRAENTE NADA

E A MISÉRIA DA PALAVRA
QUE ENCANTA NOSSO TÉDIO
ATUA NO PAPEL QUE FECUNDA
NERVOS LEITORES DO DESDÉM

MÚLTIPLAS ESPÉCIES DE PASMOS
ESPASMAM A FÚRIA DO CONTER
DELÍRIOS ABRUPTAM SEM ABRIGOS
CORROMPEM QUAISQUER ELEGER

MANTOS PRONTOS ESCRITOS
A CONGELAR TANTO CALOR
DÃO ODOR AOS CONFLITOS
QUE A TRISTEZA TEVE DE VALOR

META INTERIORIDADE

FUI ASSISTIR A PERSONAGEM QUE ACREDITO SER
NUM FILME DE MIM MESMO
E FUI EU MESMA PELA PRIMEIRA VEZ
FILMADA PELO AUTOCONHECIMENTO

Evadismo

NÃO SEI SE A MENINA EM MIM CAIU
E A MULHER ACOLHEU
OU SE MEU EU
MULHER QUE CAIU NA DA MENINA


VÉRTICE

A RETINA NÃO RETÉM
ELA
CHAMA DE ALÉM O QUE TEM
MANTIDO ENTRE ERAS

UMA EXPLOSÃO DE BENS
MAGNÍFICOS
VIAS ESTRELARES DO SOL
EXPLOSÕES LACRIMOGÊNEAS

PORTA DA ALMA
ÚNICO BURACO NEGRO
TRANSE OCIDENTAL
TRANSCENDE O URBANO

NERVO NEUR-ÓTICO
SONHADOR FEITO OS PLANOS
HORIZONTE PRONTO
INACREDITAVEL, MAS HUMANO

Margarido

SÓ SEI QUANDO VOCÊ
FALAR DE VOCÊ JÁ É SER
CABANA DE MERECER-ÉS
COMPOSTO DO SIMPLES

INFINITO MANTO PRADO
DO PRANTO QUEIMADO DE NÓ
PURA MAGIA EM NÉCTAR
EM PHÓTON, EM TRANSE, EM PÓ

POR PURPURINA PURA
HINO E HIENA TRANQUILOS
NO ESTADO SERENO
MARGARIDO


A PENA

ENSINA-ME A
BENZINA DO ESQUECIMENTO
AUTO-PRESSUPOSTO
ENSINA-ME, B

ENSINA-ME SER?
CANSEI DE PORQUERER
QUESTIONAR ENTENDOER
RANGER AS PORTAS

MORTAS DENTADURAS
DENTADAS INDISPOSTAS
INDIGESTAS E GROSSAS
VOU PARA PARIS


Quietude ainda é palavra

ASSIM AMISTOSO
MAS NÃO MIÚDO
NADA TEIMOSO
LINDO DESNUDO

ASSIM SIM SINTO
MUITO EM MINUTOS
TANTOS MARESMÚSICA
NÃO CABE ASSUNTOS


Ligue o flash

SUSPIRO
FÔLEGO
FADO?
TRÁFEGO
NAUFRÁGIOS
VEREDAS
BRISAS
NINAS
FADAS
SOMBRAS
BOMBAS
LAMPARINAS
TONTAS
TE ALUCINAS?
ZOMBAS.

CÁRCERE

O QUE EU TENHO É
UMA CANETA
PONTUDA

COM ELA PAGO O PÃO
A FÉ
NA LEI

SÓ PORQUE VENHO
DA LETRA SOU

REFÉM

Gesto

FEITO ESCREVER
POESIA QUE SE GOSTA
NA HORA
MAS DEPOIS NÃO LÊ

TEMPORAL

O ANO DE 2010 NÃO EXISTIU
O DE 2012 NÃO EXISTE
NEM ESSE
AGORA

O QUE EXISTE FOI O ESPAÇO PARADO
É SÓ
O ESPAÇO
SEM TEMPO

EU
NELE
TEMPORA-RIA-MENTE

Ora, pois

MAS ESSA SOLIDARIEDADE JÁ
É MINHA NÓS AQUI
DA ONG
CALDEIRÃO DO SOCORRO
FAZEMOS QUESTÃO
DE AJUDAR SEMPRE ATÉ
A QUEM NÃO PRECISA

É POR ISSO QUE SE
RECEBEMOS PARCERIAS OU APOIOS
É POR INTERESSE NOSSO
EM AJUDAR A NOSSA MARCA
É A SOLIDARIEDADE

Conhecimento

A DESPEDIDA DA INOCÊNCIA É ENCONTRAR-SE NO OUTRO. (24/11/2010)

Largada

A CORRIDA É UMA LÁGRIMA SECA E HORIZONTAL
QUE NÃO É NENHUM “POEMA DE ARQUITETURA IDEAL”
MAS É RESISTÊNCIA DA REPETIÇÃO NA PRÁTICA

Flerte-máquina-reprodutora de piscadas

As teclas daqui não soam feito mãos de piano,
mas queria que você me ouvisse
As janelas daqui não trazem muitos planos
mas queria que você me abrisse
Porque ali tanto faz ser irmão ou mundano
se o aqui também ali existisse

Cadê os galhos das veias na artéria?
cabo do fio de memória entupiu
Sobrou vestígio de novas idéias?
provável binômiquanticombinatória

isso não é saudade, não é dor, é um engano
asma do amor caso provem à vitória
haver restos de freiar esse jogo tirano
não por um instante, mas pela história

Portal das retinas

Perto de você eu mudo
e nenhuma palavra mais
mais perto de você
cada vez mais animais

Menos extinção, menos sujeira
mito de civilização, adeus poeira!
Viva à harmonia extrangeira
de morar na transformação

Revolução primeira foi a emoção
e última, última voz
voz da geração sem palavras
para dizer o silêncio, música!

Para amar a música, silêncio
para silenciar o dizer, amor
para musicar o silêncio, mudança
e tempotempotem, lento

Os mudos dançam com o tempo
tempo é dança muda
move o vento som
movimento

Assim como esta letra
e mais esta valsa-libido
mergulhados pela uretra
o silêncio goza com ouvido

Ouvido do silêncio é a música
do amor que doa
e muda
o instante olha e voa

vez da poesia

Dessa vez não queria
não queria que virasse poesia
dessa
vez não é ser, não é hora

É só um poder de aparecer
num enquanto infinito do agora
vez não é poder
é a história do instante de outrora

Vez não é você
filas de momentos à espera?
Do quê? Quantos mercados de vezes?
mulher vendida para as feras

Não quero ter vez
nem que seja sendo poesia
único tempo real do que já se fez
única vez sem nostalgia

Vez que passa mas que ainda é
dessa vez é que eu queria
queria mais que vez com você
como tem tua poesia

Amantes da "evolução"

Eu já sabia que ia
já ia acontecer
de qualquer jeito um dia
eu ia perder outro de você

Assim sem outras adivinhas
é só o passado aqui de novo
mais conquistas de regalias
pra ter de louvar nosso povo

Mas vai acontecer de novo
lei da escolha à solidão:
a folha sempre seca
mesmo que o galho estenda a mão

Mas despedida é um ponto de vista
árvore que por lá sempre fica
verde que por natureza é da folha
viajar-se de semente à conquista

E quem regar, com ela fica
renascimentos floridos e novos
e de novo a queda
foi-se a flor porque cresceu o galho

Antes da morte vem a foice

Buscar, de ônibus, de carro
bus car a busca
via contra mão de buscar
onde enfiar a busca?

Vício industrial
queima as nádegas do prazer
perde o trivial do perceber
e mata a sede errada

Não pára pra sofrer
fabrica amor feito piada
faz eu não amar você
nem mais nada

A vontade vira droga alienada
faz você não me querer
buscar compras promocionais
liquidação de instintos animais

Fatura de eterna busca
e o amor explorado, trabalha
na quantia de filhos produzidos
fábrica de enganados

Pra onde foi o o outro lado?
polvo que tanto quer
acaba engasgado, cuidado
que a foice da morte é mulher

Vênus sem vestido é estátua


Falta cor na vida dela
veia transparente corre só
tinta fresca
sangue que amarela


Nua vestida vermelho
peixe de pesca
a tela pisca pra porta
janela do espelho


Falta vida na cor morta
transparece quadro branco
semi-porta rouca
lágrima sem grito é pranto

Pulso, veste a roupa
Sai da cama e vai à feira
pé de dama não é cavalete
delicadeza é ser por inteira.

O RISO LIVRE DO CÔMICO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
CAMPUS GUARULHOS

DISSERTAÇÃO FINAL DE ESTÉTICA E FILOSOFIA DA ARTE III
PROFESSORA IZILDA JOHANSON
ALUNA CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA
FILOSOFIA, 7º TERMO, NOTURNO

O RISO LIVRE DO CÔMICO
(SOBRE “O RISO”, DE HENRI BERGSON)

SÃO PAULO
22/06/2011

O CÔMICO LIVRE DO RISO

“É assim que as vagas se batem sem trégua na superfície do mar, enquanto as camadas inferiores conservam uma paz profunda.”


Bergson trata a comédia enquanto um instrumento de ampliação e simplificação da vida dentro do tema situacionista e cômico da linguagem. Ligada à infantilidade e à rememoração dos prazeres brincantes e longínquos no tempo, mas não necessariamente distantes quando num espaço representado e permissível ao resgate da infância, como o faz o espetáculo risonho. O parêntese que o ritual do teatro abre é esta cortina nostálgica do passado eticamente abandonado e não mais permitido no cotidiano, com as vias morais suspensas pelo palco, a comédia se permite aflorar todas as fragilidades de nossa inocência ao automatismo presente, o qual tentamos tapar com o decorrer do tempo de civilização proposto pela sociedade sobre o desenvolvimento de um cidadão.

“No ritmo uniforme da mola que se contrai e distende, o comissário cai e levanta, enquanto o riso do auditório vai sempre aumentando.”

