domingo, 24 de janeiro de 2010

LINK

O curto circuito
é ciclo curto
acaba se caso
quebre o encontro

E o acaso de outro
encontre o acesso
a qualquer quem
que queira um sexo

Coisa de alguém
clicado em amores
executa conquistas
encomenda calores

Co-inversas quentes
com clima carente
questões sobre coisas
contadas de canto

Cada canto contente
a cura do acalanto
criando os ausentes
educoração de cor
e com ração

Isca a corresponder
caminhos descritos
e descruzados
no encanamento
recém casado

Camuflagem contínua
de comportamentos
condenados ao escanteio
conforme o cabimento

Quantas querelas
cabem nessa coisa
coração eletrônico
cavidade inalcançada

Cores caricatas
cantam dando cordas
à canção calada
do cérebro sem bordas

Capacidade amagônica
que ama a agonia iônica
cancela chops num chip
e não chora seus cliques

Contato é a corrente
quimica presente
só o magnetismo
condutor das caveiras
descasca as carnes
dá cobertura às queixas
aconselha não quereres

Acorde o link pelo toque
acredite em corpos
descuidados no estoque
acompanhe a causa
descordando da conta
computadorizada

E quem criar caso
ou não der cabo
comente aqui
sobre o que se constrói ali

DISSERTAÇÃO SOBRE O RESSENTIMENTO EM F. NIETZSCHE

São Paulo, 02 de junho de 2009
UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo
Unidade Curricular: História da Filosofia Contemporânea III
Professor:
Ivo da Silva Júnior
Aluna: Cristilene Carneiro da Silva
3º Termo - Filosofia - UNIFESP


A VONTADE DE NIETZSCHE ou
NIETZSCHE: O ÚLTIMO CULPADO OU RESSENTIDO?

“ A Zaratustra, ainda ingênuo, que apresenta ao povo o mais desprezível dos demagogos, para melhor valorizar o Super-Homem, a multidão responde em coro: ‘Dá-nos o Último Homem, Zaratustra... e guarda para ti o teu Super-Homem’.[1]”

                       Que poder é esse hoje que mistura a vontade de potência criadora com um ressentimento destruidor para falar de revolução, política e oposição por meio de Nietzsche? A manifestação de forças, ou para além da política partidária brinca de culpar e ressentir o filósofo para utilizá-lo como objeto, literalmente, de “estudo” ou de “articulação”? A única coisa que se cria com isso é uma vulgarização cristalizada (para não dizer cristianizada) de uma filosofia que vai contra qualquer valor moral “escravizante” por uma terra já escrava e católica. Amém, a moral criada nesta deu vazão à criação de uma nova filosofia brasileira, pelo menos! – A de um “ideologismo” sobre Nietzsche que não é jamais algo próximo de sua vontade de potência, mas simplesmente uma vontade de assumir o poder às custas do filólogo, às custas dessa Vontade de Nietzsche escandalizada e moldurada para venda em quaisquer editoras, esquinas ou livrarias...
                     Porém, a fim de propagar outra coisa que não somente uma continuidade especulativa em homenagem à mudança na escrita trazida pelo filósofo como foi feito acima, dando ênfase ao seu tom de revolta e, por escrever de maneira menos formal e mais literária supor que tenha compreendido suas críticas, discorro no desenvolvimento dessa dissertação, não uma tentativa de aumentar ainda mais a obra de Nietzsche criando ideologias sobre seus escritos, ou direcionando uma culpa aos que o fazem, muito menos ressentindo isso e criando uma verdade moral aqui. A qual inverta-me em nobre ou senhoril falsificado, não. A função de denúncia já foi muito bem exercida pelo autor comentado, o que proponho é simplesmente mostrar outras interpretações para compor o histórico da história de sua filosofia[2]. Assim como Michel Foucault já argumentou sobre isso em seu texto “Genealogia e Poder”, no qual relata a necessidade de descentralizar um pouco o poder de uma única linha histórica e por meio da regionalização do pensamento mesmo, fazer-se uma maior pesquisa científica na sociologia e antropologia do pensamento[3].
                      Não que este texto possua pretensão de entrar nas exceções ainda existentes sobre a filosofia de Nietzsche. A dificuldade em permanecer na mesma hierarquia proposta pelo filólogo, em neutralizar o julgamento para que se dê uma “moral sã” na crítica contínua sobre a filosofia (seja ela crítica, cética ou dogmática), traz sempre uma suspeita sobre o texto enquanto vingativo e acusador ou revoltado e defensivo demais[4]. Ou se lamenta ou se argumenta para justificar uma culpa. Mas enfim, fica pelo menos claro a respeito dessa tentativa de não fazer um ascetismo para discorrer o assunto. E a motivação em consegui-lo é em agradecimento daqueles comentadores que já fizeram jus a isso, demonstrando-nos tal possibilidade por meio do detalhamento no espaço entre essas oposições e traduzindo-nos o que Nietzsche quis trazer para além do relativismo, da vontade de verdade e das demais finalidades[5].
                        Quando refiro-me à vulgarização (termo que para bem utilizado poderia ser substituído por fetichismo no lugar de seu significado enquanto popularização, pois nada contra a queda da elitização do pensamento, muito pelo contrário), é daqueles títulos os quais mal se preocupam em retratar a história da filosofia, mas simplesmente vender o seu peixe e sua política como muitos. Daí o termo fetiche, já utilizado pelo próprio Nietzsche. Publicações que querem criar um produto Nietzsche para vender e render lucros materiais com isso.
                       Ou também no âmbito político, quando se define uma leitura nietzcheana de acordo com as condições partidárias, e não o contrário: a partir de sua leitura cria-se um movimento. Claro que o autor que defende o mundo enquanto uma contingência de interpretações possibilita toda essa estrutura para variadas articulações. Porém filosofia, ética e política muitas vezes são inseparáveis, mas quando as três são uma conseqüência de um mesmo pensamento, não quando se apropria de uma dessas três para enfatizar, com isso, as outras e vice-versa; criando assim discursos muitas vezes contraditórios entre o pensar e o agir como decorrência da falta de coerência entre a leitura de um pensamento como um todo, por exemplo.
                       Utilizar-se de um novo método de ensino imposto somente para facilitar a maior quantidade de “alfabetizados” e manter índices valorativos com isso, e neste método propagar uma idéia de filósofos que “curam” a sociedade dizendo que isto tem algo a ver com a potência que Nietzsche depositava na fisiologia da saúde para defender uma “filosofia medicinal”, é totalmente discrepante[6]. Assim como aumentar tal incoerência adicionando não só a ética diferente da filosofia, como também da política, ao promover um novo administrador de forma fragilizada e sem quaisquer tipos de eleição ou discussão anterior, como se fosse resolução de todos os problemas que o início de uma universidade possui, por exemplo. Isso é exemplo não só de ressentir e reprimir a vontade de potência de estudantes interessados em melhorar a educação como também de inverter os valores e enfraquecer essa vontade como se ela não fosse “boa”, e sim a vontade imposta do nada, pela simples necessidade de alguém para substituir uma moral governante anterior, mas que corresponderia, para Nietzsche, à mesma coisa: como se fosse Sócrates que corrompia os jovens substituído por Cristo o salvador.
                      Esta oposição contrária encontrada não só nesta falta de lógica entre idéias utilizadas e práticas realizadas pode ser encontrada na descrição de ressentimento para Nietzsche. Quando este a trata como sinônimo de negação das forças manifestadas pela vontade de potência. No Brasil temos inúmeros exemplos que demonstram melhor uma explicação do que seja esse termo para o filósofo. Pois é por meio da crença numa moral serva[7] que ele se dá, e nada mais moralista do que um país católico estudando tanto um anti-cristo, por exemplo.
                      Entre outras maneiras de sobressair-se por meio desta negação, não só no âmbito da própria leitura feita sobre Nietzsche ou da administração de uma instituição educacional como já citamos aqui. Existem outros valores criados por diferentes “rebanhos” os quais incitam este ressentimento estudado[8]. A mania aparentemente eterna de um conformismo maquiado pela culpa que se joga no outro no país, é unânime em muitos aspectos. Digamos que na educação isto se dá ao falarmos “mal” dela, e concluir a questão com uma passividade transcrita por “mas é assim mesmo, fazer o quê?”. Com isso cria-se uma moral perigosa de que nunca se pode fazer nada pelo que negamos, ressente-se o que está ruim porém o máximo desta acusação é nos vitimarmos ao se colocar contrário a vigência reinante e inverter os valores. É ai que mora esta moral opositora e acusadora, de estabilizar a opinião de nunca aceitar algo que venha, seja do governo, da escola, desse outro “rebanho”[9], criando sempre esta extremidade de pólos, e não uma hierarquia. Pode-se expandir com o exemplo ao discorrer também sobre os milhares de artesanatos, músicas e outras artes marginalizadas no Brasil: a idéia elitista de um lado, guardada nos museus de São Paulo, por exemplo enquanto um pólo. E a idéia de que o que se produz enquanto artesanatos regionais, danças típicas, músicas folclóricas ou de contestação como o rap etc., em muitos lugares não se divulga, ou se considera enquanto estética. Porém, muitas vezes como nesta, por se estar muito próximo da questão é quase impossível distinguir qual dos pólos é o do senhor e qual o do escravo, o do dionisíaco com sua vontade de potência e o do socratismo com seu ressentimento moral[10]. A inversão de valores críticos leva a não saber mais quem é a “ave de rapina”, já que ambas partes converteram em público apreciador os que acreditam em suas vertentes.
                      Mas para não exceder na demonstração do funcionamento desse ressentimento, e também não confundi-lo com uma simples reclamação de revolta, é necessário distinguir e evidenciar aqui também a vontade de se transpôr no lugar do outro pelo ódio, numa “vingança imaginária” que o fraco carece. O que não é somente revoltar-se com a injustiça que o outro ou o externo causa pelo fato de ser diferente, mas inclusive por não ser capaz de conquistar algo a altura desse outro que o supra[11], e por isso constrói-se uma moral que disfarce a sua fragilidade em bondade, virtude etc. Quando acontece um jogo de futebol, e no estádio montam-se duas torcidas: o código moral de cada uma é o objetivo do gol, da vitória. Porém nunca é assumidamente reconhecido que um time é melhor do que outro, a não ser pela quantidade de títulos de permiação que eles possuem. Mas a fé que alguns torcedores mantêm por um time os fazem acreditar em possibilidades de corrupção da parte do juiz, em subornos etc. Cria-se uma crença no acompanhamento dos jogos que é levada pela vida toda de uma pessoa, independente se o time possui ou não vitórias, se é forte ou não.
                       Assim como o termo “liberdade de expressão”, fortalecido depois do regime militar, trouxe consigo uma moral inserida na mídia que “democratizou” a palavra porém continua a manipular informações. Agora é a contingência de informações distorcidas ou muito parecidas que impedem as outras. E o ressentido ainda se acha no direito de repetir a mesma coisa sempre, compactuando com a mesma dissonância ao pedir somente a “liberdade” de expressão, e não um melhor estudo e legado sobre ela, o que deu no que a publicidade faz com o indivíduo hoje – o que quiser. Desse mesmo acúmulo e aglutinação, podemos inferir o ressentimento temporal, “não temos tempo na correria do dia-a-dia”, clichês citados que realmente criam dificuldades de reflexão, convivência e nisso sim repressão, assim como o cristianismo, tempo se possui sim, o que possivelmente seja é a falta de organizá-lo. A aceitação de tais rótulos no século XX e XXI já nos traz prejuizos como o de acabar não fazendo nada, já que a “efemeridade” é tão desgastante e, forte…
                      Sejamos efêmeros, então. E que o desespero da falta de saída na contingência caótica cumpre uma possibilidade de loucura inaceitável pela lei, pela justiça etc. A resistência a um anarquismo impõe um desejo de vingança dos que depois de Nietzsche esperam por algo que corresponda às suas medidas horizontalizadas e gradativas, para além da barbárie ou do racionalismo. Porém a ausência dessa possibilidade, o vazio dentro de si, a falta de rumo da filosofia, da arte, da história, da estética, da crítica e dos demais valores só mantêm as diferenças e o relativismo nos valores e nas interpretações extremas e niilistas, não dando vazão à uma moral sã, que realmente salve essa extinção do mundo. Disso se infere a propagação ideológica de Nietzche enquanto culpado por extinguir tudo ou ressentido enquanto pedinte de uma salvação, porém ele nada fez a não ser detectar um suposto fim já presente, não presumindo nada, muito pelo contrário, somente buscando suas procedências. Isso que o mantêm distante do nazismo por qual foi confundido durante muito tempo: o fato dele não possuir nenhuma ideologia[12]. É daí que buscar a origem, por meio de uma causa filosófica em Nietzsche não é coerente com sua própria filosofia que é interpretativa, e não justificativa. Ou seja, serve-se somente de indagações e interpretações que sua vida enquanto pessoa[13], possuidora de vontade de poder, não de uma pretensão de justificar o mundo por meio de tal filosofia como costumam tratá-lo.
                       Considerá-lo extintor da filosofia já é culpá-lo, por exemplo. Há uma maneira de ser lido culturalmente, por meio de suas fases[14], mas ele possui seu pensamento positivista e logo após, crítico, podendo ser levado na totalidade da obra e não na parcialidade de quaisquer de seus momentos. Trasnportando assim, o valor de sua filosofia para uma transfiguração: nem último nem primeiro, nem cristão nem pagão. Há aí um desejo de se ater a uma posição – ou niilista ou positivista – que muitas leituras geralmente não resistem. Assim como considerá-lo propagador da alegria e do Super-Homem traz à tona uma religião de idealismo que se divide em múltiplas auto-ajudas pelas bancas de jornais. A sua hierarquia está em tudo, principalmente na leitura sobre o mesmo. E o maior perigo do ressentimento e da culpa é impô-los ao próprio autor que o detectou, somente comprovando com isso a carência de uma filosofia realmente “medicinal”.
                        Mas reforçando o que já foi exposto: longe de culpar ou ressentir algo, que o reflexo nietzscheano continue a procriar inúmeras manifestações de forças como esta que faço agora e vejamos até onde a fé no filósofo vai chegar Brasil a fora! Quem sabe essas tantas criações de interpretações contando cada vez mais “novidades” em cima dele já não repercutam em filosofias propriamente ditas, pois que da história da filosofia estejam tão distantes...

