segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

artes visuais Iraniana, Persa e Mogol do séc. X ao XVIII

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
Campus Guarulhos

AS ARTES VISUAIS NO ORIENTE ISLAMICO
Prof. Youssef Alvarenga Cherem

AVALIAÇÃO FINAL

Cristilene Carneiro da Silva
Filosofia – 8º termo – Noturno

25/11/2011
QUESTÕES RESPONDIDAS:

4) Apresente as principais características da obra atribuída a Kamal al-Din Behzad e o que ela significa, como representante de um “novo” estilo Timúrida a partir da segunda metade do século XIV.

“It later became a symbol of Timurid legitimacy, as it too was taken to the Mughal court in India, where it became a prized possession of the emperors Akbar, Jahangir, and Shahjahan.”

A dramaticidade das ações e humores, bem como o naturalismo das situações cotidianas e mais próximas do homem que somente do abstracionismo místico do século XII acontecem depois de Bihzad. Considerado como marco nos manuscritos da Persia, mesmo que não assinado, suas ilustrações são cuidadosamente moduladas com cores de jóias pérola, azul e verde predominantemente, porém com toques de cores alaranjadas e quentes.
Diferentemente do estilo pré-timúrida ou mesmo os savianos, compostos de referências à livros históricos, com temas mediterrâneos, helenísticos e chineses voltados principalmente para as fábulas traduzidas pelos persas, numa mistura de influẽncias. Onde se encontrava inclusive também um vasto estilo sugerido por um mesmo autor, por exemplo. As técnicas de “horror vacum” com bastante preenchimento nas cerâmicas produzidas também possibilitava essa variedade de estilo, ao passo que a distanciou das influências sufistas no estilo Behzad. O sufismo e as características de subjetividade interpretativa trouxeram uma forte expressão para a modificação dessa arte, onde o surgimento de uma maior autonomia que não somente religiosa nem apenas decorativa fora valorizada pela significativa reconfiguração de “Shahjahan” feita por Behzad, o qual unificou mais os estilos variados numa mesma obra. Com isso, propiciou-se tanto uma identidade persa característica quanto uma autonomia maior do papel do autor na obra.

5 – A pintura persa não pode ser compreendida sem relacioná-la com os poemas épicos e líricos e, por extensão, com as artes do livro e a caligrafia.Explique.

A forte ligação entre palavra e imagem na pintura persa se envolve com fatores temáticos de ambos e também historicamente entrelaçados e distinguidos. O lirismo das linhas poéticas e a tendência decorativa da pintura foi um importante caráter na arte persa, segundo E. Yarshater em seu artigo sobre “Some common characteristics of persian poetry and art.” Desde o período classico do século X, com suas vivacidades, vigorosidades retóricas e oralidade sensorial, até o séc XV com o advento estilizado dos florais e convencionalismos de decoração, a escrita aparece consideradamente física em seu formato forte de expressão imagética e metafórica. Os seus temas literários na poesia também eram retratados na pintura: “complaint against the rival (muitas vezes imaginário)”, “drinking to the first flowers of the spring” etc., compunham também as expressões faciais das figuras ilustradas no renascimento persa. Logo, a pintura possui uma relação de retratação poética, no sentido referencial e narrativo, ou mesmo admirativo com relação à escrita, numa alusão às palavras proféticas do alcorão.
O favorecimento do olhar na pintura – pelo fato de ser mais decorativa do que a arquitetura devido a sua própria função e essência de não ser necessariamente construída para um fim abrigável por exemplo,– relacionava o próprio meio apresentado com a dramaticidade exposta nos detalhes e ornamentos seguidos da natureza. Podendo contrastar, por exemplo, forma e conteúdo, enquanto uma maneira de complementar tal peculiaridade. Dada também na diferenciação temporal do período clássico, quando mais qualitativamente abstrato, subjetivamente sensorial e alegórico, do século X, quando enfaticamente aludido ao detalhamento refinado e ornamental, e na poesia a rima planejada e o ritmo embelezado. Na caligrafia a beleza formal também superou o conteúdo comunicativo de maneira a aproximá-la da pintura. A escrita, que era considerada ilimitada no espaço e no tempo para evidenciar a religião e os poderes interpretativos superiores na arte islamica, tendo o homem como mero episódio dos manuscritos, passou a ser separada das ilustrações, estas não mais funcionando como narrativas porém com funções cada vez mais funcionais tal como a arquitetura, os tapetes e os vasos.