Na surpresa do objeto que salta da caixa presa está o alívio solto do riso. Porém um alívio mantido moralmente por meio do que é repreendido numa determinada cultura. É exatamente porque não haverá outra pena a não ser o riso, que ele mesmo ocorre. O engraçado está na maneira que se pode amenizar uma suposta “dor” no sutil, uma ruptura no constante, uma tensão na surpresa que, de fato, não chega a ser um crime ou algo pejorativo à sociedade para ser banido, mas é, automaticamente, uma correção. Mas o que não está de acordo com o seu próprio ritmo já automatizado e se rompe, não com a força de um grito ao susto, e sim com um riso à mudança. É a resistência interferindo, indiretamente, sobre a liberdade. Ou nas palavras bergsonianas: a tensão na elasticidade.
Porém o percurso detalhado pelo filósofo para tratar as considerações sobre o riso não é tão simples e permeia uma série de casos, situações e possibilidades em que Bergson se debruça e depara seus estudos com a ética da humanidade, de maneira articulada e prática de seu próprio método metafísico, se assim ainda podemos dizer, ainda que referente a uma utilidade social. A fim de definir o papel da arte no mundo, dá uma causa diferenciada ao cômico bufão e à graça do espírito dramático, por exemplo. Enquanto a primeira é mantida por meio de circunstâncias que condicionam uma liberdade: seja a combinação dada por aplicações em formato de bonecos de mola presos e repentinamente livrados, de fantoches enganados por movimentos aparentemente próprios mas conduzidos por fios, das bolas de neves criadas instantaneamente da involuntariedade crescente numa causa fixa e irreversível de uma mudança automatizada e condenada a ir somente adiante, do lapso lingüístico dentro uma determinada norma-culta etc. A segunda é o movimento liberto e transformador do potencial de uma tensão fluir sobre qualquer que seja o carácter humano se o mesmo movimento não descarta a vida e o espírito.
Dentro de tal perspectiva, alguns itens seriam importantes enfatizar aqui. A repetição seria um deles: ligada à esta mesma tensão, a repetição dentro do cômico não se relaciona com a idéia de evolução somente, pelo contrário, ela é dada sob uma contingência de acontecimentos sempre inesperados, dando uma impressão somente material. Matéria esta, a qual seria o objeto moral do riso: ela fantasia a imagem detida de algo, paralisando o seu movimento, fixa assim uma idéia, cada vez mais fixa e mecânica, sendo a própria fórmula risível. Já a inversão nos conduz a algo que não é contíguo ou sobreposto, mas sim algo que oscila entre uma e outra coisa, entre um gesto e de repente outro e em seguido aquele primeiro, a substituição aqui é dada de maneira parcial por meio apenas de uma ordenação no espaço, mas que já era vazio de continuidade, seria uma demonstração mascarada enquanto complemento. E a interferência, em seguida, caminha para o mesmo esforço inútil e sem vida, a qual desvia a atenção sobre uma série que se segue por meio de um qüiproquó, por exemplo, e marca o seu acontecimento ritmado, porém sem uma constância de fato, são apenas surgimentos instantâneos no espaço, com coincidências interligadas pelas circunstâncias dadas. Acompanham, assim, a comicidade de situação, bem como as particularidades de linguagem também o fazem, podendo serem facilmente recortadas de um momento na vida de um carácter, sem demais diferenças influenciáveis no tempo do mesmo, por se tratarem apenas de algo extenso e exterior. Porém, tal carácter humano não poderia ser recortado desse momento situacionista:

“Daí o caráter equívoco da comicidade. Não pertence toda à arte, nem toda à vida. Por um lado, os personagens da vida real não nos causariam riso se fôssemos capazes de assistir aos seus desempenhos como ao espetáculo que olhamos do alto do camarote; eles só nos são cômicos porque representam a comédia. Mas por outro lado, mesmo no teatro, não é puro o prazer de rir, isto é, não é um prazer exclusivamente estético e absolutamente desprendido. Mistura-se a ele uma segunda intenção que a sociedade tem em relação a nós quando nós mesmos não a temos. Insinua-se a intenção inconfessada de humilhar, e com ela, certamente, de corrigir, pelo menos exteriormente. Esta a razão pela qual a comédia se situa muito mais perto da vida real que o drama.”

Pois é o papel do carácter humano na arte que Bergson quer estudar quando descarta, primeiramente os embaraços mecânicos da vida sobre a natureza artística. Portanto, o cômico é assim classificado por ele como mais próximo da vida do que da arte. Porém uma vida que contrasta a própria vida, e também a arte. É a resistência misantrópica que maleia e amacia o espírito. O trote. Mais do que o imoral corrigido, o insociável. Tais como os leves defeitos de carácter, por exemplo, a honestidade de Alceste, personagem cômico citado no livro. O insociável está porém, em algo particular, parcial a um todo uníssono. É algo que se destaca na personagem, não a complexidade da mesma. É o oscilante e simples em si mesmo, não mais fluente e de acordo com o espírito maleável, por isso não nos comove. Assim como algo que nos escapa parcialmente, daí a referência ao gesto, feita por Bergson, pelo fato de também se ligar ao desvio da atenção. Já o drama abarca o hesitar entre uma coisa e outra ao mesmo tempo, e não destoantes entre apenas uma coisa ou outra.
Enfim, a arte para Bergson possui uma causa, porém não uma intencionalidade útil. E é exatamente isso que a difere da vida, bem como o riso também, quando na arte graciosa, retira as individualidades cotidianas do indivíduo a fim de reafirmá-las artisticamente à consciência distraída. É da natureza humana e da inteligência pura que riamos e instauremos marcas e fixidez em nossa memória, por exemplo. A arte seria uma relação entre os preconceitos criados em sociedade e escondidos num véu de esquecimento e a permissão de reluzir particularidades atropeladas pela prática cotidiana, numa revelação da natureza sob uma ótica mais humana. Ou seja, a relação entre a ética enquanto moral prática e a liberdade ideal, porém também presente:

“Assim, quer se trate de pintura, escultura, poesia ou música, o único objetivo da arte é afastar os símbolos inúteis na prática, as generalidades convencional e socialmente admitidas, enfim, tudo o que nos esconde a realidade, para nos colocar frente a frente com a própria realidade. De um mal entendido sobre isso é que nasceu a celeuma entre o realismo e o idealismo na arte. Sem dúvida, a arte nada mais é que uma visão mais direta da realidade. Mas essa pureza de percepção implica uma ruptura com a convenção utilitária, um desprendimento inato e especificamente localizado do sentido ou da consciência, enfim, certa imaterialidade de vida, que vem a ser o que sempre se chamou de idealismo. Por conseguinte, pode-se afirmar, sem jogar de modo algum com o sentido das palavras, que o realismo está na obra quando o idealismo está na alma, e que só à força de idealidade se toma contato com a realidade.”


BIBLIOGRAFIA

BERGSON, H. O Riso. Trad. Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

SEMINÁRIO SOBRE O ENSAIO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS

SEMINÁRIO FIL. MODERNA II
ENSAIO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS
(J. J. ROUSSEAU)

Cristilene Carneiro da Silva - Filosofia, Noturno, 7º termo

2º parágrafo do cap. XI

Segundo Rousseau, há línguas que, por tão aperfeiçoadas e articuladas no decorrer da história de sua escrita, são razoavelmente mais apreciadas ao serem lidas do que ao serem ouvidas, devido ao truncamento rebuscado de suas variadas consoantes. Rousseau exemplifica com o francês, o alemão e o inglês. Outras, mais calorosas, perdem muito de sua pronúncia ao serem escritas, e não faladas, pois é muitas vezes o acento entoado que propicia o seu sentido, por exemplo o chinês e as línguas orientais. Porém o árabe e o persa estão no patamar profético de anunciação.
O argumento de Rousseau para considerar essas duas últimas como tal, é a própria relação humana. No segundo parágrafo do capítulo XI, ele identifica um sujeito antecessor a uma moral julgadora. E por isso o cuidado em apreciar as ações humanas considerando todas as suas relações, e não somente a partir daquilo que já nos compõe: “quando nos colocamos no lugar dos outros, o fazemos tal como já somos, modificados, e não como devem ser eles, e , quando pensamos julgá-los baseados na razão, só conseguimos comparar seus preconceitos com os nossos.” Esta afirmação é diretamente associada com o que o autor afirma em seguida, a respeito da história da escrita. Assim como esta, o homem se aperfeiçoou em complexidades a ponto de não acessar o outro, a não ser preconceituosamente. Starobinski trata dessa relação humana em Rousseau e denota esse impasse entre o sujeito e o mundo por essa tendência social através da separação:

“Tendo desenvolvido seus idiomas próprios, suas particularidades culturais, os grupos são mais estranhos uns aos outros do que o eram entre si os indivíduos solitários do começo. A maior coerência interna é contrabalançada pela separação e logo pela rivalidade belicosa entre tribos (ou nações). Tudo se passa como se, aos olhos de Rousseau, um certo coeficiente de separação tendesse a permanecer constante. A socialização, que reduz a separação em um sentido, não pode evitar produzi-la e aumentá-la em um outro sentido.”

E o exemplo dessa distância na língua é descrito por Rousseau sobre a leitura do Alcorão: “Alguém, por saber ler um pouco de árabe, sorri ao folhear o Alcorão, mas, se tivesse ouvido Maomé a proclamá-lo, em pessoa, nessa língua eloqüente e cadenciada, com aquela voz sonora e persuasiva que seduzia o ouvido antes de seduzir o coração e animando incessantemente suas sentenças com o acento do entusiasmo, prostrar-se-ia ao solo, gritando: ‘Grande profeta, enviado de Deus! Levai-me até a glória e o martírio; desejamos vencer ou morrer por vós’.” Ou seja, uma coisa é lermos o Árabe ou o Persa hoje, outra seria ouvi-los naquela época. Assim como ainda podemos complementar essa afirmação com o comentário a respeito dos poemas homéricos investigados por Rousseau, que Arbousse-Bastide faz na introdução dessa edição do ensaio:

“Não se creia, contudo, que a arte de escrever dependa da arte de falar – sua evolução prende-se a outras necessidades que são, sobretudo, de precisão e clareza. Inevitavelmente, pois, a escrita altera a língua, tirando-a do domínio da paixão desejosa de exprimir-se para entregá-la à força e à clareza da razão.”