"Meu sol foi quente sobre mim ao meio-dia:
sede bem-vindos, que chegais,
ó ventos repentinos,
frescos espíritos de após o meio-dia![15]”


BIBLIOGRAFIA:


NIETZSCHE, F. “Para a genealogia da moral”. In: NIETZSCHE, F. Obras incompletas. São Paulo, Abril Cultural.
LEBRUN, Gerard, “Por que ler Nietzsche, hoje?”, in Passeios ao léu. SP: Ed. Brasiliense, 1983.
FOUCAULT, Michel. “Genealogia e poder” In: Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Graal, 1979.
MARTON, Scarlett. . A morte de Deus e a transvaloração dos valores. Hypnós, São Paulo, v. 5, 1999.
MARTON, Scarlett. . Nietzsche: Uma filosofia a marteladas. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. p.21
KOFMAN, Sarah. "O/Os 'conceitos' de cultura nas Extemporâneas". In: MARTON, S. (org). Nietzsche hoje? São Paulo: Brasiliense, 1985.


NOTAS:

[1] LEBRUN, Gerard, “Por que ler Nietzsche, hoje?”, p. 32.


[3] FOUCAULT, Michel. “Genealogia e poder” In: Microfísica do Poder.

[4] “ O que os homens mais facilmente esquecem é que, a todo instante, defendem o seu ‘território’ animal. Quer se fale profissional, filosófica, sentimental, cientificamente _ sempre se acredita, em algum momento, fazer referência a normas que valem para todos, a conceitos que têm o mesmo sentido para todos ( e os nossos ideais ‘democráticos’, ‘igualitários’, assim como a nossa civilização burocratizada, levaram esta ilusão grega ao auge). Acredita-se que, na raiz de nosso discurso, existe afinal de contas alguma coisa – ‘razão pura’, ‘sujeito universal’ – que é capaz de penetrar todas as mentiras, de denunciar as ilusões, de proferir a última palavra . Em suma, acredita-se que o homem é um animal capaz de conhecer o Ser, e de dizê-lo em nome de todos. Como se esta palavra ‘Ser’ já não fosse uma noção forjada por uma certa ‘raça’, para a sua segurança e, por conseguinte, um documento etnológico à disposição do bom filólogo. Como se compreender, intelligere fosse ‘algo conciliador, justo, bom, algo essencialmente oposto às pulsões: quando se trata, apenas, de um certo comportamento das pulsões entre si’ (Fr. Wissenschaft, aforismo 333).” (LEBRUN, Gerard, “Por que ler Nietzsche, hoje?”, p. 35)

[5] Alusão em agradecimento aos comentadores utilizados como leitura e citados aqui. Sobre genealogia e procedência à Michel Faulcault., relativismo, a Bento Prado Jr., sobre vontade de verdade Alberto Marcos Onate., sobre necessidade e não finalidade a André Luís Mota Itaparica, sobre hierarquia e não ideologia a Gerard Lebrun, sobre transvaloração e não valoração a Scarlett Marton e finalmente sobre a indicação dessas leituras todas, ao professor deste curso.

[6] Quanto a essa discrepância: “ A educação voltada para a cultura não é a que permite ao indivíduo
aspirar a um posto de funcionário ou a um ganha-pão qualquer, é a que o leva ao desenvolvimento integral e harmonioso de todas as suas capacidades.” (MARTON, Scarlett. . Nietzsche: Uma filosofia a marteladas, p.21)

[7] “Incapaz de admirar o forte, o ressentido imputa-lhe justamente o erro de ser forte. Reúne fatos e testemunhas para montar sua peça de acusação, cujo objetivo último é o de introduzir no âmago do forte o vírus corrosivo da culpa.” ( MARTON, Scarlett. . A morte de Deus e a transvaloração dos valores, p. 55)

[8] Sobre a diferença enquanto o que provoca o ódio e a vingança (palavras-chave para o esclarescimento sobre ressentimento): “É a diferença que causa o ódio, ou melhor, é a recusa da diferença que o engendra” ( MARTON, Scarlett. . A morte de Deus e a transvaloração dos valores, p. 56)

[9] Sobre essa servidão, Scarlett Marton numa passagem descreve como se dá tal moral: “A afirmação da crueldade da existência cedeu lugar ao otimismo do saber, a febre de viver, à serenidade. Opôs-se a vida à idéia – como se a vida devesse ser julgada, justificada e redimida pela idéia. Privilegiou-se o conhecimento em detrimento da arte, e fez-se dele fonte de moralidade. Com o socratismo e, pouco depois, com a civilização romana, o dionisíaco desaparece da cena do mundo por um longo período.” (MARTON, Scarlett. . Nietzsche: Uma filosofia a marteladas , p.18)

[10] Sobre a relação entre o ressentimento enquanto ligado diretamente à destruição em oposição a vontade de potência, ligada à criação: “O levante dos escravos na moral começa quando o ressentimento mesmo se torna criador e pare valores: o ressentimento de seres tais, aos quais está vedada a reação propriamente dita, o ato, e que somente por uma vingança imaginária ficam quites. Enquanto toda moral nobre brota de um triunfante dizer-sim a si próprio, a moral de escravos diz não, logo de início, a um ‘fora’, a um ‘outro’, a um ‘não-mesmo’: e esse ‘não’ é seu ato criador.” (NIETZSCHE, F. “Para a genealogia da moral”, primeira dissertação §10.)

[11] Do ressentimento como única reação do fraco: “É da própria impotência que nasce e se alimenta seu desejo de vingança. É por isso que ressentimento nem mesmo é sinônimo de reação: justamente por ser impotente para reagir, ao fraco só resta ressentir.” (MARTON, Scarlett. . A morte de Deus e a transvaloração dos valores, p. 56)

[12] “Um único exemplo. De alguns anos pra cá, tentou-se alistar Nietzsche no pelotão dos críticos do ‘ideológico’, no sentido marxiano da palavra, e mesmo incluí-lo entre os precursores da psicanálise. Ora, tais aproximações parece-me que só podem dissimular a especificidade de Nietzsche, e edulcorar a sua ‘grande suspeita’.” (LEBRUN, Gerard, “Por que ler Nietzsche, hoje?”, p.39)

[13] De como Nietzsche não se importava com nenhuma continuidade ideológica de sua filosofia, ao qual muitas vezes considerava até pessoal, Lebrun comenta: “Marx gostava de dizer que não era ‘marxista’, mas não detestava que outros o fossem. Nietzsche, ao que parece, não teria gostado que houvesse nietzscheanos: ‘Apliquei o ouvido para escutar um eco, e só recolhi elogios’ (Jenseits, aforismo 99).”

(LEBRUN, Gerard, “Por que ler Nietzsche, hoje?”, p.32)

[14] KOFMAN, Sarah. Nietzsche hoje. p.77-109.

[15] poema de Nietzsche, “Cai o Sol” . In: Obras incompletas.

Tri-vial

Tri-vial

É um trevo.

E trava sua treva,

triangulizada pela trova.

Tomás de Aquino na questão 84 da Suma de Teologia

I
                     Para argumentar que o conhecimento intelectivo não é recebido diretamente das coisas sensíveis, nem em absoluto somente das inteligíveis, Tomás expõe as argumentações de alguns filósofos com quem discorre na filosofia de sua obra, Suma de Teologia. A partir das considerações tomasianas a respeito de Demócrito e outros filósofos antigos, os quais também não distinguiam o intelecto e o sentido, ambos enquanto atuantes no modo de conhecer por meio da mudança e do corpóreo; passando à exposição da argumentação platônica, em oposição aquela primeira, onde agora é o idealismo platônico com suas separações do intelecto imutável enquanto princípio divisor dos sentidos que será recusado. Por último estão os argumentos dos autores com os quais Tomás irá dialogar, neste ponto, com maiores convergências que os dois acima citados: com Sto. Agostinho, mesmo que este ainda seja identificado por Tomás com proximidades no aspecto de diferenciação entre como estão os sentidos para a alma intelectiva e as coisas sensíveis para a alma sensitiva, numa suposta separação, assim como em Platão.


                        Logo em seguida, o texto ganha o movimento da passagem sobre Aristóteles em que concluirá a intermediação desse filósofo no que se refere às objeções sobre o materialismo e o idealismo. Pois mesmo ainda dissociando o sentido do intelecto, Aristóteles cria uma interdependência entre a matéria e como ela é impressa nos sentidos e inclusive, também pela alma. Ao detalhar a maneira como o sensível afeta a alma e esta, apreende os corpos, o filósofo grego mantém uma relação mais próxima da operação da alma sensitiva descrita por Tomás, o qual descreveu como “impressão” [impressionem] causada na alma pelos sensíveis: “... Aristóteles concordou com Demócrito nisto, que as operações da parte sensitiva são causadas pela impressão dos sensíveis no sentido; não a modo de emanação, como Demócrito sustentou, mas por uma certa operação [operationem].” Operação a qual denuncia, em certo termos, o teor da Tábula Rasa aristotélica na alma, visto que articula um caráter de agente abstrativo ao intelecto. Abstração esta que também argumenta o movimento dado no texto a Aristóteles enquanto mediano entre a matéria e a alma [idéia], para explicitar a hierarquia entre a impressão (ou imaginação) e as abstrações operadas na alma. Logo, Tomás não descarta a dependência do conhecimento sensível para o inteligível, antes compartilha-os entre si, deixando ainda muito claro que o sensível não é de todo a causa do conhecimento do intelecto, mas simplesmente matéria [objeto] dele.



