terça-feira, 24 de maio de 2011

As manhãs

De onde vem os pássaros? Todos os dias já o vôo deles surgem. Não há como não ser feliz da minha janela, muitos violeta pássaros enflorecem o ar de caldas aéreas. Eles pulam convulsivamente para renovar o ar denso. A leveza abre um sorriso, e chama as gaivotas lá de cima. Elas descem mais um pouco, arrazoáveis em seus rasantes desfiles, anunciam sua chegada elegantemente marcada por um canto meio erudito. As espécies por um momento se comunicam. Vejo as gaivotas voltarem a subir, mas as andorinhas continuam se multiplicando na altura da minha janela, todos os dias.
A PROSA É UM DEVANEIO!
A PROSA É UM DEVANEIO!
A PROSA É UM DEVANEIO!

Mais um órfão (rascunhos de experimento hamlet)

Orfeu: _ "Depois que queimei meus documentos, agora longe de todos e a um passo suicida, agora que não apenas escrevo sobre esse personagem que prossegue e profana mas também o sinto e vivo, enfim posso assinar e escrever livremente quaisquer história e sobre
nomes
Agora que sou tudo
Enfim assino o meu ser feito de nada
Desse nada que enfim, era tudo o que eu buscava ao querer tanta coisa.
Não há mais o fato de ser ou não ser, participar ou não fazer parte, apenas a possibilidade de estar, absolutamente em nada, no ser. O contrário da integridade.
E ainda por cima ter de prosseguir.
Toda escrita ou fala é também uma despedida. Uma destruição construída. Pois é quando a ontologia (ser ou não ser) passa pela inclusão social (fazer parte ou não fazer) e aterriza, novamente, na agonia do vazio. Construído. Co-instrução...

Autonomia (Hamlete, Hamletem, Hamletempestade, Hamletempo)

Tilene _ Sou o outro dentro de um porão que sou eu.
Nem esquecida nem abandonada, apenas ali por muito tempo.
O outro dentro de mim me é mais autônomo,
preciso de uma motivação de fora para agir.
Em contrapartida, o único lugar onde consigo ser eu mesma
é exatamente onde descobri que não tenho autonomia.
O que me faz eu já é um coletivo de coisas, juntas.
Sinto-me limitada apenas pela falta de limite.
Ao mesmo tempo tudo que existe sobre mim
é apenas subjetividade.
E o que existe, de fato pra mim, é o subjetivo.
E esse coletivo meu é de subjetividades, mas é uma coisa só.
Que não é somente minha.
Talvez somente o tempo as diferencia.
Cada tempo... O que as pessoas tem de diferente a não ser
a marca memorativa e o tempo?
Qual é o seu tempo?
Qual é o nosso Hamletempo?

Mais uma fala e os atores (rascunhos de experimento-hamlet)

Mais uma fala:

Veneno no ouvido
quer dizer dizer dizer dizer dizer
dizer algo
o resto foi silêncio

E os atores:

A vanguarda de hoje
não é
dizer que a arte não serve
mais para nada
mas sim dizer
que o nada não serve mais
à arte

Prosperidade bookólica (rascunhos de experimento-hamlet)

A religião do corpo é o teatro. Mas a vontade foi substituída pela necessidade presunçosa e soberba, sufocando o coração pulsante do corpo. Nosso cérebro sobrevive à bombas de poluição respirada ou tragada a pó mais viciante que a cocaína, e o efeito foi esse pensamento sujo e sem cores. Nublado. Trovões e tempestades jorram violências mesquinhas ocidentais e separatistas, mas espero que de alguma maneira chova, promiscuamente. E nos inunde por dentro até os olhos transbordar e provar que esse corpo, mesmo afogado, está vivo!

O crânio da cova (rascunhos de experimento-hamlet)

O crânio da cova

Repolho a R$0,99 o maço no CEAG,
fresquinho e regionalizado
porque barato assim só aqui
Sós aqui
SOS para esquecer o passado:
coma repolho
somem-se os mortos
só fica a dor
de barriga

Como eu crio / O que move em mim: o que faz acionar um estado de criação? /O que faz ser cena?

Como eu crio
(um exercício no grupo de profanações da dança do ccsp)

A paixão
chegada, já partida
A intuição despida na fé
e a fé já despedida

O já, já aqui no agora
o presente desafio de estar
no futuro de outrora
dançomovimentaminhar

Mover-se de todo
e ser todo o movente
durante nenhum
entrar em jogo

Nenhum, fim ou princípio
mas corporal-mente
tudo me vem como alívio
num alívio sempre ausente


O que move em mim: o que faz acionar um estado de criação?

Depois que queimo os meus documentos, agora longe de todos e a um passo suicida, agora que não apenas escrevo sobre essa personagem que prossegue e profana mas também a sinto e vivo, enfim passo a assinar livremente quaisquer criação e sobre nomes meus. Agora que sou tudo enfim assino o meu ser, feito de nada, desse nada que enfim, era tudo o que eu buscava ao querer tantas coisas. Não há mais o fato de participar ou não fazer parte, apenas a possibilidade de estar, absolutamente em nada, no ser. Eis o contrário da integridade. Pois é quando a ontologia se confunde com a responsabilidade social e aterriza, novamente, na agonia. Meu cérebro é somente doação em busca de adubo, feito um maço de repolho em que se arrancam as folhas, come-se, com um efeito que nem sempre cheira bem. Mas presente e orgânico, o que de alguma maneira, a qual revejo o tempo todo, o torna corpo.












O que faz ser cena?

O que escrevi aqui antes quando vi os dois repentistas dentro de um ônibus criando rimas e interagindo com os passageiros, sendo levados e pedindo contribuições por seus trabalhos justo no momento em que eu escrevia sobre isso aqui. Isso foi-me um símbolo de como a criação e a cena estão juntas e em processo. Há um tempo eu já teimava com alguns pensadores da contemporaneidade o fato de ter de declarar ser cena para sê-la. As cenas não se distinguem da realidade, pra mim. O que muda entre ambas, realidade e arte, pode ser somente a condição: uma é, necessariamente. A outra necessita ser. Elas estão frente a frente, como numa coincidência invertida. O resultado é o reflexo e a imagem criando vidas para além da reprodução (e da realidade já representativa) do que já está dado, movendo, essa mesma realidade. Cena é o que muda o instante de uma realidade. E aquela cena no ônibus me influenciou a escrever tudo isso. Foi o que escrevi, logo depois daquilo:

" A vontade substituída pela necessidade sufocou o coração pulsante no cérebro. Nosso cérebro sobrevive agora à bombas de poluição respirada, o efeito foi esse pensamento sujo e sem cores. Nublado. Trovões e tempestades jorram violências ocidentais e separatistas, mas espero que, de alguma maneira, chova. E que essa inundação de dentro transborde e prove que o corpo, mesmo se afogando, continua vivo."


mas não existe resposta, existe arte...