7) Explique o modo de trabalho dos pintores no mundo iraniano.

Os tipos de pinturas variavam desde óleo, modelo vivo, paisagens, flores, retratos, até miniaturas, envernizados em vidro, esmaltes, tecido, tapetes, cerâmica etc. Havia também três tipos de pintores: os ligados à corte que produziam objetos da mesma, o grupo de mercadores que vendiam as obras em lojas e jornais e os artesãos produtores de tapetes. Tal divisão era determinada pela qualidade da produção e pelo mercado. Da prática e do treino da mão na escola de 1840 de arte e pintura, surgia uma caligrafia também, cada vez mais abstrata.


8 – O conceito de autoria empregado correntemente na história da arte ocidental pode ser empregado no estudo da arte persa? Por que?

O surgimento dos autores persas individuais se deu posteriormente ao período clássico, quando as obras decorativas passavam a ser assinadas para identificar como propriedade de venda em mercados. Ou mesmo na corte quando os imperadores as encomendavam ou compravam seus artistas mais capacitados. Quando comparado à indústria cultural e suas apresentações publicitárias e sem autonomias se não venais, até poderíamos aproximar os dois contextos de autoria.
Porém quando relacionado ao critério de autoridade declarativa e intencional sobre uma obra, quando primordialmente o intuito em evidenciar a unicidade da obra de arte prevalecia no ocidente, não há comparação nenhuma, por exemplo, com a arte de fim simbólico ou expressivo, em tom místico trazido pelos persas. Quando muito no fato, ainda que questionável, de ambas se preocuparem com a introspecção despertada pela obra. Ainda assim, na persa encontramos a subjetividade na interpretação do real maior do que a manifestação exterior e efêmera dos objetos, apenas como um meio de abstração de si mesmo, numa variação do convencional, não como uma exaltação de entidades e absolutos, são tipos abstratos porém coletivos, vários pintores compunham um só manuscrito.
Os autores pintores eram, pois, instrumentos de inspiração, mesmo quando na lírica persa elementar e com mais liberdade no conteúdo narrado.

9) Explique como as representações do profeta Muhammad progrediram de retratos preponderantemente realistas entre 1200 e 1400 para interpretações místicas a partir do século XV.