Na conclusão do parágrafo, Rousseau ainda evidencia um fator já anteriormente omitido: o tempo. Pois assim como há diferenças entre a leitura profética do alcorão hoje e a sua escuta antigamente, também conclui que no momento em que escreve o mesmo, já não haveria mais fanáticos para se ouvir, daí então o juízo que lhes damos enquanto “ridículos”, pois eles já o seriam detectados enquanto “loucos” ou “espertalhões”. Eis a inversão da inflexibilidade que propicia as paixões e inspirações, até mesmo da “horda” ou grito da natureza. As paixões, com o tempo e a artificialidade, foram inseridas no âmbito da loucura:

“O fanatismo sempre nos pareceu ridículo porque não encontra entre nós uma voz para se fazer ouvir. Os nossos fanáticos não são verdadeiros fanáticos: não passam de espertalhões ou de loucos. Nossas línguas, em vez de possuírem inflexões convenientes aos inspirados, só têm gritos para os possuídos pelo diabo.”

A desesperança no rumo das paixões é gritante neste último trecho do capítulo onde Rousseau deposita as conseqüências do arrazoamento da língua por meio de suas diferenciações históricas, a ponto de deslocar as paixões naturais do ser para um patamar de anomalia e loucura.

“Da mesma maneira que o nascimento da sociedade corresponde à emergência da linguagem, o declínio social corresponde a uma depravação lingüística. O risco de um abuso da palavra está constantemente presente no espírito de Rousseau. A linguagem enganadora é um dos elementos principais do fundo obscuro que Rousseau crê perceber atrás de cada um dos abusos do momento presente. A ‘presente constituição das coisas’ inscreve-se sobre um fundo tenebroso, e a tarefa da história é de nos dizer como este suplantou a luz do mundo natural.”


BIBLIOGRAFIA
ROUSSEAU, J. J. Ensaio sobre a origem das línguas. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1999 d. (Coleção Os pensadores; v. I).

STAROBINSKI, Jean. “Rousseau e a origem das línguas”. In: “Jean – Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo, seguido de sete ensaios sobre Rousseau”. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

A PAIXÃO VIRTUAL EM ROUSSEAU

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
CAMPUS GUARULHOS

DISSERTAÇÃO FINAL DE FILOSOFIA MODERNA II
PROFESSORA JACIRA FREITAS
ALUNA CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA
FILOSOFIA, 7º TERMO, NOTURNO

A PAIXÃO VIRTUAL EM ROUSSEAU
(SOBRE “ENSAIO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS”, DE J. J. ROUSSEAU)

SÃO PAULO
27/06/2011

“Como não se soubesse pintar para os ouvidos, resolveu-se cantar para os olhos.”

Se houvesse uma afirmação a respeito de uma linguagem defendida por Rousseau, ela seria, no mínimo poética e, no máximo musical. Mas é o teatro das paixões que o filósofo realmente liberta por meio da natureza mais simples. Pois alguns elementos foram abarcados com o tempo percorrido pela humanidade, assim como a impressão e o gesto, o sentimento e a expressão. Após tais artifícios necessariamente criados, porém, condenou-se a espécie humana às relações sociais daí conseqüentes, e também inconseqüentes, como a linguagem instituída.
Somente a natureza primeira foi realmente livre da medida temporal enquanto sucessória e progressiva. Bem como se ignorava também a idéia de movimento, a não ser o absoluto e uníssono de acordo com o movente do universo. A determinação de graus na convivência dos fenômenos explodiu numa especulação esmiúça das partículas lingüísticas e hoje, até minusculamente virtuais: “Toda contribuição do progresso não é mais que o avesso de uma perda essencial” , como bem observa Starobinski, comentador sobre Rousseau.
Mas o que Rousseau repercute é que a linguagem humana não é meramente fisiológica. Nossos sentidos são moralmente apaixonados por vícios insistentes em se aperfeiçoar e “evoluir”. Vícios estes trazidos pela necessidade de sobrevivência, tais como a sensação do grito, a figuração, o significado, o pensamento e enfim, a razão. Noutras palavras, a origem social é denunciada na obrigação da afectividade e não no prazer do interesse.
Logo, o homem antes de ser racional viveu por instintos animais, tornou-se logicamente pensante depois que precisou se mostrar para outrem. A comunicação se constituiu desde a linguagem figurada até o sinal matemático. Desde os gestos expressivos, os gemidos gritantes de dor, os sentimentos trocados até o sinal significado em código definido. Por que então a separação contínua entre a paixão e a língua? É o que Rousseau responde em seu Ensaio sobre a origem das línguas.
Diferentemente do consensual, o “sentimento” em Rousseau também é uma impressão da linguagem, uma memória da paixão imediata impressa no acento da palavra, por exemplo. Mas o que o movimenta é a sua expressividade, dada pelo som no caso da pronúncia ou pela imagem, no caso da escrita. A escrita de sua época porém, não mais abrangeria o verso rítmico e figurado como foi o caso dos egípcios e dos gregos. A única imagem restante foi abreviada em letras com a ajuda da velocidade sonora que a voz humana consegue alcançar desde seu primeiro grito, ou seja, sua “horda”.
Assim, é na potência vocal que mora uma última esperança de ativar quaisquer vestígios de elementos passionais ainda existentes na língua. Pois a cor e a imagem ainda são estagnadas para Rousseau, possíveis de imanências com a natureza exatamente por se confundirem no espaço, tornando quase objetos explorados e lapidados quando consideradas na lingüística. Até o sentido da visão possui relações evidentes com a exatidão racional para o autor. Já a musicalidade e a entonação se movimentam junto com a velocidade social, ao passo que também manipulam o tempo de acordo com as paixões sentidas, bem como lutam contra as impressões já reconhecidas pelo sentimento em favor de novas sensações:

“A impressão sucessiva do discurso, que impressiona por meio de golpes redobrados, proporciona-vos emoção bem diversa da causada pela presença do próprio objeto, diante do qual, com um só golpe de vista, tudo já vistes. Suponde uma situação de dor perfeitamente conhecida – vendo a pessoa aflita, dificilmente vos comovereis até o pranto; dai-lhe, porém, tempo para dizer-vos tudo que sente e logo vos desmanchareis em lágrimas. Assim as cenas de tragédia conseguem efeito. Somente a pantomima, sem o discurso, deixar-vos-á lágrimas. As paixões possuem seus gestos, mas também suas inflexões, e essas inflexões que nos fazem tremer, essas inflexões a cuja voz não se pode fugir, penetram por seu intermédio até o fundo do coração, imprimindo-lhe, mesmo que não o queiramos, os movimentos que as despertam e fazendo-nos sentir o que ouvimos. Concluamos que os sinais visíveis tornam a imitação mais exata e que o interesse melhor se excita pelos sons.”

Essa é a força da música: contrariar a exploração do tempo feita pela velocidade das constituições humanas, muito contrária à realidade temporal da natureza. E assim reaproximar, por meio de um tempo menos artificial, o tempo do homem ao da natureza. A música faz esta reconstituição dialética e articula a história da sociedade materialmente sob o efeito cultivo do canto influente na línguas. Não é à toa que Rousseau se torna um precursor considerável da antropologia e sociologia.
O poder social da língua aparece então, para além da passagem que distinguiu o homem do animal, mas aquilo que inclusive distinguiu um homem do outro. Ironicamente, a festa e a música são lembradas enquanto aquilo que os reúne novamente. O movimento da linguagem cria o sentido do conceito, o conceito torna-se um objeto dançante da figuração para Rousseau. Pois a expressão é a atividade da idéia assim como a voz surge primeiro do que a palavra. O conhecimento é constituído também da imediatez presente, para somente então ser reconhecido como verdade, depois de sua impressão no decorrer do tempo. Mesmo assim a especulação da idéia, simultânea e aperfeiçoante sobre essa impressão, não abre mão do seu objeto de extrato, a paixão:

“Mas a paixão nos fascina os olhos e a primeira idéia que nos oferece não é a da verdade.”

No entanto, a lógica sonora e natural da realidade de segunda natureza está para além das “analogias gramaticais” entre sujeito e predicado. Por meio da expressividade do acento se enfatiza a paixão artesanal do som humano que movimenta os significados e dá sentido a um objeto através dos sentimentos. “Só assim o nome de uma coisa pode significar a natureza dessa coisa” , como Rousseau comenta acontecer em Crátilo, de Platão. Em vez dos verbos transcendentes, é a própria maneira de falar que revela a natureza dos seres e os vivifica. São as fontes de combinação tais como ritmo, acento, tom etc. o objeto mimético dessa linguagem natural a qual liberta o ouvido ao invés de domesticá-lo. Pois a mesma se dirigiria também ao coração, a razão não tão ocidentalizada, comportaria um entendimento pleno do homem em seu todo, não somente parcialmente direcionado a uma única parcela do seu corpo, se é que ai mesmo se encontra, a consciência.
Dessa segunda natureza partiu-se da definição para as especializações das palavras, códigos, pronúncias, pontos e sinais algébricos... De maneira que o físico consonantal entupiu e calou quase que praticamente toda a inflexão das vogais, onde ainda se esconde um rastro de eloqüência. Retirado o espaço da presença musical da voz, restou muito pouco a se fazer com a paixão a não ser instituí-la enquanto loucura como já o faziam na época de Rousseau, conforme comenta a respeito da leitura profética do Alcorão encarada enquanto fanatismo, pelo fato de haver maiores rumores de força e eloqüência no mesmo.
Porém é na imitação e no desejo que Rousseau defende a presença de uma moral, de causas e efeitos imageticamente sinalizados aos sentidos e relacionados com a sensação e os sentimentos por meio da comoção, daquilo que nos faz reconhecer um sentimento e cultivar interesses. Ambos conceitos ligados à harmonia e à forma, à melodia e ao desenho, respectivamente, tanto a pintura quanto a música são extratos e objetos morais que fundamentaram uma linguagem, assim como a natureza fundamentou uma civilização. Harmonia esta composta, ou seja, depende tanto do conteúdo quanto da forma. Assim, mesmo a musicalidade depende de um discurso; como a expressão de uma impressão e o interesse, de um gosto.
A música aparece agora como a resposta eloqüente dada por Rousseau. Dentro dela se encontram também a poesia e o teatro. Onde se encontram tanto a imagem quanto o som, num movimento onde é sempre o tempo que os mobiliza, de acordo com as paixões sentidas. A melodia diferente do desenho porém, é especialmente humana, depende apenas da vibração dos corpos e da força nas relações dos mesmos. É um acontecimento que afecta a experiência humana para além da necessidade. Já a pintura continua por ali, presente, porém dependente da luz de um cosmo, absoluta e inanimada, não excita sentimentos impressionantes, somente os contempla. O que não quis dizer que o filósofo tenha descartado a posição figurada da semântica numa língua, apenas deixou-a num patamar secundário. A fim de que o canto não se extinga e torne somente fala ou nem isso, assim como já aconteceu com a poesia recitada que hoje é lida feito prosa. Na poesia o predomínio da imagem sufocou os cânticos como ocorreu em Homero. O próximo passo depois da imagem, como afirma Rousseau, seria o atropelamento da arte pela filosofia, suprindo com a razão por cima de qualquer vestígio de paixão.
O esquecimento de uma das partes constituintes da relação humana do sujeito numa sociedade implica também na anulação do mesmo. Depois do homem ter sido destacado das outras espécies pela capacidade de se comunicar e saído de si mesmo enquanto presença segregada de paixão e somente racional, agora suas relações exteriores ultrapassam o interior de si mesmo, encontra-se como sujeito apenas no virtualismo alienado de seu nome descrito numa certidão de nascimento. Tamanha inexistência consegue se instaurar muito menos ainda enquanto um objeto da natureza, no máximo um objeto que a destrói. Mais triste ainda é a incapacidade resultante dessa auto-extinção ineficaz se prender dentro de célebres máquinas quadradas, os novos úteros criados à sociedade já cansada de parir cérebros, agora cospe chips computadorizados em nome da comunicação.