II 
                       Por mais que Tomás de Aquino coloque as fantasias enquanto próprias e participantes do intelecto possível, por meio das quais a realidade, ou forma das coisas animadas, é acessível e onde também se pode afirmar tal realidade gnosiológica, no artigo 7 da questão 84 da Suma de Teologia, o filósofo acrescenta que as fantasias (ou imagens) não condicionam o ato do intelecto, mas propiciam exemplos de intelecção.

                          Exemplos que a operação da alma sensitiva em conjunto com o intelecto passivo codificam, ou seja, imagens e conteúdo mentais como estimativas, imaginação e memórias. Onde se encontra a metodologia de composição e divisão, que fomentam a qüididade encontrada em sua filosofia, por sinal, na abstração das fantasias pela espécie, ou intelecto agente. A imagem torna-se então, a ligação da espécie com a matéria, e ao mesmo tempo, a abstração na maneira como ela é inteligida desfaz quaisquer materialismo ou idealismo com que Tomás de Aquino possa vir a ser associado. Abstração esta que no artigo 1 da questão 85, vem identificada com a seguinte definição: “conhecer o que está na matéria individual, não na medida em que está em tal matéria, é abstrair a forma da matéria individual, que as fantasias representam”. Assim, pode-se abstrair as imagens originais e não mais precisar de corpos para compor os exemplos e formar os conceitos, assim como requerer da realidade para apreendê-los, porém sempre à semelhança do particular a universalizá-los pelo intelecto, abstraindo-os. Quando não assim, seria por resignação [remoção] ou por comparação, conforme ocorre com a impossibilidade de conhecer, gnoseologicamente, Deus. Uma passagem que auxiliaria ainda a compreender tal influência das imagens da realidade correlacionadas às idéias, é a do tradutor e comentador Carlos Nascimento na introdução da Suma de Teologia: “Tomás de Aquino repete várias vezes no conjunto das questões 84-89 da primeira parte da Suma que o ‘objeto’ próprio do conhecimento intelectual humano é a ‘qüididade da coisa material que cai sob o sentido e a imaginação’ ou ‘a natureza da coisa material’.”

                       Assim como, também, Tomás de Aquino não descarta a liberdade do intelecto sobre o sentido ou a imaginação, argumentando de um intelecto puro, por assim dizer. O qual constituiria somente o incorpóreo, não mantendo relações de qüididade com as fantasias sensíveis. Onde se observa enquanto sendo o intelecto divino, por assemelhá-lo dos valores de nobreza e superioridades. Ao passo que, o modo de conhecimento humano não se liberta do realismo Tomasiano: “...é o indivíduo humano quem conhece por seu intelecto ativo e recipiente, não porque se confronte com um intelecto transcendente ou se volte para ele, mas porque se confronta com as imagens ou fantasias que os sentidos lhes proporcionam. O acesso às realidades imateriais transcendentes tem de passar necessariamente pelo trato com o mundo material.”




BIBLIOGRAFIA


AQUINO, S. Tomás. Suma de Teologia. Trad. e Introd. de Carlos Arthur R. Nascimento. Uberlândia: EDUFU, 2004.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O SURREALISMO NO TEMPO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO– UNIFESP
CURSO DE FILOSOFIA
DISSERTAÇÃO PARA A UNIDADE CURRICULAR
DE ESTÉTICA E FILOSOFIA DA ARTE
MINISTRADA PELO PROFESSOR FRANSCISCO MACHADO



O SURREALISMO NO TEMPO


CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA
3º TERMO DE FILOSOFIA – VESPERTINO

SÃO PAULO
JUNHO/2009


O SURREALISMO NO TEMPO

“No entanto, e justamente em conseqüência dessa destruição dialética, esse espaço continuará sendo espaço de imagens, e algo de mais concreto ainda: espaço do corpo. Não podemos fugir a essa evidência, a confissão se impõe: o materialismo metafísico de Vogt e Bukharir não pode ser traduzido, sem descontinuidade, no registro do materialismo antropológico, representado pela experiência dos surrealistas e antes por um Hegel; Georg Buchner, Nietzsche e Rimbaud. Fica sempre um resto.”[1]


                      A história da busca assídua por uma concretização dialética disseminada no decorrer dos tantos estudos sobre a sua possibilidade, desenha um trajeto ingrato para pensamentos recentes que almejaram vitórias sobre realidades percorridas em vão, vão este crescente que distancia cada vez mais a prática da idéia. Independente da substituição feita pela opinião política no lugar da História, conforme nos anuncia Walter Benjamin[2] nesse mesmo texto onde foi extraído o trecho citado acima, ainda assim há a impossibilidade determinista dessa vitória sobre os “realistas” estudiosos da História. Os surrealistas, ou sobre-realistas como se autonomeavam, encontram-se neste patamar supostamente fracassado ao enfrentar tal determinismo. Pois mesmo quando passou de um movimento histórico para uma opinião política, não atingiu seu engajamento com profundidade, não obtiveram uma superação fecunda sobre a realidade das massas a qual o capitalismo comercial traduziu em forma de publicidade como conseqüência da amenização surrealista. Ao passo que estes últimos também não se reduziram aos marxistas, não abrindo mão de sua arte, já contraditória por permanecer mais no âmbito da abstração que no da praxe e ao mesmo tempo querer se concretizar pela imagem. Ei-los, então, ainda estagnados no meio deste vão preenchido com denominações que o caracterizam desde somente utópico, ópico ou onírico até confundi-lo enquanto revolucionário no sentido marxista ou mesmo opostamente, como o antecessor da arte propagandística. Assim o maniqueísmo dessas duas margens, mais contraditórias entre si do que propriamente “dialéticas” [o citado materialismo metafísico e a metafísica antropológica] prevalece nessa tentativa de esmagar um rio ainda corrente e sempre nesta ameaça de transbordar para com isso dar vasão a este “resto” defendido na passagem de Benjamin, rio este também conhecido como Surrealismo.

“Acredito na resolução futura destes dois estados, tão contraditórios na aparência, o sonho e a realidade, numa espécie de realidade absoluta, de surrealidade, se assim se pode dizer.”[3]

                      A confusão geralmente criada pelas interpretações sobre este movimento talvez esteja entranhada na temporalidade que os distingue. Uma coisa seriam os estudos posteriores ou até paralelos ao acontecimento em si. E a outra, a própria manifestação do movimento surrealista, enquanto participante no momento deste, em sua presente realização. Pois ao passo que pregavam a manifestação dos fenômenos enquanto libertárias de uma percepção apropriada das mesmas [por meio da livre associação de imagens, por exemplo, poder-se-ia fazer também uma livre percepção], constituíam com isso a presente contemplação do objeto a cada momento dado por este no espaço (daí também o seu misticismo frente a independência que a inconsciência mantinha com relação ao visível, a cena do filme “Um Cão Andaluz” de Bünhuel em que uma mulher nua desaparece, assim como outros objetos, cortes na filmagens sem vínculos de continuidade ou memória etc. Assim como a desenvoltura de Magritte com relação ao poder da significação que se dá ao objeto e não necessariamente a existência dele, com suas telas invisíveis ou seus feitos da linguagem enquanto signo e vice-versa, exemplos estes de como se mantêm um ilusionismo presente, mas não necessariamente existente.).
                       Deste modo, é preciso levar em conta essa contemplação subjetiva do presente e por isso também expressa diferentemente para cada artista no surrealismo. Pois o movimento é descrito como objetivo no âmbito de transfigurar o mundo em arte por meio da extinção do sujeito pela ascensão do inconsciente sobre o ego, porém, não se tem muita explicação da maneira como cada inconsciente se expressaria nesse modo subjetivo para se transpor em arte objetiva, fora o de possuir a mesma intenção de anular quaisquer lógica e o seu próprio conceito de superar a realidade. O que não se supõe, por isso, que todos a realizariam da mesma forma. Daí que a parte subjetiva nos é importante para compreender o motivo pelo qual há dificuldades em estabelecer uma significação fiel para dar conta de cada expressão artística dentro deste movimento surrealista. Devido a esta variedade nas possibilidades subjetivas de manifestação que os une:

                     “Pode-se dizer até que as imagens aparecem nesta corrida vertiginosa como os guiões únicos do espírito. Aos poucos o espírito se convence da suprema realidade das imagens. Limitando-se no começo a lhes prestar sujeição, logo ele percebe que se lisonjeiam na razão, aumentam, outrossim, seu conhecimento. Ele toma conhecimento dos espaços ilimitados onde se manifestam seus desejos, onde se reduzem sem cessar o pró e o contra, onde sua obscuridade não o atraiçoa. Ele vai, conduzido por essas imagens que o seduzem, que apenas lhe dão tempo para soprar os dedos queimados. É a mais bela das noites, a noite dos fulgores; perto dela, o dia é a noite.” [4]

                     É o que talvez Magritte já tenha colocado em questão ao expor em suas obras o impasse que é dar um significado para a própria obra fora da mesma, e não dentro desta, a sua inquietação pode se encontrar nessa impossibilidade de acrescentar uma explicação atemporal ou posterior a obra. Tanto as suas obras quanto todo o Surrealismo já carregam no signo o seu significado e vice-versa. Pois constituem-se de presença, e não de qualquer ordem cronológica.
                       Desta circunscrição contentada por si só, numa espécie de imanência condensada e latente na distorção dos desejos e dos pensamentos, numa auto suficiência implícita não só nos Manifestos mas na política surrealista como um todo, infere-se também essa conseqüência dele ser aproximado a outros movimentos artísticos, políticos e atuais ao mesmo tempo em que dissociado de quaisquer um destes. Pela dificuldade de atingir a sua demonstração para além do seu acontecimento, sua magia. É nisto onde ela mais se encontra, e não nestas semelhanças perigosas que o inutilizaram enquanto algo ainda possível de continuidade ou até mesmo de ser, de fato, uma novidade, e ultrapassar o sentido vanguardista e já gasto do que venha a ser o novo. Inclusive, foi por meio dessa busca em definir e trazê-lo para o foco epistemológico, que fosse uma epistemologia da liberdade já o confundindo com J. Paul Sartre ou Albert Camus, que se obteve dúvidas neste trabalho a respeito de sua distinção em relação a confusão e até apropriação dele enquanto um objeto publicitário, seja político ou artístico.
                        Com essa intenção, a busca por aspectos em comuns que o levam a ser confundido e os distantes os quais auxiliam em tal discernimento a ser analisados aqui a fim de um melhor discernimento, recorre-se, de início, a estudos feitos sobre o movimento surrealista como o “O Surrealismo” de Walter Benjamin, por exemplo, onde é reportada a questão dialética no movimento. E, fundamentalmente, ao precursor Breton quem formulou os dois Manifestos do Surrealismo e também os experimentou na execução do romance Nadja, enquanto seu laboratório.
                       Envolvido de efemeridades dentro desse maravilhar fantástico de vida nas coisas cotidianas, maravilhar cujo encantamento é não dar coerência lógica para entendimentos não só psicológicos como também sensoriais, acima de quaisquer divisão existente entre realidade e sonho, por isso a contradição de coisas aparentemente opostas lhes são tão bem vindas, devido a esse deslocamento de diferenciais para uma mescla de conhecimentos ilimitados e infinitamente permitidos que extinguem a própria contradição. Devaneios engajados por meio da crítica à destruição da arte. Essa concentração de encontros fortuitos, unificada por um denominado acaso-objetivo no qual é inserido pela própria falta de sentido, seja ele artístico ou político do pós-Guerra, as coisas se fundem nesse único fato em comum como sendo essa própria da falta de sentido, e dela se faz uma representação onde os sentidos sozinhos já não comandam mais nem o âmbito empírico nem o epistemológico, carecem de um espírito que os libertem pois a inconsciência não é palpável ou explicável, não há sentido no místico. A não ser a concretização desse “materialismo mágico”, conforme o define Benjamin. Mágica essa tão materializada a ponto de se efetivar tanto que fora absorvida pelo mundo, e neste ponto engajada, para de fato desaparecer sugada e transformada em passado, como parte da mesma linha histórica e política a qual protestou. Ainda presos no tempo, a liberdade surrealista não combateu os fantasmas do passado.
                       O automatismo psíquico, as imagens absurdas, a errância do tempo não mais enquanto eterno mas enquanto efêmero, o poder da aparição imagética sobre o homem por ser instantânea e passível de mudança, a substituição do cogito, da dedução cartesiana, da intuição kantiana pelo fantástico clarão no encontro de imagens fortuitas e formadoras de pensamentos figurativos compõem uma teia contingente onde não há coerência a não ser o sentido subjetivo[5].
                       Essa busca do sujeito por meio do objeto traz o impulso expressivo de alcançar a natureza das coisas. Mas a impossibilidade disso já demonstrada na história da crítica, extermina qualquer outra esperança racional ou esclarecida a não ser uma outra representação, a representação da representação, ou a arte sobre a arte já fixada no olhar sobre o fenômeno. Os surrealistas somente buscam aflorar esta representação que possuímos da realidade e enfatizá-la enquanto artística e disposta à liberdade de doar-se para o auto-conhecimento por meio da subjetividade que se projeta nas coisas, refletindo-a nessa interação de vidas, aí pode estar também a “iluminação profana” que Walter Benjamin se refere:

                         “Quanto ao mais, o livro de Breton é muito apropriado para ilustrar alguns traços fundamentais dessa ‘iluminação profana’. Ele descreve Nadja como um ‘livre à porte battante’, um livro de portas batentes.(...) No amor esotérico, a dama é de todos os seres mais inessencial. É o que ocorre com Breton. Ele está mais perto das coisas de que Nadja está perto, que da própria Nadja. Quais são as coisas de que ela está perto? Para o surrealismo, nada pode ser mais revelador que a lista canônica desses objetos. Onde começar? Ele pode orgulhar-se de uma surpreendente descoberta... o casal Breton e Nadja conseguiu converter, se não em ação, pelo menos em experiência revolucionária, tudo o que sentimos em tristes viagens de trens (os trens começam a envelhecer), nas tardes desoladas nos bairros proletários das grandes cidades, no primeiro olhar através da chuva de uma residência. Os dois fazem explodir as poderosas forçar “atmosféricas” ocultas nessas coisas.”

                    Esse tom niilista e ao mesmo tempo de revolta na intenção da vivacidade do artista é um aspecto importante a ser diferenciado da taxação feita por alguns marxistas da época onde rotulavam o movimento enquanto algo provindo da burguesia positivista francesa, seja a que criou o realismo, ou a propagadora dos ideais revolucionários de fraternidade, igualdade e liberdade, somente enquanto ideologias. Ainda no texto de Benjamin, há uma análise profunda sobre o equívoco de comparar as duas vertentes surrealistas, a alemã e a francesa, Aragon e Apollinaire, o primeiro enquanto mais voltado para tal lado destrutivo e niilista pacífico, o outro, Aragon, enquanto ainda nostálgico, aproximado dos russos positivistas da Primeira Guerra, equívoco pois argumenta o mesmo mal da crença enquanto entranhada nessas contrariedades da virtude do bem, somente denunciando o mal porém ainda crente em algo, somente oposto. O autor tenta distanciar o surrealismo disso, num patamar menos moral e mais anarquista devido ao descontrole trazido pelo excesso de embriaguez. E, por falar nisso, ainda sobre o impasse do espiritualismo do surrealismo como algo dialético, Benjamin indaga sobre a problemática entre a definição de ciência por eles e a de misticismo enquanto muito associadas uma a outra, o autor questiona a própria contradição almejada pelos surrealistas: se a ciência também possui um carácter mitológico e o surrealismo se serve, não somente dos recursos anteriormente expostos, mas também de ciência.
                      O distanciamento do Surrealismo com os movimentos de esquerda da época, fica então melhor disseminado com a ajuda dos argumentos do texto O Surrealismo expostos acima. Não que a maioria, se não todos, os praticantes do movimento não fossem adeptos ao comunismo, mas vê-se uma diferença entre a revolta “política poética” [6] (mas também não no sentido socialista) deles e a da luta com necessidades de entendimentos estratégicos somente sobre o proletariado e mais distanciada dessa revolução da razão e da opinião. Benjamin não os aproxima dos otimistas mas também não afirmam que são tão dialéticos quanto os marxistas. E conclui com o que mais os difere sendo o diferente uso que fazem tanto da imagem quanto da liberdade. Não chega a ser uma imagem política pois os artistas surrealistas não abriram mão de sua arte para definitivamente dispor uma utilidade somente prática em contato com os operários e não mais contemplativa, nem projetaram um futuro enquanto o de idealizar uma revolução a não ser a que já faziam, durante a liberdade visceralmente já presente frente a uma “aranha”, a um fim, seja da arte ou da esperança política, somente nisso está sua atividade, enquanto niilistas ativos. A sua forte paixão pela presença mesmo controlada pelo risco de se resignar, não dispunha uma projeção futura a não ser a própria consumação do surrealismo enquanto algo inerente ao instante em constante mudança:

                        “Eu quero que a liberdade seja uma permanente quebra de gulhões: contudo, para que essa quebra seja possível, constantemente possível, é necessário que as correntes não nos esmaguem, como fazem com muitos daqueles a quem se refer. Mas a liberdade também é, e humanamente talvez ainda mais, uma seuqência de passos mais ou menos longa, porém maravilhosa, que o homem pode dar fora dos grilhões. Acha que eles seriam capazes de dar esses passos? Terão pelo menos tempo para dá-los? Terão coragem suficiente? Pessoas admiráveis, me disse, está certo, admiráveis como aquelas que se deixaram matar na guerra, não é mesmo? Para encurtar os heróis: são muitos infelizes e uns poucos imbecis. Quanto a mim, posso afirmar, esses passos são tudo. Aonde eles vão, eis a verdadeira questão. Acabarão por traçar um caminho, e quem sabe se nesse caminho não aparecerá o meio de libertar ou de ajudar a libertar os que não conseguiram seguir adiante?”[7]

                        Porém não foi somente esta tentativa político-artística que não obteve sucessos no âmbito de engajamento, mas nem por isso precisa necessariamente se juntar às outras experiências dialéticas como fazendo parte delas, no máximo como estudadas por elas. Falar de “fracasso” do movimento já é um tanto quanto duvidoso, por causa dessa temporalidade inatingível, a qual, por ser presentificada, mal se distingue se ainda permanece em nossos dias e por isso é tão confundida com as artes venais e até nazistas como algumas publicidades ou indústrias culturais. Propagandas como o sensacionalismo inconseqüente pós dadaísta, detectado também por Benjamin, em outro texto[8] que cita exemplos de antropomorfismo de um Mickey Mouse na Disneylândia, por exemplo etc. Assim como o surrealismo, a publicidade se utiliza de todas as artes para vender um ideal, mesmo que seja o de comércio. A diferença é que, a não ser quando tratado hoje às alturas de um romantismo exaltante da mulher e da liberdade, o surrealismo não se encaixaria por não ter os mesmos interesses políticos que a propaganda voltada para a venda. Utilizava-se da mulher para vender, não um produto, mas uma idéia quase anticapitalista:

                   “Eu desconfiava, aliás, que do ponto de vista poético, eu estava no caminho errado, mas eu me safava como podia, desafiando o lirismo, a golpes de definição e de receitas (os fenômenos Dada não tardariam a se manifestar), e fingindo encontrar uma aplicação da poesia na publicidade (eu sustentava que o mundo acabaria, não por um belo livro, mas por uma bela propaganda do inferno e do céu).” [9]

                     Mas a transformação do mundo em outdoors, classificados e “feiras livres” não permitiria outro espaço para uma outra arte engajada nas coisas se não ela, é então que se adentra em sua máxima questão, nem tão discutida assim entre os pesquisadores de mercado, se ela [a publicidade] vem a ser uma arte ou não. A resposta disso talvez trouxesse a distinção desvendada de sua apropriação surrealista e o possível transbordamento da passagem deste para outros diferentes objetivos não só artísticos como, assim como a publicidade, também políticos. Diferenças que são evidenciadas em detalhes do direcionamento dos interesses: da necessidades criadas para a venda pelo imediatismo dos impulsos a um produto diferente do acaso de encontros espiritualizados pelo amor às coisas; planejamentos especulativos em busca de créditos vinculativos por meio de marketings diferente de lembranças casuais embriagadas de sonhos desinteressados; a garantia de vida como sendo o trabalho, deixando a vida como um esforço, viver para trabalhar, diferente de trabalhar somente para sobreviver, trabalhar para a vida onde o poeta é quem trabalha[10] e a poesia aparece como a prática do trabalho[11], para a vida, a fim de consumir a liberdade, e não a liberdade de consumo; a previdência ao surpreendimento já criado para ser resolvido diferente da vidência de uma Nadja e a sujeição às absurdidades do acaso no mundo.
                       Não é à toa que o exiStencialismo que inicia o romance de Nadja por meio da pergunta “Quem sou?” mantêm até hoje sua característica enquanto um texto clássico. “Viver e deixar de viver é que são soluções imaginárias.A existência está em outro lugar”[12]. O questionamento não só do romance, mas do papel do autor no romance e o do romance [ou da arte em geral] na vida. Para finalmente se dar conta da possibilidade de seu fim, e permanecer nessa contínua dúvida de acabar nesse mesmo reencontro consigo ou até para além de si: “Quem vem lá? Quem vem lá? É você, Nadja? É verdade que o além, todo o além esteja nesta vida? Nada escuto. Quem vem lá? Seria apenas eu? Seria eu mesmo”[13]. Nadja é o além, o rio transbordado, ao mesmo tempo que a impossibilidade de conviver com esta superação, para que inclusive o surrealismo não extinga a si mesmo por meio dessa chegada em qualquer dogma, o que conduz uma impressão negativa para a personagem, a qual será até divorciada do autor ao longo do romance. Mas se aproximam novamente, tanto Nadja como o Surrealismo, pois não há como alcançá-los, somente como vivê-los experimental e espiritualmente.

                      “De nada nos serve a tentativa patética ou fanática de apontar no enigmático o seu lado enigmático; só devassamos o mistério na medida em que o encontramos no cotidiano, graças a uma ótica dialética que vê o cotidiano como impenetrável e o impenetrável como cotidiano.” [14]




BIBLIOGRAFIA:

BRETON, André. Manifestos do Surrealismo. Trad. de Luiz Forbes. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985.

BRETON, André. Nadja. Trad. de Ivo Barroso. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

BENJAMIN, Walter. O Surrealismo. In: Magia e técnica, Arte e política: Obras escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1985.




















____________ NOTAS:_________________

[1] BENJAMIN, W. O Surrealismo, p.35.

[2] “O truque que rege esse mundo de coisas – é mais honesto falar em truque que em método – consiste em trocar o olhar histórico sobre o passado por um olhar político.” BENJAMIN, W. O Surrealismo, p.26.

[3] BRETON, A . Manifesto do Surrealismo, p. 45.

[4] BRETON. Manifestos do surrealismo, p. 71.

[5] Onde o “eu” é muito menos eu quando é definido e sustenta uma imagem acabada, ver

BRETON. Najda, p. 21.

[6] BENJAMIN, W. O Surrealismo, p. 33.

[7] BRETON, A. Nadja, p. 69.

[8] BENJAMIN, W. A obra de arte e sua reprodutibilidade técnica.

[9] Ibidem, p. 52.