A análise da relação entre texto e imagem e dos detalhes pictóricos podem nos dar pistas sobre a origem e a recepção dos mecanismos de representação do profeta. Quando temos desde as mais realistas em 1200 e 1400, passando depois pelas simbólicas em 1400 a 1800 e, novamente reais a partir do início do século XIX. Há uma variação no “corpus” diversos das representações de Maomé também a despeito das proibições de imagens representativas do profeta, enquanto não substitutas das palavras do Alcorão . Os devotos se voltavam mais pela vida segundo as ações modelo do próprio profeta do que segundo a sua reprodução imagética. Ai está o motivo pelo qual neste período clássico a autonomia da obra se encontrava mais ligada à religião do que aos autores que a compuseram.
De três principais tipos de retratos, não necessariamente ligados a um tempo ou a um lugar, podemos lembrar dos realistas enquanto mais miméticos e naturalistas, onde pintavam a realidade física de forma natural para que a construção histórica da memória religiosa fosse feita por meio de tais associações visuais. Bem como os inscritos de poder afetivo, sugerindo invocação e oração por meio da linguagem e imagens mentais, no qual escreviam o nome do profeta sobre o próprio rosto da imagem pintada a fim de evocá-lo. E por fim o luminoso de linguagem metafórica da auréola dourada para transmitir ideia de luz sagrada, primordial e criativa do profeta. Onde estes últimos transcendiam a prática mimética, mostrando-o como entidade cósmica livre de fronteiras e limitações corpóreas, portanto e para isto, iluminadas. Numa quase racionalização teórica e demonstrativa sobre como Deus escolheu Maomé, com significados cada vez mais metafóricos como fonte de consagração de tal crença. A influência assídua do sufismo também contribuiu muito para esse surgimento de retratos místicos, pois era do desejo de abstração da representação que se tratava as interpretações sucessoras do período clássico, em meados do séc. XV.
A forma corpórea da figura ocorria depois do aparecimento de sua luz primordial, neste sentido retratado pelo fogo o qual não era considerado material, numa maneira de não retratar mais o físico e humano e sim algo além da visão simplesmente direta dos sentidos. A visão interior do espectador era crucial para a compreensão da evidência do retrato, num deslocamento dos métodos convencionais, preferiam ainda, a descrição verbal para tanto. Tal como a concepção de perfeição e completude da filosofia sufista, Maomé era apresentado neste canal místico ou vínculo entre a Terra material e real, e o céu abstrato e sagrado.


11) Em que medida a pintura mogol pode ser considerada herdeira da pintura persa? Aponte as principais características que a distinguem do padrão persa.

Próximos da pintura iraniana com influências persas, a arte Mogol também valoriza a cor e o tecido enquanto mais importantes que os traços, os quais são arredondados também. Porém o tema do rouxinol amante e da rosa amada seriam estritamente trazidos pelo império Mongol no Irã. A mudança na diferenciação de gosto femininos e masculinos também mudou com tal advento: o que antes eram proporcionalmente similares nos critérios, agora a predominância é a beleza feminina, influenciada também pelas mulheres do Shah. Até o século XIX, porém, não havia maiores diferenciações entre os sexos, seja entre os homens ou entre as mulheres. Já a pintura persa valorizava a centralidade no plano visual, o platonismo e a cultura helenística da alexandria menos sufistas, numa descontinuidade aos clássicos.


12) Explique o significado mais usualmente atribuído ao Taj Mahal, e apresente a teoria de Wayne E. Begley sobre sua simbologia escatológica e majestática.

O significado do testemunho de poder e glória atribuído ao Taj Mahal se refere ao reinado de Shah Jahan quando a mulher de Mumtaz Mahal morre ao dar a luz ao seu 14º filho. A homenagem é para a sua perpetuação, quando preso no Forte de Agra para admirar o Taj Mahal com seus últimos oito anos. Com a aparência de um tridente e integralmente de mármore encrustado, sua cúpula de cebola apóia o símbolo também semelhante ao de Shiva.
A geometria de sua planta dividida em blocos de três ou quatro partes, apresenta-nos um imenso jardim com princípios de estratificação social pré-islâmica, numa alusão alegórica à riqueza geográfica do local e à paisagem profética enquanto terra escolhida e divina, com referências ao trono sagrado. Também servindo de turismo e vendas alimentícias no próprio local, um pouco maios afastado ao monumento e próximo às suas duas entradas.
Herman Keyserling, porém, defende a ideia de não ser necessariamente um monumento funerário o que propriamente expressa o imperador em Taj Mahal, mas inclusive uma proposta mercadológica de poder com o uso da flora para propaganda imperial. A primavera no mármore representa o jardim florido da justiça e da generosidade. Assim como o símbolo de eclipse divino do trono de Deus é referido pela divisão dos quatro evangelistas, bem como pelos quatro rios e pelas alusões de abundância paradisíaca projetadas na arquitetura horizontal da composição dos jardins, conhecido como portal do paraíso, também em quatro partes, demonstram argumentativamente tal teoria para além do celibato após a morte da esposa de Shah Jahan, numa maior interelação entre esse reino divino e o imperador.
Outra associação seria as cores vermelho e branco de referência induísta: “bramanes” do branco com Brahma da reencarnação, e ainda “Kshatryas” do vermelho com Krishna fazem desse “poema de amor em pedra” uma exaltação também ortodoxa de nobreza no carácter.

seminário: cap. 37, 38 e 39 de O GUIA DOS PERPLEXOS, Maimônides.