BIBLIOGRAFIA

ROUSSEAU, J.-J. Ensaio sobre a origem das línguas. Trad. Lourdes Santos Machado. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os pensadores)

STAROBINSKI, Jean. Rousseau e a origem das línguas. In. Jaen-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo; seguido de setes ensaios
sobre Rousseau. Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Lestras, 1991.

OS SONHOS E A INTERPRETAÇÃO DA LOUCURA em Freud

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
CAMPUS GUARULHOS

DISSERTAÇÃO FINAL DE FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA II
PROFESSOR TALLES AB'SABER
ALUNA CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA
FILOSOFIA, 7º TERMO, NOTURNO

SÃO PAULO
07/2011

OS SONHOS E A INTERPRETAÇÃO DA LOUCURA

“Os sonhos cedem ante as impressões de um novo dia, da mesma forma que o brilho das estrelas cede à luz do sol.”

Para realizar uma ultrapassagem das ciências filosóficas de cura, muito utilizada por médicos de sua época, e dar um utilitarismo à metafísica da ciência por meio da psicanálise, Freud investigou não somente os limites entre os sonhos e a vigília, como também os fundamentos desse primeiro. A fim de dar um valor concreto às causas de anomalias comportamentais, para além das loucuras moralmente diagnosticadas, ele cientifica os processos psicanalíticos numa exposição densa do percurso de pesquisas a respeito dos sonhos e, conseqüentemente, do papel da moral sobre as psicoses.
O que distingue, de fato, a vigília do sonho e sobre tudo, porque a realidade seria distinta destes? Até que ponto nossa consciência age durante o onírico, ou em que medida o universo das circunstâncias influenciam o sujeito? Tais são algumas das perguntas inicialmente psicanalíticas, mas que abrangem profundamente, uma filosofia própria e autônoma a partir dessa psicanálise.
No primeiro capítulo do livro “A interpretação dos sonhos”, Freud argumenta pacientemente a sua tese a respeito do caráter de realização de desejos dos sonhos. Já nesta primeira parte, ele inicia uma correspondência com as origens infantis dos desejos inconscientes ao descobrir no sujeito a vontade de dormir, dada pelo sono. Por meio de uma investigação antropológica do pensamento de psicólogos até então, o autor acompanha minuciosamente as afirmações mais importantes já exploradas na história sobre os sonhos, mostrando seus pontos plausíveis e descartando outros não tão concebíveis para sua construção.
Toma-se como paradigma a fonte dos sonhos. Com o axioma de que “existe uma técnica psicológica que torna possível interpretar os sonhos” , há a denotação de processos causais da subjetividade onírica relacionados com a natureza das forças psíquicas que o geram [os sonhos]. Freud argumenta historicamente, o quanto houveram tentativas de explicar os enigmas dos sonhos por meio de seus efeitos, porém muito raramente por meio de sua procedência. Os povos clássicos gregos, por exemplo, tinham uma visão dos mesmos enquanto ditames futuros e provindos de adivinhações divinas. Em contrapartida com Aristóteles, o qual denominava os sonhos através de uma natureza não divina, porém demoníaca por partir do próprio homem e ser subjetiva. E assim sucessivamente é estruturada uma lógica explícita das incoerências nas explicações já dedicadas aos sonhos que percorre todo o capítulo, sempre enfatizando-se porém, as relevâncias com maior fundamento. Já se implícita, com isso, a transformação para além do conteúdo interpretativo dos sonhos, rumo à transgressão desta carência por maior profundidade e seriedade na orientação técnica e estrutural dos mesmos: “Essa variação no valor que se deveria atribuir aos sonhos estava intimamente relacionada com o problema de ‘interpretá-los’.”
Dessa possibilidade de uma função mais técnica de logicizar o sonho a partir de orientações organizadas não unicamente a partir do que nossa própria vigília e pensamento consiga alcançar, segue uma lógica experimental e observadora dos próprios sonhos, em si mesmos. Não apenas da maneira razoável e científica, mas através das comparações associativas da experiência perceptiva durante o sonho, bem como a observação dos testes representativos imagéticos e simbólicos no mesmo. Assim como a modificação fisiológica que é trazida pelo sono à nossa mente instaura uma relação de necessidade com a vida de vigília, maior e outra do que a análoga apreensão do conteúdo do real nos representado, igualmente a quando despertos, pois senão o motivo de nossa dormência se esvairia e seríamos, ou todos alucinados em vigília, ou todos sem sonhos no sono. Em outras palavras, Freud considera a questão onírica diretamente relacionada também com a função do descanso mental trazido do sono. Porém, não somente com o descanso, como inclusive com os impulsos externos e internos. Dando, com isso, nem a suposição de uma total passividade apenas receptiva e somática de quem sonha, nem uma completa atividade próxima da representação consciente desse mesmo sujeito.
Ao passo que explicita também, com o pensamento de outros filósofos, o quanto muitos conteúdos vivenciados em vigília podem surgir na memória onírica, a qual também diferencia-se logicamente da memória construída conscientemente. Conteúdos estes lembrados que podem ser, tanto situações efêmeras e banais, quanto outras já esquecidas e atenuadas. Esta memória onírica é um forte argumento de que há uma atividade nos sonhos diferente daquelas percepções sentidas pela retina do olho, internamente, ou pelos outros sentidos, via externa. A grande questão articulada, neste ponto do capítulo é: somos responsáveis (e até que ponto ativamente) pelo material dos sonhos, ou ainda se o que diferencia os dois estados (vigília e sonho) é apenas a passividade fisiológica do sono?
Freud discorre também a respeito de experimentações hipermnésicas e hipnagógicas nas quais alguns métodos eram praticados a fim de provar a memória de conhecimento e de fonte imagéticas, respectivamente. As lembranças infantis também aparecem aqui enquanto matérias primas da reprodução ressaltadas por essa memória pelo fato de serem próximas às banalidades efêmeras ou longínquas e já atenuadas. Um argumento para comprovar isso é utilizado com a descrição de um exemplo onírico citado por Maury, com quem Freud acompanhar-se-á até o fim do movimento do capítulo, em que um Monsieur é lembrado no sonho com a aparência de mais jovem do que na realidade presente, devido à sua memória infantil lembrar-se de como tal sujeito o era e concluir, então, sua temporalidade influente sobre o sonho. Com isso, o filósofo também observa o quanto essas reproduções indiferentes, sem importância e remotas que a memória onírica traz, geralmente é confundida com a sua falta de valor, desprezo ou superficialidade na atenção aos sonhos.
Em seguida, os pensamentos freudianos concluem, com isso, uma contradição entre aqueles que consideram os sonhos como simples esquecimentos parciais da vida de vigília, em contraste com tais lembranças elucidadas somente ao sonhar, por exemplo. Permitindo-nos um elo a priori dos conhecimentos oníricos, enquanto objetos de estudos e mesmo práticas dialéticas entre ambos. Por trás disso podemos encontrar, a fisiologia do aparelho mental versos a psicologia do sujeito, ou mais ainda, os processos somáticos ante os associativos, respectivamente. Porém a dialética freudiana está exatamente no decorrer de suas conclusões perante cada ponto de vista mencionados contraditoriamente: "tanto os estímulos somáticos quanto as excitações mentais podem vir a atuar como instigadores dos sonhos".
Em seguida, a investigação entre as estimulações e as fontes oníricas: interiores (as que surgem da retina, dos órgãos, das dores etc.) , exteriores (os fatores externos que afectam nosso cinco sentidos) e as psicológicas (preocupações, sofrimentos etc.); percorrem uma longa passagem até serem discernidas dentro de relações de substituição que as mesmas podem nos causar, a partir das subjetividades de cada indivíduo que associa, de acordo com suas vivências. Com exceção dos sonhos típicos, aqueles cuja orientação já prossegue familiar em muitos indivíduos devido à freqüência recorrente de ocorridos. O que não exclui o fato de, tais associações também serem objetivas e somáticas, além de psíquicas, sintomáticas com relação ao reconhecimento de doenças, por exemplo, bem como expressividades emotivas. Porém, ainda nisso há um processo arbritrário dentro da tentativa determinista de diagnosticar os sonhos apenas pelos processos fisiológicos e somáticos.
Não satisfeito com tal conclusão crítica aos processos somáticos, surge agora a articulação de um movimento argumentativo que investigará as fontes psíquicas. Pois seu objetivo continua a ser o da origem dos sonhos mais que de como os mesmos se dão na mente. Com a afirmação já prevista de que o processo associativo, preferido e aceito acima, seria psíquico, Freud ainda insiste num enigma ainda outro a não ser a estrutura associativa reluzente: o preenchimento das lacunas entre as representações imagéticas por meio de algo justaposto e simbólico. O termo "inconsciente" ainda não é exposto por Freud neste capítulo, porém há uma disponibilidade de gesticulá-lo por meio das experiências das imagens oníricas, involuntárias e crentes, por ocorrerem na mente sem a presença impositiva de uma "autoridade do eu". O que não cessa a atividade subjetiva da mente. E são essas mesmas crenças quem articulam e conectam as imagens dispostas. É o interesse em acreditar, em dormir, e em dispor o relaxamento do pensamento, que presencia, de certa maneira, um determinismo e uma moral. Aqui também cabe algo próximo da consciência. Logo, o valor psíquico também está ligado a esse "desligamento" parcial do mundo externo e de uma "autoconsciência" assim distanciada de uma consciência.
É através dessa dialética entre a substância onírica e suas conexões, ou da consciência moral interligando lembranças repentinas e involuntárias que surge também o recalque: "os impulsos morais possuem certo grau de poder até mesmo na vida de vigília, embora seja um poder inibido, incapaz de se impor à ação, e que, no sono, desativa-se algo que atua como uma inibição durante o dia e nos impede de nos conscientizarmos da existência de tais impulsos." Disso obtemos claramente duas partes componentes e complementares nos sonhos: uma que conduz e a outra que é conduzida, uma que sente e é afetada e outra que ilude e organiza em símbolo vivido e assim, representado.
Mas até mesmo esta contraposição encontrada por Freud, em que há um complemento entre as contradições, será questionada pelo filósofo na curiosidade de estabelecer um método de como tais dependências se dão na passagem da vigília ao sonho, se em graus proporcionalmente contínuos ou não. Para isso, serve-se novamente de Maury, Hildebrandt e Robert, sendo os dois primeiros objetos constantes de sua análise. No primeiro não considera o vislumbre de encontrar uma função para o sonho devido à possibilidade de uma vigília no mesmo. Do último, serve-se apenas da função de complementaridade entre as passagens interrompidas na vigília e a possibilidade de realizá-las em sonho, porém critica o fato de serem apenas uma espécie de excremento e inutilidades expulsas somaticamente, contudo ainda não associativas.
Freud encontra, então, na "atividade simbolizadora", uma responsável pela produção onírica em que "os estímulos somáticos não fazem mais do que fornecer à mente material que ela possa utilizar para suas finalidades imaginativas" , conforme enumerado por Scherner. Pois este argumenta que ela permanece presente em todos os sonhos. Mesmo assim, Freud ainda encontra fantasias pertinentes nessa teoria por faltar categorias mais profundas de universalidade.
Por fim, o filósofo conclui seu capítulo conectando tais descobertas com o início de seu prefácio a respeito das ciências médicas e seus limites causais, apontando algumas relações entre as doenças mentais e os sonhos, numa árdua tentativa de revê-los:
“A indiscutível analogia entre os sonhos e a loucura, que se estende até seus detalhes característicos, é um dos mais poderosos suportes da teoria médica da vida onírica, que considera o sonhar como um processo inútil e perturbador e como a expressão de uma atividade reduzida da mente. Não obstante, não se deve esperar que encontremos a explicação final dos sonhos na linha dos distúrbios mentais, pois o estado insatisfatório de nossos conhecimentos acerca da origem destes últimos é genericamente reconhecido.”