[10] BRETON. Manifestos do Surrealismo, p. 45.

[11] Ibidem, p. 49.

[12] Ibidem, p. 81.

[13] BRETON, A. Nadja, p. 134.

[14] BENJAMIN, W. O Surrealismo, p. 33.

KANT: A POSSIBILIDADE DA METAFÍSICA TRANSCENDENTAL E A IMPOSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO PELA METAFÍSICA

UNIFESP


Universidade Federal de São Paulo

DISSERTAÇÃO SOBRE KANT


Aluna: Cristilene Carneiro da Silva

Professor responsável:
Alexandre Carrasco


Trabalho apresentado ao componente
curricular História da Filosofia Moderna, do
2º termo do curso de graduação em filosofia,
período Vespertino.


São Paulo - SP
26 de novembro de 2008




A POSSIBILIDADE DA METAFÍSICA TRANSCENDENTAL

                      Para uma exposição mais detalhada sobre a relação entre as dependências do entendimento com a experiência, toca-se num ponto chave e de importância crucial na filosofia de Kant: a metafísica transcendental.
                     De uma desqualificação a respeito da garantia que a metafísica tradicional mantinha e toda a vulnerabilidade que o seu uso transitório e temporário dentro de intervalos minúsculos entre o dogmatismo ou ceticismo no pensamento o qual cada autor a discernia, formou-se a necessidade de um critério menos inseguro para se dispor o plano da realidade por meio das idéias. Kant parte em busca desse objeto que valide a profundidade da metafísica. Algo que, melhor dizendo, fundamente-a.
                         A proposta do autor em aproximar ao máximo esse exercício de sabedorias o qual considera como natural do homem,é dar uma utilidade científica a esta metafísica que seja equiparável com a sua persistência em existir na vontade humana. Kant usa o argumento de que ela, até o seu presente ensaio, ainda possuía uma razão de permanecer a qual não fora investigada nem esclarecidos os seus motivos pra existir. Motivos requeridos além das auto-afirmações que cada filósofo dentro de sua tese confirmava, ou por meio da falta de certezas também, mas os quais ainda não haviam se perguntado sobre a necessidade de tal metafísica, sua finalidade não só no âmbito questionador das causas, mas uma base objetiva e geral que a determinasse, antes das verdades estabelecidas.
                      Nesse ponto é que o abarcador do pensamento crítico sobre a metafísica, antes de quaisquer outras demonstrações filosóficas, inclui uma necessidade moral para o progresso da espécie racional a partir dessa reflexão maior que realiza sobre tal possibilidade para essa suposta ciência. Que a liberdade da vontade criativa pode não ser uma crença falsa, válida somente para a negação ou afirmação das crenças ou ciências, conforme afirmou Hume, mas se fundada num juízo correspondente com a natureza poderia até chegar num plano de experiência, como os objetos dados no espaço. Daí o seu respeito e interesse de se influenciar com o projeto filosófico de Hume, porém continuá-lo no âmbito da metafísica transcendental.
                        Assim, Kant não recria nenhum outro dos métodos metafísicos, mas somente possibilita a metafísica para uma futura prática e profundidade da mesma, não mais associada a imediatismos egocêntricos e interesses particulares dos filósofos cada vez mais donos de verdades em função de si próprios. Ou em função unicamente de contrariar filósofos anteriores para se tornar atual no campo epistemológico.
                     O conserto que Kant faz a esta maneira particular de filosofar será o estopim para uma história da filosofia, inclusive. Pois se baseia na razão puramente reflexiva e distante de quaisquer dos dois extremos, ou de outras contradições e antinomias. Sobre esta razão pura que universal e absolutamente está contida nas capacidades humanas do entendimento em conciliação com as coisas dadas no espaço e no tempo. Como uma espécie de condição para que o entendimento das coisas seja válido, uma sabedoria reflexiva que está independente das decisões, pois vem antes delas. O que possibilitaria uma metafísica por não dar uma razão total somente para esta, mas propor possibilidades de entendimentos, os quais não estão no plano da razão por serem juízos:

“Só que a razão pura é uma esfera de tal modo à parte, tão completamente unificada em si, que não se pode tocar em nenhuma parte sem afectar todas as outras, e que nada se pode fazer sem primeiramente ter determinado o lugar de cada uma e a sua influência sobre as outras; porque, nada existindo fora dela que possa corrigir o nosso juízo interior, a validade e o uso de cada parte depende da relação tal como, na estrutura de um corpo organizado, o fim de cada membro só pode deduzir-se do conceito geral do todo.”1

                         Nesta razão pura podemos ver a origem da questão transcendental para o autor, a qual será concretizada depois por meio das categorias do entendimento na intuição, mas que é indissociável a esta necessidade de uma filosofia crítica sobre a possibilidade da metafísica que Kant faz primeiramente antes de explicar as teorias dessa crítica. Isso evidencia ainda mais a elaboração de seus ensaios como críticos não só por tratar do transcendental que interage com as partes do entendimento mas também por serem eles os próprios patamares de reflexão entre as idéias e a experiência, ou entre o a priori e o a posteriori.


A IMPOSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO PELA METAFÍSICA

I

                       Quanto à ordem de explicação com relação à teoria do conhecimento para Kant, parte-se desta breve observação sobre a metafísica pois é conforme o próprio autor a colocou em seus prefácios da Critica e também na introdução dos Prolegômenos.
                        Ele a caracteriza como conhecimento sintético a priori, conhecimento filosófico puro e de razão pura. Sendo o a priori, um modo de conhecimento independente da experiência.2 Não qualifica a metafísica como analítica, e aí está mais uma de sua diferença e modificação na filosofia de Hume. Essa consideração foi uma grande responsável na impossibilidade da metafísica. Quando Kant abandona um pouco o princípio analítico para se manter no âmbito dialético dos juízos sintéticos, soluciona a contradição que o princípio analítico está contido, mas não em predicados mais detalhadores para a formação de entendimentos. Apesar de não desconsiderar por definitivo o juízo analítico, pelo contrário, descreve sua existência como meios para o juízo de definição, mas que é algo subjetivo por não ser desmembrado em partes ou conceituado. A metafísica então se fundamenta no analítico mas é sintética: o juízo dos conceitos seria analítico, mas não os conceitos metafísicos já formados.
                       Por isso o foco da teoria crítica kantiana será o juízo sintético a priori, pois assim como o analítico, Kant observa o juízo totalmente a posteriori como um complemento ao analítico, porém muito somente no âmbito empírico sem maiores possibilidades de conhecimento quando independente. O intermédio entre esses dois seria o sintético a priori. O qual possibilita o trânsito entre o empírico e o seu entendimento. E tem sua representação concreta por meio da intuição, a qual também é sintética por poder ser dividida entre a sensibilidade e a sua forma. Da intuição possibilita-se a passagem transcendente à reflexão crítica. Esta última, por sua vez, aparece em favor da razão pura.
                      Essa distinção entre o analítico e o juízo sintético a priori é muito sutil, porém. Deixando um espaço para uma confusão entre as duas principalmente quando chega à conclusão na crítica da razão pura de um esquematismo transcendental muito subjetivo, e mesmo assim ainda não conseguindo encaixá-la como ciência, deixando a metafísica quase que no mesmo patamar analítico que os filósofos precedentes da invenção de sua crítica, diferenciada somente por alguns conceitos criados, mas para validar a própria crítica. Assim como Marilena Chauí dispõe em seu comentário sobre Kant:

“A teoria transcendental das categorias a priori do entendimento como funções sintetizadoras do sujeito cognoscente, tal como justificadas pela dedução transcendental, não pareceu contudo suficiente a Kant para dar conta do problema das relações entre entendimento e as intuições do espaço e do tempo. Por isso o filósofo desenvolveu na Crítica da Razão Pura a teoria do esquematismo transcendental, cujas dificuldades ele mesmo põe em relevo ao afirmar que “se trata de uma arte oculta nas profundidades da alma humana, cujos modos reais de atividade a Natureza não nos permite jamais descobrir”3.

                       Porém podemos considerar tais necessidades kantianas não só no âmbito de distanciar um pouco a metafísica da totalidade analítica, mas também de arranjar um lugar para ela [a metafísica] mesmo que somente no nível moral, já que conclui que ela ainda não é possível como ciência da Natureza4.
                       Disso conclui-se então que a transcendência da crítica é analítica por ser absoluta e moral, pois possibilita a produção de conceitos sobre as representações das coisas. No texto dos Prolegômenos, Kant insiste nessa idéia de como o próprio livro é metafísico nesse sentido analítico de investigar uma outra investigação já feita na Crítica da Razão Pura (esta última agora sintética por tratar dos conceitos já formulados por Kant). Ou seja, coloca em prática o seu método crítico no próprio texto, transcendendo a Crítica da Razão Pura.

“Em contrapartida, os prolegômenos devem apenas ser exercícios preparatórios; devem mostrar o que há que fazer para, se possível, realizar uma ciência, mais do que expor essa própria ciência. Devem, por conseguinte, fundar-se em alguma coisa que já se conhece seguramente, a partir da qual se possa partir com confiança e subir até as fontes que não se conhecem e cuja a descoberta nos explicará não só o que se sabia, mas ao mesmo tempo nos fará ver um conjunto de muitos conceitos, todos provenientes das mesmas fontes. O procedimento metódico dos Prolegômenos, sobretudo dos que devem preparar para uma metafísica futura, será, pois, analítico.”5

II

                         A validade objetiva dos conceitos necessita de uma análise entre um objeto dado e nossa representação sobre ele. Por meio de uma forma negativa no sentido em que o limite entre essa relação (entre um objeto dado como “positivado” e o espaço “negativado” ou entre uma experiência empírica e o entendimento sobre ela, respectivamente) oferece base para isso.
                        Quando Kant fundamentou a sua crítica transcendental nas categorias de entendimento que a intuição representa ao juízo, ele se assegurou primeiramente das condições possíveis para a natureza nos aparecer. Seja ela [a natureza] correspondente ou não de como os objetos acontecem no espaço e no tempo, o seu conhecimento por meio do homem seria representado somente como a mesma aparecesse a ele. Seja verdadeira ou não a essência do objeto, ele só pode ser definido humanamente a partir dessas capacidades de reconhecer algo no espaço e no tempo. Espaço e tempo então seriam dois conceitos os quais representam a maneira pela qual a nossa sensibilidade intui os objetos, ou seja, a forma de nossa sensibilidade, considerada uma intuição a priori.
                       Logo, não podemos conhecer a essência das coisas, em si mesmas, mas somente como os fenômenos dados na natureza aparecem para nós por meio da representação deles em nosso entendimento. Papel da intuição, ser dedutiva e levar a impressão dos objetos empíricos, por meio de uma ordenação de quantidade, qualidade, relação ou modalidade a respeito deste. Categorias já embutidas no plano do entendimento, ao mesmo tempo que intuídas depois da existência do objeto no espaço.
                        Mas para que eu entenda tal fenômeno é preciso que um objeto dado se apresente para os meus sentidos. Daí a interdependência do à priori com o a posteriori; se o objeto não existir não vou apreendê-lo, assim como se eu não apreendê-lo ele não irá existir. Os conceitos podem ser formulados pura e a prioramente, mas não haverá as categorias transcendentes para adequá-los a uma representação do material. Como Deus, a alma, ou a metafísica, por exemplo: eles não apresentam substância ou quaisquer outras categorias intuitivas para possibilitar uma demarcação finita por meio do limite da coisa em si conforme se mostra6.
                      Porém a possibilidade de existirem no pensamento não é descartada somente pelo fato de não propiciarem uma dedução por meio de corpos sólidos e existentes no espaço. O testemunho da experiência, mesmo que particular devido à condição nas representações subjetivas de um objeto em si, sendo um objeto dos sentidos e não do conhecimento testado na natureza, é um entendimento dentro das possibilidades de juízo presentes na razão. Mas não que por isso seja válido como ciência objetiva e válida universalmente. A ordem com que se produz os conceitos no entendimento também é particular, daí a impossibilidade de reconhecimento da natureza como é em sua essência verdadeira. Assim, não há como reconhecer a priori um objeto como o é em si, porque não há como acrescentar algo a tal objeto fora da própria representação que se tem dele. Daí a impossibilidade de objetivar tais pensamentos sobre uma ciência da natureza. Ou seja, o entendimento depende da experiência para validar um objeto, pode-se pensar em qualquer coisa mas não será do pensamento que transporemos a matéria em sua existência. Nisso está uma boa distinção de Kant e Descartes: as idéias para Kant são referências sinalizadoras das categorias, por meio do espaço vazio elas sinalizam o espaço pleno (ou a positividade do objeto). Já Descartes parte de uma idéia verdadeira para então adequar esta verdade num objeto.
                       Este uso da experiência para elaborar os conceitos puros da razão já envolve uma contradição7; pois como os fenômenos não dão conta do conceito universal, recorre-se a uma lei, ou a um Deus racional. Um Deísmo inseparável do antropomorfismo “simbólico” como solução para a relação do homem com o mundo. Kant utiliza-se então dessa contradição entre o homem e a natureza e as outras antinomias como sendo diferentes coisas mas que possuem semelhanças muitas vezes perfeitas (como é o caso da geometria na simetria das coisas quando demonstrada no espaço). Daí a moral racionalista para instituir na natureza o que é próprio do homem, inclusive da sua liberdade prática e experiência enquanto possível. Assim deixa as fontes práticas e morais do conhecimento como significado da própria metafísica enquanto crítica, devido a sua impossibilidade de comprová-lo.