03/11/2011
UNIFESP – Guarulhos

História da Filosofia Medieval Judaica

Prof.a: Cecília
Aluna: Cristilene Carneiro da Silva, Filosofia – noturno

SEMINÁRIO SOBRE O GUIA DOS PERPLEXOS, DE MAIMÔNIDES
CAPÍTULOS 37, 38 E 39:

37 – A EMANAÇÃO DIVINA SOBRE AS FACULDADES IMAGINATIVAS E MENTAIS DO HOMEM ATRAVÉS DO INTELECTO ATIVO
§1 - A natureza essencial da emanação divina (o intelecto ativo) projetada sobre a nossa inteligência tanto somente em potência quanto em ato (que a faça aperfeiçoar-se e também aos outros). Graus de perfeição: alguns possuem somente para si mesmo, outros para incidir sobre outras pessoas.
§2 – Como se dá tal gradação de perfeição: Há 3 tipos de casta nesta projeção – 1ª é quando a mesma emana unicamente sobre a parte racional (Maimônides difere aqui a imaginação da razão), seja porque a emanação(vontade divina) é insuficiente ou porque a faculdade imaginativa em sua formação é incapaz de recebê-la. Estes que são atingidos pela parte somente racional são os sábios especulativos (continuando a comparação entre o profeta Moisés e os outros). A 2ª é a casta dos profetas: a emanação se insere tanto no racional quanto no imaginativo, pelo fato de sua inteligência possuir a perfeição suficiente. E a 3ª seria aquela que ocorre apenas na imaginativa, sem a intervenção racional seja por deficiência inicial ou por falta de estudo. São os “incultos” com potencialidades de visões, adivinhações, sonhos, inventores de leis e ordens artificiais e as vezes até milagrosas também, porém ilusórias e confusas por não se tratar da verdade (dada pelo razoável juntamente com tal ato imaginativo). Logo, o que deve estar no ato profético verdadeiro é tanto a razão quanto a imaginação em ato, sem uma ou outra apenas em potência. Potência seria então aquilo que existe no homem mas ainda não foi emanado pelo Intelecto Ativo de Deus, por não estar devidamente preparado ou não ter sido escolhido. E ato a faculdade desenvolvida e projetada exteriormente: os sábios especulativos ensinam, os imaginativos adivinham mas apenas o profético conhece no sentido verdadeiro.
§3 – Esta diferença entre potência e ato influencia nas três situações da emanação divina sobre o homem. Ela diferencia o para si do para o outro, ou a simples recepção introspectiva da pluralização comunicativa de tal recebimento. O ato é sempre o que age sobre o outro, tal como, mesmo que hierarquicamente, o faz a própria atividade do intelecto divino sobre os profetas. Assim ele é aproximado neste parágrafo à própria perfeição. E no decorrer do desenvolvimento o autor explicará esta palavra que ele mesmo grifa enquanto “influência” como participante da “inspiração”:
§4: “É evidente que, sem esta perfeição a mais, os livros não seriam escritos, nem os Profetas teriam imbuído os homens do conhecimento da verdade. Porque o sábio não escreve nada para si mesmo com a finalidade de se doutrinar no que já sabe, mas sim porque, na natureza de seu intelecto, existe o ato de emanar continuamente e irradiar sucessivamente esta emanação de um indivíduo a outro, até encontrar aquele que pode se aperfeiçoar através desta Emanação, sem, no entanto, ser capaz de transmiti-la a outros.”
§ É isto que caracterizará então essa inspiração citada: a exteriorização do intelecto ativado enquanto necessária por se tratar de um ato influenciado pela emanação divina, ou seja, pela unicidade.