BIBLIOGRAFIA

FREUD, Sigmund. Obras Psicológicas completas de Sigmund Freud: Volume IV: A interpretação dos Sonhos (I) (1900). Rio de Janeiro: IMAGO, 1996.

SEMINÁRIO SOBRE O TEXTO:“APRENDENDO E ENSINANDO A FILOSOFAR”, DE MARCELO PERINE

UNIFESP - GUARULHOS
CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA, 7º TERMO, NOTURNO, FILOSOFIA
DISCIPLINA: SEMINÁRIO DE FILOSOFIA
PROFESSOR: RODNEI NASCIMENTO

SEMINÁRIO SOBRE O TEXTO:
“APRENDENDO E ENSINANDO A FILOSOFAR”
DE MARCELO PERINE

SEGUNDA PARTE - O FILÓSOFO E O PROFESSOR DE FILOSOFIA

Em seguida do percurso referente ao papel da filosofia hoje enquanto uma amante da razão nas tentativas constantes de ruptura com a violência, o autor do texto parte para uma demonstração de como seria tal filosofar na prática. Isso é feito na segunda parte intitulada “O filósofo e o professor de filosofia”.
Fundado em exemplos tradicionais como Platão e Aristóteles, Perine afirma não haver contradição nenhuma entre ser filósofo e ensinar a filosofar. O que houve foi uma segregação histórica entre ambas as funções. Desde os gregos até o início da Idade Média, bem como as escolas do Oriente ainda mantinham a tradição de transmitir pensamentos a discípulos, ou criar Liceus e Academias autônomas, sem deixar, por isso, de se remeter aos outros conteúdos durante essa convivência. Porém, houveram vestígios de segregação ainda no Império Romano, os quais foram consolidados definitivamente na escolástica medieval. Onde o professor de filosofia passou a ser reprodutor, e não mais criador.
Com isso a atividade docente perdeu muito do seu sentido filosófico de também produzir a história, conforme o autor mesmo argumenta que a maioria dos filósofos, a partir de então, nunca foram professores. Exceto pouquíssimos tais como Kant e Wittgenstein, por exemplo. Assim a história da filosofia ganhou verdadeira distância da cultura didática. Além dos autores, cada vez mais temporalmente inalcançáveis, conterem apenas capacidades editoriais de serem endeusados por passados ainda presentemente descobertos e, no máximo, apenas venalmente comentados de maneira específica. Aliás, longe ainda do comentador, o professor tornou-se assim um mero terceirizado da filosofia.
Depois deste panorama histórico, é citado no texto o nome de Lidia Maria Rodrigo, quem propõe um discurso “reformulador” baseado nas próprias condições de formação do professor, o qual ganha agora autonomia para se apropriar e simplificar uma obra histórica de acordo com as necessidades de um nível para ensino médio. Por meio de recortes ou de sínteses do contato original de um texto filosófico, por exemplo. Ainda assim é um segundo discurso, reconhece o autor, no entanto o papel do doscente enquanto um mediador pode ser também o de um transformador. Ou seja, fica na responsabilidade do filósoso professor despertar a criatividade do aluno e superar as dificuldades apresentadas. A atividade transmissora será a compreensão conjunta do problema, um aprendizado não somente pacífico, porém pensante.
Este método vai ao encontro do primeiro movimento do texto, onde a razão é sempre a negação de uma realidade violenta, a mediação entre o real e o que se pode pensar dele. Numa continuidade kantiana, Perine afirma a constante busca de definição presente do real, e logo, a permanente necessidade de haver produção de filosofia:

“Isso significa que a filosofia nunca é acabada, não pode acabar, porque interessará sempre aos que aceitarem começar sempre de novo o esforço de compreensão de si mesmos e da totalidade inesgotável da realidade.”

Assim teremos uma articulação na história da filosofia sempre presente e disponível também para futuras orientações. O que inclusive sustenta a constante inquietude da filosofia em se reafirmar, atestando a sua justificação na falta de contentamento dos dias de hoje. A mesma falta de contentamento traz novamente a necessidade do “logos” citado no texto anteriormente e que, como conclui o autor, não acaba com a violência nem desiste de extingui-la, mas simplesmente dialoga com ela.

BIBLIOGRAFIA

PERINE, Marcelo. Ensaio de iniciação ao filosofar. São Paulo: Edições Loyola, 2007.



avaliação sobre TESES CONTRA FEUERBACH

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
CAMPUS GUARULHOS

AVALIAÇÃO FINAL DE SEMINÁRIO DE ENSINOÀ FILOSOFIA
PROFESSOR RODNEI NASCIMENTO
ALUNA CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA
FILOSOFIA, 7º TERMO, NOTURNO

TESES CONTRA FEUERBACH
(KARL MARX)

SÃO PAULO
06/07/2011

1) Explique por que, nas "Teses contra Feuerbach", Marx considera que todo o materialismo fracassou em sua empreitada teórica. Qual a solução oferecida por ele em contrapartida?

“Os frutos nascidos da planta espúria em suas cabeças acabaram por suplantá-los. E eles, os criadores, curvaram-se diante de suas criaturas.”