“Desta maneira, ninguém pode conceber precisa e acuradamente a proposição de que toda a ocorrência possui a sua causa exclusivamente a partir destes conceitos dados. Conseqüentemente, não se trata de um dogma, embora esta proposição possa muito bem ser demonstrada apoditicamente sob um outro ponto de vista, qual seja o da experiência, afinal o único campo de seu uso possível. Apesar de necessitar ser provado, denomina-se o princípio e não teorema devido ao fato de possuir a propriedade peculiar de tornar primeiramente possível o seu fundamento demonstrativo, a saber, a experiência, e de ter sempre que ser pressuposto na mesma.”8

                       Como não é possível conceber a metafísica como uma experiência da natureza como existe em si, fora da representação humana, então há que concebê-la [a metafísica] como própria do homem, mesmo que não comprove a realidade das coisas, ainda pode ser útil pra se pensar sobre as coisas que nossa imaginação idealiza (no sentido crítico transcendental), sob a experiência possível ao homem, além de ser útil para a moral por ser originariamente própria das leis naturais humanas, possível de propiciar a faculdade de praticar livremente tais pensamentos, mesmo que inválidos enquanto ciência natural.




BIBLIOGRAFIA:

(1) KANT, Immanuel. Prolegômenos a toda metafísica futura. Trad. de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1993.

(2) KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. de Valerio Rohden e Udo Moosburger. Editora Nova Cultural, Col. Os Pensadores. 1996.

_ CHAUÍ, Marilena. “Vida e obra” In: KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. de Valerio Rohden e Udo Moosburger. Editora Nova Cultural, Col. Os Pensadores. 1996.

_ CAYGILL, Haward. Dicionário Kant. Trad. de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000.

1KANT, I. Prolegômenos a toda metafísica futura, p. 21.


notas:
2 Sobre o significado de a priori encontrado no dicionário sobre Kant: “O argumento para a pureza do conhecimento, juízos e elementos a priori sustenta que eles são modos ‘claros e certos’ de conhecimento independente da experiência. ‘Surgiram de forma completamente apriorística, sem levar em conta qualquer contribuição derivada da experiência’, em contraste com os modos a posteriore do conhecimento, os quais ‘recorrem exclusivamente à experiência’ (CRP). São independentes da experiência na medida em que não contêm qualquer ‘ingrediente’ de sensibilidade e que não podem ser derivados dela. Kant argumenta que não só são esplendidamente independentes da experiência _ ‘conhecimento absolutamente independente de toda experiência’ (CRP) _ mas constituem até a condição de experiência.” (CAYGILL, Haward. Dicionário Kant. p.37)

3CHAUÍ, Marilena. “Vida e obra” In: KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura, p.11.

4Este mesmo viés será observado por outros filósofos sucessores por meio de outros argumentos em torno de tais conceitos como Hegel exporá o suprir de seus lados materiais e afetivos por meio dos aspectos formais da experiência, conforme citado no dicionário sobre Kant : “A tábua de categorias, a lei moral e a ‘forma de finalidade’ estética são todas citadas como evidência de uma orientação formalista”. Assim como Nietzsche e Adorno dirão o quanto “o formalismo de Kant seria um exemplo do esclarecimento que reduziu a experiência a um cálculo formal, para melhor controlá-la”. (CAYGILL, Haward. Dicionário Kant. P.161.)

5KANT, I. Prolegômenos, p.36.

6Sobre a impossibilidade de conhecer um objeto por meio da metafísica, Marilena Chauí também cita: “A metafísica, ultrapassando esses limites _ tentando atingir o absoluto e tratando de objetos que não são apreendidos empiricamente _ não seria, portanto, uma forma de conhecimento. Nos domínios da metafísica é possível ‘pensar’, mas não ‘conhecer’. (CHAUÍ, Marilena. “Vida e obra” In: KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura, p.12.)

7“A metafísica pretende conhecer as coisas-em-si e essa já é uma pretensão contraditória: o ato de conhecer, pela sua própria natureza, transforma as supostas coisas-em-si em fenômenos, isto é, aparências”. ( CHAUÍ, Marilena. “Vida e obra” In: KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura, p.14.)

8KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura, p. 443.

Seminário sobre: O Discurso do Método, de R. Descartes

UNIFESP - Filosofia
Disciplina: Teoria do Conhecimento

Seminário sobre: O Discurso do Método, de R. Descartes – Sexta parte 1º. , 2º. e 3º. parágrafos.



                        O início da sexta parte é uma introdução dos motivos que levaram Descartes a atrasar a publicação do seu Tratado Le Monde que continha explicações celestes e ópticas, doutrinas copernicanas e ataques aos escolásticos1. E alguns dos motivos que agora, redigido em 1637, o fazem publicar de maneira mutilada e transformada ems dois ensaios: Dióptrica e Meteoros2, os quais seguirão o discurso juntamente com o outro ensaio, Geômetras.
                      Primeiro ele se utiliza dos acontecimentos com Galileu para argumentar a sua moderação quanto às certezas de publicar ou não o seu Tratado. Pois, ao saber que “O Sistema do Mundo”3 havia sido censurada, apesar de nada ver ali de prejudicial à religião ou ao Estado, influenciou-se com a refutação da obra e preferiu revê-lo para cuidar que não houvesse nenhuma sem demonstrações muito certas e confiantes. Mesmo que as razões sobre os seus pensamentos para publicá-las fossem muito fortes, preferiu atrasá-las em função de não resultar desvantagem para quem quer que fosse. Aqui “razões sobre o seu pensamento” referem-se às suas certezas. Em Princípios de Filosofia, Descartes define dois tipos de certeza: uma que é moral, “suficiente para regrar nossos costumes” diferente da outra “que se atinge quando pensamos que de modo algum é possível que a coisa seja diferente do que a julgamos”4. Ou seja, a possibilidade de julgarem seu Tratado do Mundo diferentemente do que ele o julgava foi despertada porque teorias parecidas com as suas foram recriminadas. Então, ainda não existia tal certeza nesse sentido, mesmo com razões muito claras e distintas, não publicou o Tratado a fim de não surpreender o Estado ou a Religião com coisas novas e de possíveis desentendimentos. Por isso, alegou a carência e o merecimento de uma maior revisão na publicação em respeito às autoridades. A importância não é tanto na obra quanto no que ela poderia provocar com a sua publicação. Descartes não assina a primeira edição de seu Discurso do Método que vai ao público anônimamente5, mas numa carta a Mersenne, em fevereiro de 1634, ressalta a sua “esperança de que seu ‘Mundo’ veja a luz do dia com o tempo”6. Tanto é que, mesmo quando publica os três ensaios, depois de seus pensamentos já terem se tornado públicos, retoma a obra da maneira inicial (com as críticas aos escolásticos e o heliocentrismo mais explícito) a fim de publicá-la, mas é impedido pelo fim da duração de sua vida. E para que esta prestatividade e interesse que Descartes demonstra quanto a relatar a interrupção para revisão de sua obra não seja vista como uma insegurança ou dúvida quanto o seu próprio método, ele começa a expor as razões que o levaram a reavê-las e a justificar os motivos da publicação dos ensaios.
                      Esse cuidado moral quanto a publicação do seu Tratado foi mantido provisoriamente enquanto servia-se de seus escritos para “algumas dificuldades que concerniam às ciências especulativas e às razões pessoais de regrar os costumes dele mesmo.”7 Enquanto via suas descobertas somente como mais uma entre as tantas outras que poderiam agradar mais de acordo com as especulações de cada um, não tinha ainda razão para publicá-lo (aí uma prova de que não queria glória individual, mas sim algo útil e concebível a todos). No entanto, recebe incentivos de outras pessoas como do cardeal de Bèrulle que o “fez entrever as conseqüências que poderiam ter tais pensamentos e a utilidade que o público daí tiraria se se aplicasse tal maneira de filosofar”8, e constata o quanto sua física se difere de tudo que já foi utilizado. Então, depois de comprová-la em suas diversas dificuldades particulares, reconheceu ser algo que modifica e pode ter uma condução nova às ciências, vendo-se na obrigação de não mantê-las ocultas para respeitar o bem geral de todos os homens. Mas essa obrigação se refere a algo além da religião e alcança uma função de utilidade da filosofia como busca para o bem. Na carta prefácio de Princípios, Descartes se remete ao assunto referente: “À mais alta e perfeita moral, que, pressupondo um inteiro conhecimento das outras ciências, é o mais alto grau da sabedoria.” (Princípios,pág.14). Ou seja, se Descartes reconheceu o quanto suas descobertas poderiam ser úteis, não podia, como filósofo, mantê-la em segredo e seguir a própria moral de fazer o bem a todos ao mesmo tempo. Pois ao não publicá-la poderia ser imoral com a própria filosofia na qual ele mesmo acreditava. “Logo, o problema moral se confundiria com o problema da descoberta da verdade. O homem não pode querer senão seu bem, e a dificuldade é somente saber qual é o seu verdadeiro bem.”9 E posto que era uma descoberta, “Mesmo desagradável ou penosa, o conhecimento da verdade é melhor que a ignorância”10, este é o tema de uma de suas cartas. Outra observação sobre o papel da filosofia para Descartes é que “A filosofia não separa a extensão dos conhecimentos do cultivo do juízo. O juízo, submetendo-se ao entendimento, conduz ao ‘soberano bem, considerado pela razão natural, sem a luz da fé’, que é ‘o conhecimento da verdade por suas primeiras causas, isto é, a sabedoria’ ”11 Ou seja, ao passo que adquirimos conhecimentos claros e distintos, podemos julgar para alcançar o bem. Não deixou de fazer outra coisa ao se importar em publicar os seus ensaios por conhecê-los e, por isso, julgá-los da importância para o bem dos homens. É o que também remete a Terceira Parte do Discurso do Método: “Como nossa vontade não se inclina a seguir alguma coisa ou fugir dela a não ser conforme nosso entendimento a apresente como boa ou má, basta bem julgar para bem proceder”. E para bem julgar basta bem conhecer.
                         No terceiro parágrafo da Sexta Parte, Descartes vai considerar o quanto a sua Física pode ser mais útil que a filosofia aristotélica ensinada na época (ou seja, aquela qualitativa, com propriedades inerentes às coisas, tais como, úmido, seco etc. “Qualidades reais e diferentes entre si, constatadas pelos cinco sentidos puramente no nível do senso comum. Sem maiores investigações.”12 Mais útil à vida por chegar a conhecimentos físicos dos corpos por meio “de uma mesma maneira em todos os usos para os quais são próprios”. Daí a idéia de reducionismo, comentado por John Cottingham a respeito dos princípios de física para estudar os fenômenos naturais: divisões, figuras e movimentos. Como Descartes utilizou-se do mesmo esquema para todos os fenômenos observáveis, vêm a idéia de 'reducionista'. A amizade com o matemático Holandês Isaac Beeckman motivou o estudo e engajamento da matemática na física por mostrar a Descartes os modelos micro mecânicos. Tudo podia ser explicado por meio da mecânica elementar das partículas, segundo Cottingham13. E isso seria bom não só para gozar tudo que a terra nos proporciona, mas para a nossa conservação. Pois com a nossa conservação podemos viver mais e ter mais experiências. Descartes classifica essas duas últimas, a não conservação de uma longa vida e as poucas experiências, causas que nos impedem de prosseguir na busca do bem geral as quais estão fielmente ligadas à medicina. Por conseguinte, a medicina está fielmente ligada à “totalidade integrada da ciência”14 metáfora do conhecimento utilizada pelo filósofo como sendo uma árvore constituída pela metafísica como raiz, física como um tronco sólido e suas ramificações, todos os tipos de ciências particulares, inclusive a medicina: “ ‘Assim como não é das raízes ou do tronco de uma árvore que se colhem os frutos, mas somente das extremidades dos galhos, também o benefício maior da filosofia depende daquelas partes que só por último aprendemos.’(prefácio dos Princípios, 1647). Dez anos antes disso, trabalhava em um ‘Compêndio de medicina’ e declara sua esperança de que esta pesquisa levasse a um modo de prolongar sua vida para cem anos ou mais. Entretanto o prometido compêndio jamais completou-se, embora Descartes tenha começado, no fim da década de 40 a trabalhar em um tratado denominado ‘A descrição do corpo humano’ publicado postumamente, em sua forma inacabada, em 1644. O principal tema da Descrição é que só se pode progredir tratando-se o corpo em termos exclusivamente mecanicistas, ‘de tal modo que não tenhamos razão para pensar que é nossa alma que produz nele os movimentos que, por experiência, sabemos não serem controlados pela nossa vontade, quanto temos para pensar que há uma alma em um relógio que faz com que informe a hora’. Mas, na década de quarenta, Descartes já aceitara não haver perspectiva imediatas de que seus princípios científicos pudessem produzir avanços práticos significativos na medicina.”15 Descartes enfatiza esta importância dada à medicina por compreender suas utilidades cruciais à conservação da vida. Mas, trata-a somente em termos de corpo sem responsabilizar a alma, e sim a vontade. Todavia, já reconhece que “até mesmo o espírito depende do temperamento e da disposição dos órgãos do corpo para que ele evolua com mais habilidade.” (Disso podemos citar os indícios dos futuros empecilhos à sua medicina, pois “Evidentemente que o afectivo possui uma finalidade, visto que o desejo, a dor, o prazer, nos indicam à sua maneira o útil e o prejudicial, e portanto, o que convém escolher. A meditação sexta recordou-nos que o hidrópico deseja beber, quando beber lhe faz mal. O afectivo, portanto, não é infalível. E, com efeito, provindo do meu corpo, traduzindo as suas modificações na minha alma, ele é irredutivelmente resultado de uma mistura, e dá sempre algum lugar ao erro. A medicina não pode ultrapassar esse nível. Se se pretender científica e técnica conhecerá todas as incertezas da física. Privar-se-á, além disso, das luzes do instinto, num domínio em que a extraordinária complexidade do corpo estudado as torna necessárias. Se pretender instintiva, não poderá evitar o risco dos erros próprios da afectividade ”16. E para nos conservar é preciso que fortaleçamos a própria medicina com um estudo que alcance mais tudo o que ainda não sabemos sobre ela. E para descobri-lo, tendo Descartes “empregado toda sua vida na pesquisa e encontrado um caminho que lhe parece tal que se deve infalivelmente achá-lo”, não viu outra salvação a não ser comunicar o que descobriu. E para que não seja impedido nem pela “duração da vida nem pela falta de experiência”, é que convida os estudiosos a contribuir segundo suas faculdades, com suas experiências publicadas também para que essa continuidade e propagação fosse a cura para a realização das descobertas nas ciências. E quanto feito o fechamento sobre a medicina para finalizar o que discorreu na quinta parte, agora Descartes irá discorrer mais sobre cada argumento que o fez publicar os ensaios.





Bibliografia

Descartes, René, Discurso do Método. In: Descartes. Trad. de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. Col. “Os Pensadores”. São Paulo, Abril Cultural, 1983;

Descartes, René, Discurso do Método. In: Descartes. Trad. de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. Col. “Os Pensadores”. São Paulo, Nova Cultural, 4ª. edição, 1987;

Descartes, René, Regras para orientação do espírito, Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão, São Paulo, Martins Fontes, 2007, 2ª. Edição;

Descartes, René, Discours de la Méthode, Introduction et Notes D’Etienne Gilson; Librairie Philosophique J. Vrin , Paris, 2005;

Alquiè Ferdinand, A filosofia de Descartes. 2ª edição. Trad. de M. Rodrigues Martins. Paris, Editorial Presença, 1969;

Bréhier, Èmile, História da Filosofia, Trad. Eduardo Sucupira Filho, São Paulo, Mestre Jou, 1977;

Cottinghan, John, Dicionário Descartes, Trad. Helena Martins, Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor;

Cottinghan, John, O método cartesiano In: A Filosofia de Descartes. Trad. de Maria do Rosário Sousa Guedes. Rio de Janeiro, RJ, O Saber da Filosofia, Edições 70, 1986;

Pascal, George, Descartes, Trad. De Maria Emantina e Galvão Gomes Pereira. São Paulo, Martins Fontes, 1990;

Leitura de "A defesa de Sócrates"

São Paulo, 11 de junho de 2008.



UNIFESP
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

Unidade Curricular: Introdução à filosofia I.
Professor: César Ribas César.




Leitura da parte I da “defesa de sócrates”, Platão.