Todo materialismo teórico não transformou – para o estudioso de Demócrito e Epicuro: Marx –, a filosofia, muito menos ainda, transformou a realidade. O que inclui também e principalmente o próprio idealismo alemão e suas influências hegelianas. Feuerbach, por exemplo, apenas transfere a abstração conceitual promovida por tal filosofia recorrente na época, para uma projeção do gênero humano.
Segundo o autor tão discutido por Karl Marx em sua obra “A ideologia Alemã”, e em específico nas “Teses sobre Feuerbach”, o homem já seria infinitamente universal a partir de si mesmo, contendo em si toda a realidade existente e possível, bem como todas as espécies. Diferentemente de Hegel, a realização se dá no homem e não no Absoluto para Feuerbach, e o mesmo homem se satisfaz na medida em que pode realizar. Logo, o homem não seria mais o predicado de Deus, e sim Deus uma criação humana. Ou seja, há somente a inversão da lógica especulativa de Hegel para um materialismo, também alienado, do sujeito. O argumento Feuerbachiano para criticar Hegel é justamente a alienação enquanto uma abstração projetada fora do sujeito. A essência, pois, defendida à exclusividade unicamente humana como o fez Feuerbach não descartou, contudo, tal possibilidade mesmo de uma auto-alienação, conforme argumenta Marx.
Se o materialismo vigente soava tão teórico quanto o idealismo alemão, como então fundar uma relação política do homem com o mundo, para além de uma abstração religiosa – seja ela individualista ou universal – ou de um materialismo essencialista? Distante tanto de Hegel quanto de Feuerbach neste ponto, Marx articula tanto a essência quanto a alienação enquanto um processo social, não mais de inversão. Processo este materializado na produção econômica, estendido a todas as esferas da vida humana, inclusive à consciência. Numa vasta argumentação durante o seu percurso na obra “A ideologia Alemã”, articulações contrárias desde Max Stirner, Franz Szeliga, Karl Grün, Lorenz Stein, Georg. Kuhlmann, Fitche, Saint Simon, Proudhon etc., associando o idealismo ao individualismo e ainda, ao subjetivismo de Feuerbach, há uma ruptura radical de Marx com o pensamento alemão, e uma introdução sua no estudo de uma economia política, onde o homem se torna agora o conjunto das relações sociais. Termos como essência e fenômeno agora não mais fixados ou sem atividade prática, e dos quais eram confundidos antes com outros termos tais como conceito e existência. Estes últimos que somente dificultaram a capacidade ativa de transformação e práxis, diferenciando e contrariando elementos constituintes da autonomia do ser na realidade. Feuerbach não alcançou tal crítica pois, abstraiu o sujeito de sua história, isolou-o do mundo. Na sétima tese há mais uma causa disso: a essência, para Marx, não é somente natural e fisiológica, nós a constituímos não somente interiormente.
A crítica que antes postulava o conceito por meio de um objeto absoluto, ou o teorizava por meio de uma visão contemplativa das formas, foi desmascarada de cogito para intuição (Anschauring ), pois mesmo que deduzida, é também relativa ao sujeito e uma prática exercida por ele. Nesse viez utilitário e produtivo, portanto, Marx instaura sua prático-crítica. Numa reavaliação do idealismo, o autor também denuncia a subjetividade encontrada nas tentativas universais de abstrações surgidas sempre de uma intuição propriamente humana e relativa a um sujeito. Assim como o materialismo de Feuerbach já o será subjetivo demais por não levar em conta a determinação prática do indivíduo com os seus meios de produção. É somente na realidade circunstancial que o homem tem a capacidade de agir e praticar, intuir. Por esse motivo essa práxis não seria tão somente sensorial como inclusive social, nem ainda uma atividade somente do sujeito.
Já a intuição humanista de Feuerbach não considera nenhum esforço ou característica ativa. Passiva em si mesma, ela é imanente e não negativiza criticamente (aufhebung) um fato, ela somente classifica e regula um dado absoluto, segundo Marx. Pois o faz somente na consciência individual, mesmo quando no sensível não atinge um determinado objeto ou se relaciona com ele. Para Marx, o contato entre a substância é diferente da (Verkehrsformen) afectividade, intercâmbio, troca ou relação entre a matéria.
Até mesmo sobre o fundamento mundano de Feuerbach na quarta tese, Marx argumenta: ao passo que ele saia de si próprio para romper a auto-alienação religiosa já é uma abstração e exteriorização dele mesmo, há uma alienação nisso quando este mundano abrange tal contradição teórica sem fundar-se numa prática que a sustente, e enfim não a aniquile a si mesma e se inclua noutros aspectos tão religiosos quanto a religião por Feuerbach confrontada.
É assim que Marx então, trata da alienação(entäuBerung) enquanto um resultado produzido pela atividade humana na realidade. O que ele traz de novo entre essa idéia de resultado para Hegel e a de humana na realidade para Feuerbach, é esta produção da atividade, ou seja, a práxis. É a necessidade de um esclarecimento econômico frente à ignorância alienada e abstraída, para além do esclarecimento somente teórico, dada pela participação do ser no mundo.
Tal participação implica num método, no mínimo histórico e, no máximo político. Para abranger tanto a crítica quanto a prática, tanto a teoria quanto a matéria, encontra-se a dialética marxista. Em sua terceira tese, ainda mais voltado à política, distancia-se até então de termos filosófico como intuição e essência para dar novos rumos à compreensão e à prática. Com isso, é despertada a relação recíproca entre o sujeito e o mundo, entre sua própria (aufhebung) supra-sunção e essa supressão no real, numa constante coincidência de mudanças (revolutionäre práxis) das circunstâncias e “eliminação prática de situações ou condições pouco adequadas às novas ” .


2) Caberia ainda algum papel à filosofia a partir da redefinição que Marx opera da noção de teoria nas "Teses contra Feuerbach"? Tente descrever algumas de suas características.
Em sua segunda tese contra Feuerbach, Marx anuncia a verdade objetiva como sendo uma experiência prática, um teste e uma prova, não mais uma observação contemplativa e teórica. O que aproxima muito o autor de um patamar científico, quando inclusive associa tal prática à realidade e ao poder. Porém também podemos encarar sua conclusão enquanto filosófica no âmbito de que o pensar se daria somente no real e não deve ser controverso ao mesmo.
O campo do conhecimento humano marxista é exatamente aquele que não distingue ou divide as produções, mas simplesmente as intercambia. Até mesmo as circunstâncias filosóficas aqui foi transformada por Marx. Assim como o mesmo acredita que elas possam ser, pelo homem. A circunstância não seria, pois, superior ao homem, nem tampouco distinta dele na sociedade. Não seria a sociedade ou a filosofia a formadora do homem, mas o homem o transformador dela, na continuidade daquela coincidência entre ambas as direções: a autotransformação e o ato de mudar as circunstâncias ( ou revolutionäre práxis).
“Toda vida social é essencialmente prática” . O que nos parece tratar a religião, a teoria ou o idealismo também enquanto um produto os quais se desenvolvem na prática e, respectivamente, também na sua compreensão posterior. Tanto o egoísta divino (Hegel) quanto o homem egoísta (Feuerbach), como dizia Engels, estão nesse patamar anterior à Marx. Se ele constrói uma filosofia ela já é auto-distanciada das outras filosofias por ele mesmo em sua última tese. Conforme o reconhecimento de divisões e relações não podem se tornar contrários ao homem, assim também supõe acontecer à filosofia quando dividida ou perante suas relações com todo o campo do conhecimento humano:

“E, nesse ponto, tornou-se manifesto, evidentemente, que o desenvolvimento de todos os demais com quem o indivíduo se acha em intercambio direto ou indireto e que as diferentes gerações de indivíduos que mantêm relações mútuas têm entre si uma conexão; que os que vêm depois se acham condicionados em sua existência física por aqueles que os precederam, já que recolhem as forças de produção e as formas de intercambio por eles acumuladas, determinando-se desse modo em suas próprias relações mútuas. Em resumo, evidencia-se que ocorre um desenvolvimento, e a história de um único indivíduo de maneira nenhuma pode ser separada da história dos indivíduos que o antecederam ou vivem à mesma época dele, mas sim é determinado por essa mesma história.”

Contando com esta nova humanidade social, não somente civil, Marx trataria, pois, de uma certa filosofia social, se é que ainda podemos restringir tal estudo somente à mesma filosofia, enquanto uma mera alienada quando separada do mundo. Marx parte do mundo, distancia-se dos filósofos da diferenciação separatista e distanciada, elitizada ou de estranhezas interpretativas fora do comum, ele simplesmente transforma o pensamento deslumbrado e o traz de volta para a sua realidade, retirando alguns esvaziamentos retóricos do pedestal.
“Rebelemo-nos contra o reinado dos pensamentos”


BIBLIOGRAFIA


MARX, K. e ENGELS, F. A ideologia alemã. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
___________________. BACKES, Marcelo. Prefácio. In: A ideologia alemã. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.









A TRADIÇÃO EM FRANZ KAFKA A PARTIR DE WALTER BENJAMIN

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
CAMPUS GUARULHOS

AVALIAÇÃO FINAL DE ESTÉTICA E FILOSOFIA DA ARTE I
PROFESSOR LUCIANO GATTI
ALUNA CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA
FILOSOFIA, 7º TERMO, NOTURNO

A TRADIÇÃO EM FRANZ KAFKA A PARTIR DE WALTER BENJAMIN

SÃO PAULO
16/06/2011


WALTER BENJAMIN: O SANCHO PANÇA DE KAFKA

“Homem ou cavalo, pouco importa, desde que o dorso seja aliviado do seu fardo.”