                        Sócrates deixa, logo de início, a intenção de sua defesa esclarecida: fazer o bem aos cidadão de Atenas e a si ao mesmo tempo. Mas vai argumentar o quanto é difícil e paradoxal conseguir isso. Pois a lei de Atenas pede para se dizer a verdade como forma de justiça. E os Atenienses, segundo Platão, acusam Sócrates porque ele questiona uma sabedoria da verdade a eles. Se os cidadãos não possuem tal sabedoria, então as leis da cidade não são justas. Mas na antiguidade, o filho da sociedade possui dívidas para com as leis da mesma e deve obediência a elas. Então as idéias e ideais da Polis submete todos os cidadãos a se comprometerem e considerá-las. Assim, será impiedoso e contraditório desobedecer-lha somente quando forem injustas de acordo com um único indivíduo (neste caso, Sócrates).
                       No exórdio do romance narrativo descritivo de Platão intitulado como “Defesa de Sócrates”, aparece a exigência de um pensamento mais racional e menos persuasivo ou relativo que os sofistas utilizavam, ou seja, a oratória. Desde o início da apologia Sócrates defenderá essa importância e a de que dizer a verdade é justo. Mas que nem sempre persuadir é dizer a verdade.
                       Os movimentos da primeira parte do texto são referente ao julgamento de Sócrates quanto a corromper a juventude, ser impiedoso ou praticar a asebia, e introduzir deuses novos à Pólis. Os argumentos utilizados pelo acusado não serão os utilizados pelos oradores ou sofistas da época _ at hominem (desvio do assunto por meio de falácias) e ad populum (voltado ao povo no sentido de demagogo, de acordo com a vontade do povo)_ mas terá a maiêutica (uma futura dialética, utiliza-se de opiniões contrárias para chegar a um conceito comum de conhecimento, e não relativo) como princípio para destruir as opiniões sem um maior fundamento e buscar conceitos definidos sem variação de sentido.
                     A maneira como Sócrates se servirá deste argumento os movimentará estará previamente descrita nesta introdução e melhor detalhada no decorrer do trabalho: primeiro ele questiona quem são, de fato, os seus acusadores. A falta de um rosto ou nome dos acusadores antigos, por exemplo, já o fazem se adiantar contra aqueles que persuadem os jovens a respeito de si sem uma referência assim como a sua posição contra tal anonimato. Depois, mesmo sem reconhecê-los ainda levantará hipóteses de como se defender deles. A partir daí, refuta os tipos de acusação feito como ensinar físicas sobre o céu e a terra, pois não ensina e nem sabe nada, por isso não cobra nem é como os mestres os quais foi comparado. Ao se defender contra os saberes celestes e o corromper da juventude, o texto alcança uma interrogação do que Sócrates seria, então, acusado. Disso surge a justificação de contra argumentos levantados pelo próprio Sócrates para que não haja dúvidas com relação a sua clareza em dizer a verdade. A sua preferência em obedecer aos deuses do que aos homens é constatada com o seu destemer da morte e com sua explicação do motivo que o fez viver isoladamente à comunidade. E por fim, não só conclui como também pratica o que defende durante o texto: diz a verdade de maneira justa, sem levar testemunhas familiares que lamentassem a sua morte ou o defendessem de maneira corrupta para permanecer justo com os juízes e consigo mesmo.
                      A distinção entre os dois tipos de acusadores é classificada logo de início como: os antigos e os recentes. Dois tipos de acusadores, mas os mais temíveis são os velhos que aproveitam do espírito dos jovens que são mais dispostos a acreditar nas coisas por serem mais ingênuos e sem experiências. Sócrates vai contra tal persuasão. Não porque os velhos são mais sábios é que são mais temíveis. Mas porque a sombra que causou sua fama não existe mais, ela surgiu de quem não a assumiu como autor e assim foi passada para os jovens que a escutaram e, quando também se tornaram velhos, a repassaram. Somente é conhecido uma comédia, de Aristófanes, “As Nuvens”, onde o comediógrafo o calunia na peça, mas o faz devido a sua fama que já persistia. Ou seja, a causa, alguém para que Sócrates possa se voltar e argumentar sobre, não se revelara. Neste caso, não há uma tréplica porque nem sequer há uma réplica do acusador antigo. Sócrates briga com sombras neste tipo de acusadores. Por isso argumenta o perigo de poder dizer mentiras e as mesmas não serem replicadas, por exemplo. Mais um motivo de serem perigosos é quanto ao longo tempo que tiveram para acusar Sócrates e levantar a sua difamação entre as pessoas, o qual foi muito maior do que ele tem para se defender agora.
                      Então Sócrates se utiliza do texto de acusação sobre ele (da acusação antiga: “Sócrates é réu por ter se ocupado de coisas que não lhe diziam respeito, investigando o que há sob a terra e no céu, tentando tornar melhor à razão pior e ensinando isto aos demais”) e de como sua pessoa foi representada em “As nuvens” para argumentar que nada sabe das ciências celestes e se por acaso alguém o ouviu dizer alguma vez coisas sobre isso, é porque se equipara aos acusadores que se quer existem ou dão seu nome. Assim como também não existe momento em que Sócrates fala sobre tais ciências, não existe se quer um nome de sábio das ciências ou alguém que já lhe tenha ouvido sobre isso e propõe que, se houver, acuse-o, juntamente com Meleto.
                       Na continuação dessa incapacidade em se defender mais disso que não está presente no tribunal, Sócrates ainda supõe outro contra argumento no caso de cobrar dinheiro para instruir os jovens, como os sofistas da época faziam e ainda recebiam gratidão por isso. Mais um paradoxo, pois, se não cobra dinheiro para as suas conversas é que teria de ser agradecido, e não condenado. Sócrates alega que se quer poderia cobrar também. Pois não pode cobrar pelo que não possui, no caso: a sabedoria. Inclusive consente ironicamente se caso o soubesse, que estaria muito bem se cobrasse cinco minas como faz Eveno, um sofista tido como entendedor da virtude do homem e do cidadão e indicado por Cálias, filho de Hipônico e que já despendeu muito dinheiro com os sofistas.
                       Com isso o filósofo quer dizer que se distingue dos sofistas e o que ele sabe não têm a ver com ciências, mas somente com o que o oráculo lhe disse. E por acharem que Sócrates é um deles e gosta de desmoralizá-los, os Sofistas o odeiam. Apesar de Sócrates não entender nada sobre o que os mestres entendem. Sócrates diz que a sua sabedoria é puramente humana, enquanto que a dos sofistas ele mal sabe classificar.
                         Sócrates esclarece de onde vem então sua sabedoria, já que não é como a dos sofistas. Diz que Querofonte foi o responsável por perguntar ao Oráculo de Delfos se havia alguém mais sábio que ele, Sócrates. Pítia, mulher que ficava sobre uma pedra aspirando os gases que faziam o oráculo responder por meio dela, repondeu que não. E foi a partir daí que ele começa a sua investigação e reflexão sobre tal profecia, a qual jamais seria mentirosa, para constatar isso questionando outros que pudessem saber mais do que ele. Assim começa a verificar a distinção entre a crença em saber e o saber, de fato. As quais muitos possuíam ares de sabedoria mas não tinham a concepção que de não sabiam pois não possuíram respostas para muitas coisas que Sócrates os questionara. Nisso Sócrates percebe que pelo menos no âmbito de ser ciente de sua ignorância de tais respostas, ele o fazia melhor que estes. Não foi bem entendido neste aspecto e por isso alegou a causa do ódio por ele a partir de então. Relata a sua passagem não só pelos homens políticos como também pelos poetas, onde defende que eles se referem das coisas para dar forma às suas obras mas não sabem muito sobre o seu conteúdo. O mesmo ocorreu com os artesãos quando verificou que, assim como os poetas, eles também tinham muito conhecimento, mas somente no que concernia à sua própria arte, e não às outras coisas de que eles se serviam para fazê-la, mas nem percebiam ou refletiam sobre por estarem totalmente voltados para o que fazem.
                      Com isto Sócrates não só ganhou inimizades como também percebe o quanto nenhum homem sabe algo de valor quanto os Deuses. Pois os sábios muitas vezes se elevavam como donos de verdades que não possuíam, daí o seu argumento quanto a não ser um sábio. Somente no aspecto de nada saber então é que ele poderia assim ser considerado. Disso é que ele tira o quanto as sabedorias humanas pouco têm de importância equiparadas com as verdades divinas. Nisso ele se vê como um missionário com a função de passar tal mensagem do oráculo, em serviço aos Deuses. E assim leva toda a sua vida em função de propagar a idéia de que somente os Deuses é que sabem, mesmo que seja odiado por causa disso.
                     A sua propaganda então foi feita pelos jovens que voluntariamente o seguiam e faziam com que seus pais, julgando-se sábios, odiassem cada vez mais a presença daquele que corrompiam seus filhos contra a sabedoria deles, ou seja, contra Sócrates. Mas nem se quer esses pais sabem dizer em que seus filhos estão corrompidos pelo fato de Sócrates não haver lhes ensinado nada a não ser questionar sobre a verdade. Mas como eles não têm o que dizer a respeito disso, coloca Sócrates no mesmo patamar dos filósofos que especulam a física e não reconhece os Deuses somente para ter com o que acusá-lo. É daí que ele inclui a causa de suas acusações atuais: das correntes construídas contra ele mas sem maiores explicações a não ser defender as suas gerações de sábios. Cita Meleto pela geração dos poetas, Anito pelos artesãos e políticos, e Licon pelos oradores.
                        Sócrates vai se voltar mais à Meleto pois foi o que pagou a sua condenação. A partir também do texto da acusação (dos atuais: “Sócrates é réu de corrupção da juventude, de não reconhecer os Deuses reconhecidos pela cidade e também de praticar cultos religiosos novos e diversos”), ele começa a discutir cada oração da frase de acusação. Dir-se-á primeiro que Meleto está usurpando coisas que não dá importância na sua vida, como a juventude, e que por isso não pode acusar Sócrates de algo que o próprio Meleto pouco se importa. Discutir-se-á ainda que o acusador mal sabe o que é educação ou o corromper. Prova isso por meio do diálogo com Meleto que diz que o melhor para os jovens são as leis, e os que melhor conhecem as leis são mais capazes para a educação dos jovens e somente Sócrates os corrompe voluntariamente, mesmo também conhecendo as leis. Mas o condenado argumenta que, se o faz é involuntariamente pois, ao passo que não existe quem esteja em presença do bem e do mau e escolha receber o mau em vez do bem. Mesmo que seja jovem, já que é um jovem que o acusa e deve então saber discernir Sócrates como mau, assim como os outros jovens que o seguiram por livre e espontânea vontade também o deveriam, neste caso. Além de que, mesmo que Sócrates os fizesse mau, seria involuntariamente pois Sócrates sendo até mais velho que os jovens saberia então discernir muito mais o mau que estaria fazendo para os jovens mas se distanciaria deles depois para não recebê-lo em troca, ao passo que o que fez foi construir uma amizade com eles e não fugir de suas supostas maldades. Logo, provado que se Sócrates lhes faz mau é involuntariamente, não poderia então, estar num tribunal a ser castigado e sim num outro lugar onde ele pudesse ser corrigido.
                      Depois vem a defesa quanto à impiedade com os Deuses, a qual Meleto afirma ser o objeto que Sócrates usa para corromper os jovens. Meleto diz, ao mesmo tempo, que Sócrates acredita em Deuses novos e que não acredita nos Deuses. Utilizando o mesmo argumento, Sócrates se servirá de exemplos em suas perguntas tais como a possibilidade de haver alguém que creia na existência de humanos mas não creia no homem, para esclarecer o absurdo da acusação. Por fim coloca o fato de que se ele acredita em demônios os quais são filhos dos Deuses, (ainda não possuíam o sentido pejorativo de hoje), não há como não acreditar nos deuses, sendo a acusação um argumento impossível.
                       Terminado tais argumentações, ele vai discorrer sobre o capítulo de sua vida em que foi designado e corria risco de vida como um exemplo para expressar que não teme à morte. Sócrates acredita aqui, como Aquiles da Ilíada, na preferência em viver melhor com honra mesmo que por um período curto do que viver muito sem a mesma. Por isso manteve a sua posição fixa quando seus amigos lhe pediram para fugir de Atenas, por exemplo. Argumenta de maneira a fortiori que, se quando um comandante o mandou manter uma posição ele obedeceu, então quando um Deus que é muito mais do que um comandante mandar, é de sua honra e dever manter mais ainda a sua posição.
                      Assim, o filósofo apropria-se dessa posição irrefutável de acordo com o Oráculo de Delfos e mantém sua filosofia. Pois ao abandonar tal posição, aí é que estaria desobedecendo os deuses, no caso o Oráculo, e comprovaria as acusações de impiedade feitas a ele.
                      Por isso Sócrates conclui que morrer é melhor que desobedecer o Oráculo. Pois diz que nem sobre o Hades se sabe muito, se é bom ou ruim, então como dizer que se sabe de algo que ainda não aconteceu? Somente quem já morreu poderia ter esta certeza. Então se temesse a morte seria assumir algo que nenhum vivo sabe sobre. Não há como ser sábio nisso muito menos temer o que não se sabe. Por isso ele prefere o que já acredita: a crença no oráculo como melhor do que a sua desobediência ou fuga. Mesmo que para isso pague o preço da morte.
                       Sobre a condição de parar de perturbar aos outros com suas perguntas, também levanta uma defesa contra essa disposição da parte acusadora em fazê-lo ceder para não morrer. Não aceita ser corrigido ou interrompido de algo que não haja erro ao ser passado. Se através da maiêutica ele convence os jovens que a virtude não está nas riquezas e sim que a riqueza é conseqüência da virtude, para ele isso está de acordo com a sua própria escolha de vida refletida na sua pobreza, mas em função do bem.
                      Depois de dizer que não teme à morte, o próximo movimento dos contra-argumentos de Sócrates é explicar então, porque viveu tantos anos privadamente, sem servir às funções públicas no àgora, por exemplo, lugar onde eram realizadas assembléias. A solução está no fato de seu “daimon” de inspiração desviar e barrá-lo da atividade política. Esta seria como uma voz objetiva que, assim como os outros argumentos recorridos por Sócrates, vem de fora do filósofo. Além da sua intenção de fazer algo útil aos atenienses no sentido de mostrar seus pensamentos e modificá-los. O que seria impossível se os expusesse pois seria logo morto e perderia a oportunidade de transmiti-los. Pois quem se opõe à multidão, mesmo para salvá-la, é incompreendido e refutado pela própria justiça que a mesma emprega. Acredita que no privado se ganha mais tempo pois há demora em ser condenado. Prova disso foi ele chegar até os setenta anos sem comparecer ao tribunal de justiça como réu. A menos na passagem em que comenta ter sido sorteado para mesário e votado contra o crime tirânico que os comandantes de guerra mesmo na democracia ateniense estavam a favor de cometer: o não recolhimento dos corpos dos soldados. Achou que seria injusto e impiedoso se concordasse com tal política.

                      Por meio da narrativa desse seu comportamento argumenta o quanto é justo em quaisquer situações. Sejam públicas ou privadas. Mas o fato de as privadas o favorecerem mais devido às suas opiniões muitas vezes divergente à dos políticos, não quer dizer que ele só seja justo ou mostre a suas opiniões quando o pagam, que se esconda para ser venal. Pontua novamente o quanto não cobra de ninguém por não prometer nenhum ensinamento nem mesmo chegar a falar sobre algo em particular, mas sempre entre o grupo que o acompanha.
                      Tanto é que Sócrates conclui colocando mais uma hipótese também refutada pelos seus argumentos: se entre o grupo que o acompanha, há alguém que, depois de mais experiente e velho, não mais jovem, obteve a sabedoria de que ele, Sócrates, haveria os corrompido quando jovens. Ele cobra a manifestação de testemunhas de Meleto, que o ajudem a provar tal acusação. Dos nomes citados por Sócrates de vários de seus discípulos presentes no julgamento, não houve aquele que reconhecesse ou se arrependesse, depois de mais velho, de tê-lo escutado.
                       No epílogo Sócrates esclarece o desfecho de sua vida. Não trouxe testemunhas que lhe dessem maior quantidade de votos pois não seria uma defesa justa se ele tentasse se auto afirmar para os próprios cidadãos que nele acreditam. Muito menos o tornaria menos mortal, pois de qualquer forma seria condenado pela própria vida por já estar muito velho. Qualquer forma de suborno, seja com a presença de familiares para lamentar o réu, seja por meio de dinheiro para pagar sua liberdade, não seria justo com os juízes dignos e sérios com relação à justiça, nem com o próprio réu, quando ele é inocente. Pois cairia na acusação feita à ele, seria ímpio, desonesto e injusto. Sócrates prova o contrário dessas acusações ao não cometer tal erro e ao ser justo com o tribunal.












BIBLIOGRAFIA:

PLATÃO. Defesa de Sócrates. Col. Os Pensadores.(Trad. de Jaime Bruna) São Paulo: Abril Cultural, 1972.

PLATÃO. Apologia de Sócrates. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1996.

PLATÃO. Eutífron. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1996.


Elaborado pela aluna: CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA, no 1º termo do curso de Filosofia vespertino da Universidade Federal de São Paulo.