A perplexidade com que é tratada a história, muitas vezes nos trouxe embaraços dos quais Walter Benjamin aponta em alguns de seus escritos com facilidade e sem a cerimônia assustadora com que a literatura é preconceituosamente tratada. Para isso, serve-se de Franz Kafka como exemplo esclarecedor das confusões burocráticas e enigmáticas dadas pelas autoridades densas e aparentemente opressoras, tais como o passado histórico ou mesmo o personagem Potemkin citado na anedota de seu texto sobre tal romancista. Por trás dessa leveza liberta e reveladora do poder transformador kafkiano, W. Benjamin já denota a eficiência que um estudo crítico permanente e remissivo sobre cada parte da história poderia despertar nas tradições adormecidas pelo decorrer de um historicismo homogêneo e totalitário. Nessa elevação da cultura retratada por Kafka, Benjamin reafirma a responsabilidade de um transporte instaurador de movimento numa obra humana, tal como confere isso análogamente à Sancho Pança, numa alusão comparada também à Kafka. Aqui, porém, o movimento se estende ao último também como um cavaleiro, agora apoiado pelo mesmo Benjamin quem o ressaltou.
Mas não é somente no âmbito da história humana que tal tradição kafkiana é enfatizada, como principalmente no cosmo. Os “gigantescos parasitas” constituídos pelos juízes, pai, porteiro e funcionários em seus romances fazem parte de um todo formalmente denso e pesado, monótono e contrário à uma existência reflexiva, ou seja, a algo que culpa e é culpado ao mesmo tempo, por exemplo. Ou mesmo algo contrário à ignorância reprimida e quase primária: um saber absoluto. Esse poder enigmático e permeado de mistérios, originado por tal todo complascente pode se associar com o tema que gira em torno dos textos escolhidos neste livro de Benjamin: a História que esconde uma tradição. Não é à toa que conforme bem observa Benjamin, encontra-se até uma certa atmosfera primitiva como efeito dessa ambiguidade entre a ignorância das leis humanas omitidas e ao mesmo tempo a existência autoritária das mesmas em Kafka. Assim também circulam fatos históricos descritos “em massa” sem um objetivo fixo e combatente que salte e transgrida o historicismo eternizado a ser vencedor, de maneira oculta e injustiçada, como é melhor explícito no texto “Sobre o conceito de História” .
O universo cósmico aparece em Kafka, porém, enquanto parte de sua obra, e não personagem principal. Benjamin corrige o papel mitológico nas obras kafkianas para “uma promessa de libertação”, e não uma sedução mercadológica. Muito pelo contrário, é por meio dos desfeixos míticos que se chega a um vazio poderoso de vitória e final redescoberto. Daí o argumento benjaminiano para afirmar o materialismo histórico implícito em kafka, para além da matéria bruta, mas inclusive espiritual. Espírito dialético este que podemos verificar por meio do silêncio e da música, da arte cantada pelas sereias e do cotidiano, da esperança e do absurdo, da salvação nos mensageiros e da representação teatral ao ar livre feita por todos etc.
Entre tais oposições se encontra uma libertação que está contida justamente na autonomia de metamorfose daquilo que foi reprimido. É porque há uma transparência nesse “desprovir de carácter” que o personagem se livra dos enigmas complexos e se complementa inocentemente de simplicidade nos sentimentos, reações singelas porém fortes. Eis a tradição kafkiana a partir de Benjamin: quando há uma certa teatralidade pura nas atitudes humanas: “O teatro é o lugar dessas experiências”. A gestualidade generalizada no universo do autor é enfatizada de modo que emerge de um detalhe personificado a um todo kafkiano, exaltando por completo a sua obra, por essência, tradicional e autêntica. De acordo com o que diz Benjamin a respeito do papel de um historiador pensante, que repercute e posiciona sua própria história dentro de um contexto. O papel da literatura de Kafka aqui está diretamente relacionado com tal capacidade de elucidar uma tradição e presentificá-la no tempo histórico, inclusive para além do tempo somente humano, um tempo reflexivo.
É uma literatura lúcida que organiza o destino dessa arte, refere-se à passagens místicas para reconstituí-las ao seu próprio modo. Dessa confusão dada pela parábola como primordial, por exemplo: ela é enquanto um instrumento de sua obra, W. Benjamin irá defendê-lo das correntes mais espiritualistas ou mesmo religiosas. Por dialogar constantemente com a plenitude absoluta, seja ela Deus, mito, História, razão, memória, Castelo etc., afim de “oscilar de uma preocupação para outra, saborear todos os medos e ter a inconstância do desespero” , Kafka foi mal interpretado e tal injustiça incentivou Benjamin a resgatá-lo da sua biografia primeiramente publicada, conforme o próprio Kafka fez com o papel do romance dentro de uma determinada época evasiva, e restaurou-o. Por meio do próprio peso angustiante e esquecido num vazio homogêneo e imposto pelas perseguições humanas. O gritante no autor são essas pegadas instintivas do bicho deformado, do ser interior reprimido, num jogo gestualmente articulado entre a história da razão humana e essa culpa entranhada pelo esquecimento que a progressão dos dias trazem:

“É claro que a idéia de estar carregado tem relação com a de esquecer – no sono. Uma canção popular – O homemzinho corcunda – concretiza essa relação. O homenzinho é o habitante da vida deformada; desaparecerá quando chegar o Messias, de quem um grande rabino disse que ele não quer mudar o mundo pela força, mas apenas retificá-lo um pouco.”

Acima está muito bem esclarecido na passagem do texto sobre Kafka de W. Benjamin, a natureza de sua arte, espiritual somente na fragilidade dos remorços sob a teatralidade nas relações das personagens elevadas enquanto criaturas. O peso dessa resultante seria a sua marca libertadora, a viagem pela tradição que se move. Existe uma espécie de defesa da inocência afim de buscar constantemente o presente da vida na história por meio do próprio tempo materializado. Quase enquanto uma reminiscência, mas não um castigo sacramental e justo, apenas uma resignação pela continuidade ordenada do tempo, uma liberdade de reflexão perante as leis. Será a tradição que moverá tais leis, mas por meio da narrativa, refletindo as próprias leis tais como Dom Quixote é refletido para onde quer que o leve Sancho Pança.


BIBLIOGRAFIA

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras escolhidas; v.1)

Merlau Ponty - A percepção do sujeito

UNIFESP – UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS HUMAS II
PROFESSOR ALEXANDRE CARRASCO

FILOSOFIA – NOTURNO – 6° TERMO
CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA

DISSERTAÇÃO FINAL:
A PERCEPÇÃO DO SUJEITO

São Paulo
09/01/2011

A PERCEPÇÃO DO SUJEITO


“Pois se posso falar de ‘sonhos’ e de ‘realidade’, se posso interrogar-me sobre a distinção entre o imaginário e o real, e pôr em dúvida o ‘real’, é porque esta distinção já está feita por mim antes da análise, é porque tenho uma experiência do real assim como do imaginário, e o problema é agora não o de investigar como o pensamento crítico pode se dar equivalentes secundários dessa distinção, mas o de explicitar nosso saber primordial do ‘real’, o de descrever a percepção do mundo como aquilo que funda para sempre a nossa idéia de verdade. Portanto, não é preciso perguntar-se se nós percebemos verdadeiramente um mundo, é preciso dizer, ao contrário: o mundo é aquilo que nós percebemos."


Enquanto o real e o imaginário são distinguíveis, porém apenas argumentados pela vigília e o sono, numa ciência pura ou do juízo, mais próxima à reflexão correlativista e analítica; na fenomenologia se tem uma realidade mais antropológica, isto é, mais próxima da percepção e das ciências da memória não para distinguir tais liames, mas para descrever cada acontecimento, independentemente de suas causas. Por conseguinte, a imagem, mais ainda, permanece assim, um objeto crucial desse estudo da percepção. Porém a proximidade involuntária do “eu” ativo e narrador, trazida pela loucura na metafísica cartesiana, onde esta aparece mais como engano do que como oposta à consciência, é o que é questionado no discurso sartreano. Já Merlau Ponty questiona não tanto por meio do paradoxo da “consciência da loucura” quanto por meio da ruptura cartesiana com a percepção: a existência e a liberdade das imagens que obtemos, está no “intencionalismo” que damos aos fatos, mas sejam eles oníricos ou não, sempre há um sujeito que percebe por trás deles:

“O mundo que eu distinguia de mim enquanto soma de coisas ou de processos ligados por relações de causalidade, eu o redescubro ‘em mim’ enquanto horizonte permanente de todas as minhas cogitationes e como uma dimensão em relação a qual eu não deixo de me situar. O verdadeiro Cogito não define a existência do sujeito pelo pensamento de existir que ele tem, não converte a certeza do mundo e, enfim, não substitui o próprio mundo pela significação do mundo. Ele reconhece, ao contrário, meu próprio pensamento como um fato inalienável, e elimina qualquer espécie de idealismo revelando-me como ‘ser no mundo’.”

O empenho que alguns pensadores da fenomenologia depositam no argumento do sonho cartesiano não é casual. Eles detectaram a partir das generalidades feitas entre erro, ilusão e loucura, por exemplo, problemas fenomenológicos de caracteres imagéticos. Dos quais a significação dos estímulos sensíveis seria dado também pela imagem, mas Descartes defende que a semelhança entre a imagem e a coisa pouco tem a ver com uma adequação, pois a imagem se forma por indícios ópticos e sensíveis. E que pela visão não se obtém o conhecimento epistemológico. Porém não há um limite crítico e fundamentado fora da moral para averiguar as causas que expliquem a distinção entre sonho e vigília em Descartes. É o âmbito da opinião pessoal que predomina nas idéias claras e distintas, se considerarmos o método cartesiano conforme também a aplicação do mesmo nas “meditações metafísicas”. Pois ali está o narrador da experiência, que por meio dos efeitos retira um “substrato de certeza simples”, nos sonhos ou na metafísica sobre o real, mantendo então esta dependência da imagem ou significação que o sujeito faz sobre um objeto.
Assim é que Sartre caracterizará o louco de Descartes num patamar estereotipado e caricatural, não em torno de uma psiquê, mas simplesmente enquanto aquele que se engana sensivelmente. Ora, a idéia de uma falha na adesão ao mundo não mais ocorre quando nos surge uma “crítica da razão pura” ou outras “investigações sobre o entendimento humano” e “investigações filosóficas” as quais põem em cheque mate as epistemologias e psicologias vigentes em favor máximo do alcance à coisa em si ou de uma verdade que não seja simplesmente lógica e lingüística, conforme o faz o próprio Descartes. Porém após tal desconstrução na lógica aristotélica até então muito utilizada pelos últimos, resta-nos estudar a loucura agora para além de tais ilusões a respeito dos enganos morais, mas sim um imaginário que diga respeito aos sentidos. É o que Sartre sugere, uma genealogia do erro cartesiano, e ainda assim do ponto de vista de um narrador o qual se encontra no plano metafísico no caso de “meditações”. Enquanto que para Descartes é o conhecimento ainda a essência da coisa, e não a imagem. Seu objeto de conhecimento ainda a reflexão, e não a descrição. A imaginação e a memória aparecem apenas enquanto vias de se relacionar com o sensível.
Para Sartre o âmago da filosofia cartesiana é a importância dada à consciência, por meio da reflexão. O próprio narrador metafísico, o qual se distancia do fato ou problema pessoal a fim de tomar uma posição formal mas ainda assim baseado numa evidência que vem de uma crença espontânea, de uma consciência mesmo que em atividade, não participa tanto dos sentidos ou do corpo. Diferentemente do “para si” sartreano, há uma meditação mais subjetiva em termos de opinião, em Descartes. Uma menor preocupação de ligar o cogito pessoal ao externo, mas sim e no máximo ao extenso de seu próprio corpo. Com tal argumento é que Sartre também evidencia a importância da passividade de uma consciência imediata e de um suposto “para o outro”, afim de também dar existência aos fatos, ao real e à relação do ser no mundo.
Ao passo que tal experiência íntima dessa verdade cartesiana passa por um existir mais espiritual e moral, descolado do sensível e perto da atividade das idéias, estas até mais reais que o sensível, uma existência “cogitativa”, mais perto da consciência reflexiva do existir do que do existencialismo, em situação. E é aqui que aparece a psicologia fenomenológica sartreana sobre o plano transcendental para desfazer, ou melhor, ultrapassar o suposto “estoicismo” detectado em Descartes: a imagem que se dá imediata na percepção, enquanto o conjunto que constitui a imagem, e seu eidos enquanto objeto da consciência e sua constatação da mesma, numa relação de intencionalidades, mesmo que não metafísicos. A imagem enquanto sendo este objeto intencional e relacionado imediatamente com a consciência de algo. E a forma da experiência imagética se instala no objeto, formando o seu conceito. Assim, a imagem não está na coisa para Sartre, mas a coisa está na imagem. Por meio da consciência imediata e espontânea, a imagem forma o objeto. Isso dispõe a possibilidade do sujeito em relação ao objeto, numa correspondência em partes objetiva (no momento espontâneo) e em partes subjetiva por ser um eu reflexivo agindo posteriormente à percepção imediata. Logo a imagem é ainda um recurso de ligação e correlação do ser com as coisas, e não somente empírica conforme sugerira Descartes.
Bem como também Merlau Ponty acompanhará com outras palavras: aquilo que Sartre intitula consciência imediata, ele busca na “essência da percepção”. Em sua filosofia, o que liga o ser no mundo de fato é a percepção e a significação da mesma por meio da imagem. Utiliza-se para isso, de um reducionismo da consciência a fim de subjetivá-la também ao intencionalismo:

“Trata-se de reconhecer a própria consciência como projeto do mundo, destinada a um mundo que ela não abarca nem possui, mas em direção ao qual ela não cessa de se dirigir _ e o mundo como este indivíduo pré-objetivo cuja unidade imperiosa prescreve à consciência a sua meta”

A consciência portanto, aparece como irrefletida e opaca assim como o “em si” e o ego sartreano. Porém a sua atividade não é diretamente ligada a outros graus de consciência como em Sartre, mas sim às próprias imagens e percepções. Mesmo que subjetivista em muitos aspectos fenomenológicos, M. Ponty não distancia as imagens do mundo real como o faz Descartes em seu cogito. Ele as apropria e utiliza o argumento do sonho, por exemplo, para mostrar o quanto mesmo antes de serem imagens, são imagens que um indivíduo projeta e descreve, mais do que avalia. Esse ato de descrição transvaloriza a consciência para um patamar mais próximo do mundo real e perceptível do que daquele somente reflexível:

“A percepção não é uma ciência do mundo, nem mesmo um ato, uma tomada de posição deliberada; ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles. O mundo não é um objeto do qual possuo comigo a lei de constituição; ele é o meio natural e o campo de todos os meus pensamentos e de todas as minhas percepções explícitas. A verdade não habita apenas o homem interior, o homem está no mundo, é no mundo que ele se conhece.”

Logo, a fenomenologia de Ponty descarta as euforias analíticas para se ater também às prescrições fatídicas num positivismo fenomenológico, intersubjetivo e ético, não deixando de agregar também o transcendental dado na própria consciência pelas imagens:

“Mas, se existe uma natureza do sujeito, então a arte escondida da imaginação deve condicionar a atividade categorial; não apenas o juízo estético, mas também o conhecimento repousa nela, é ela que funda a unidade da consciência e das consciências.”

Com isso, efetiva-se a relação inicial de sujeito consciente prescrita por Descartes, mesmo que se de maneira involuntária e equivocadamente, às questões fenomenológicas que caminham e mudam também de acordo com os fenômenos, portanto é característica desses filósofos não mais investigar uma essência verdadeira, mas unicamente as verdades na percepção e nas imagens das “essências”, vias necessárias para apreensão consciente dos fatos, não mais distanciada ou segregada nas investigações como eram na história da filosofia epistemológica de muitos pensadores. Uma bela passagem do prefácio da fenomenologia da percepção sintetiza e pode nos concluir melhor tal ponto de vista:

“Este movimento é absolutamente distinto do retorno idealista à consciência, e a exigência de uma descrição pura exclui tanto o procedimento da análise reflexiva quanto o da explicação científica. Descartes e sobretudo Kant desligaram o sujeito ou a consciência, fazendo ver que eu não poderia apreender nenhuma coisa como existente se primeiramente eu não me experimentasse existente no ato de apreendê-la; eles fizeram aparecer a consciência, a absoluta certeza de mim para mim, como a condição sem a qual não haveria absolutamente nada, e o ato de ligação como fundamento do ligado. Sem dúvida, o ato de ligação não é nada sem o espetáculo do mundo que ele liga; a unidade da consciência, em Kant, é exatamente contemporânea da unidade do mundo e, em Descartes, a dúvida metódica não nos faz perder nada, visto que o mundo inteiro, pelo menos a titulo de experiência nossa, é reintegrado ao Cogito, certo com ele, e apenas afetado pelo índice “pensamento de...”. Mas as relações entre o sujeito e o mundo não são rigorosamente bilaterais: se elas o fossem, a certeza do mundo, em Descartes, seria imediatamente dada com a certeza do Cogito, e Kant não falaria de ‘inversão copernicana’. A análise reflexiva, a partir de nossa experiência do mundo, remonta ao sujeito como a uma condição de possibilidade distinta dela, e mostra a síntese universal como aquilo sem o que não haveria mundo. Nessa medida, ela deixa de aderir à nossa experiência, ela substitui a um relato uma reconstrução. Compreende-se através disso que Husserl tenha podido censurar em Kant um “psicologismo das faculdades da alma” e opor a uma análise noética que faz o mundo
repousar na atividade sintética do sujeito a sua ‘reflexão noemática’, que reside no objeto e explicita sua unidade primordial em lugar de engendrá-la.”















































BIBLIOGRAFIA

MERLEAU-PONTY, M. O. Fenomenologia da Percepção, In: Textos Escolhidos (Os Pensadores). v. XLI. São Paulo: Editora Abril, 1975. ___. São Paulo: Martins Fontes, 1994.



Da Arte Educação musical

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
Campus Guarulhos

Disciplina: Fundamentos Teórico Práticos do ensino da Arte
Professora Responsável: Margaret Arroyo

Aluna: Cristilene Carneiro da Silva
Nº matrícula: 50043
Curso de Filosofia – Noturno

Avaliação Final sobre o RCNEI e o PCN

SÃO PAULO
02/07/2010

Questão I


A música é utilizada pelos professores principalmente para desenvolver afetos, despertar sensibilidades e auto conhecimentos sobre os alunos, a fim de que estes expressem suas composições e dialoguem, numa comunicação indireta, com as matérias a serem aprendidas. Já trabalhei com algumas atividades musicais em sala de aula enquanto professora e diretora de teatro, e realmente o efeito trazido pela música é muito evidente nos resultados obtidos.
Na Proposta Curricular Nacional, a musica aparece como objeto de comunicação e expressão por meio de interpretações, improvisos e criatividades dadas em aula. A prática da música é de importância infinita quando se trata de apreender o conhecimento dado. Pois é por meio da memória auditiva e até corporal que se engaja a música à apreensão dos conteúdos. A produção é essencial, os alunos com quem trabalhei também interpretavam algumas músicas sob a forma de “clipes” e “dublagens”, utilizando toda as suas gamas de capacidades criadoras a fim de se expressar, e o momento de responder à eles sobre as apresentações era quando os mesmos mais ouviam as informações que eu almejava passar. Assim o conhecimento cria uma característica de troca, de fruição sobre quaisquer assuntos, e não necessariamente somente sobre a música. Por isso citei também a aprendizagem desta outra arte, o teatro, também como instrumento de ensino.
A apreciação musical vem juntamente com o interesse que é despertado ou não no aluno, conforme dispões o PCN. Se cada criança mantiver interesses diferentes e gostos distanciados, é importante o respeito e motivação à tais conhecimentos, dispondo sempre as variedades de qualidades do mesmo. Essa apreciação virá com a prática também, pois somente na produção ou audição obtemos resultados fatídicos que revelem o comportamento das crianças. É interessante também ressaltar a necessidade de mostrar o leque de possibilidades musicais, e suas perspectivas históricas e culturais.
Pois é por meio da cultura e da história que os registros se processam e expandem. A aprendizagem, em si, já se refere ao passado e suas circunstâncias. Se não fossem os mesmos, a própria música não nos estaria disponíveis hoje.




Questão II


Além do papel da música enquanto produto de conhecimento e expressão, no RCNEI encontramos na música também a função transformadora, que forma hábitos e culturas. Essa relevância na música é inclusive sociológica, pois o disciplinamento por meio da música está totalmente ligado com a formação do gosto e dos comportamentos mais gerais.
O potencial trazido pelo que os alunos ouvem hoje em dia, por exemplo, é historicamente um marco e revela as relações inter culturais que a própria sociedade agrega e expressa por meio das crianças. O hip hop estudado em sala de aula, por exemplo, é um forte elemento que significa inúmeros sintomas comportamentais. Bem como também podemos formar um cultivo específico de música estudada em sala de aula, como a história da música clássica, por exemplo. Sendo, portanto, mais uma questão de escolha do que qualquer outra atitude.
Aqui entramos no âmbito do disciplinamento: o professor pode receber os gostos musicais dos alunos, e pode instrui-los com os seus ou de outrem. A questão é a maneira como essa troca se dá, em sala de aula. É aqui que entra algumas práticas e exercícios de memorização não somente para apreender outra matérias como inclusive para apreender a própria música, caso ela seja uma novidade para quem a ouve. Práticas essas que vão desde exercícios rítmicos, de percurssão corporal, até atividades memoráticas e repetitivas para a apreensão.
Assim, estabelecidos os vínculos entre professor, música e aluno, o referencial se emancipa e adere inclusive uma identidade nacional, uma particularidade que dispões a educação à um mesmo objetivo: utilizar-se do que é próprio da cultura, local ou universal como a música, para passar conhecimentos e valores de gerações em gerações.