38 – A CORAGEM E A INTUIÇÃO ATINGEM O GRAU MAIS ALTO DA PERFEIÇÃO NOS PROFETAS
Detalhamento de como se e porque se dá a perfeição nos Profetas:
§1: Por meio da faculdade da coragem, que varia de intensidade, energia e situação diferentes.
§2: Por meio da faculdade da intuição, qua também varia de acordo com as circunstâncias principalmente temporais (“anteriores, posteriores e atuais”). É quando o intelecto deduz recorrendo a tais circunstâncias instantaneamente e num curto espaço de tempo. Exemplifica-a com as previsões de futuro.
§3 e 4: A síntese da coragem e da intuição fortificadas dão à estrutura profética a perfeição “autêntica” que “ a razão humana, por si só, não poderia compreender.” É a inspiração que age sobre a percepção e influencia a imaginação a chegar ao conhecimento também razoável da realidade, por meio de provas e juízos imparciais, e não especulativos. Nesta direção atua a intuição. Também pelo inverso acontece o aperfeiçoamento das coisas percebidas: a partir da faculdade racional advém-se a imaginativa por meio do esforço e da busca corajosa. Mas é a vontade divina quem decide essa ruptura do modo convencional de raciocínio lógico, ainda não predominando, portanto, nem uma faculdade nem outra a não ser a partir de uma causa primeira.
§5 : Eis a diferença entre essa autenticidade que conecta a intuição e a coragem conjuntamente, daquela que confunde-as sem razão a não ser quiméricas e pessoais ou em potência, como denota ser o caso da terceira casta. Maimônides diferencia os dois caminhos bem explicitamente: o autêntico é ato de unicidade, de inspiração exterior. Já o quimérico é particular e pessoal, parte de um desejo introjetado em si mesmo , em potência porém não em ato intelectivo, num ato no máximo apenas imaginativo. Exemplo do homem que possuía muitos animais e perdeu os outros, esquecendo-os e lembrando somente do que restou enquanto uma lógica sem considerar a circunstância temporal da intuição nem a busca pelo entendimento além do perceptível. Uma possível alusão à Noé?
§6: Por último o autor insiste então na importância do intelecto enquanto algo crucial que separa e esclarece as confusões imaginativas: para haver perfeição é preciso que o intelecto esteja em ato, seja nos sábios especulativos ou nos profetas autênticos. A imaginação sozinha não é considerada uma profecia, nem um intelecto somente em potência e isolado de um poder cognoscível superior. Conclui-se que a evidência só pode ser prescrita ao entrar em contato com a emanação divina e uma. Uma constatação a partir de si ou do homem não é válida enquanto racional, mas no máximo enquanto intuitiva. É por isso que os sábios especulativos ainda são mais considerados na hierarquia da casta descrita: eles possuem o intelecto em ato, mas não a imaginação. O que não exclui esta última como necessária na profecia, porém dependente da intelecção:
“E venhamos a ter um coração sábio(salmo 90:12), é que o verdadeiro Profeta é aquele que tem um coração sábio.”
39 – MOISÉS FOI O PROFETA MAIS APROPRIADO PARA RECEBER E PROMULGAR A LEI IMUTÁVEL. OS PROFETAS QUE O SUCEDERAM APENAS A ENSINARAM E EXPLICARAM
§ 1: Aproximação da profecia de Moisés à lei e ao conhecimento demonstrativo e escolhido como foi dito antes. Hierarquização também no entendimento da voz de Deus. Apenas Moisés compreendeu-a em palavras e as ditou enquanto mensageiro das mesmas. Mesmo que os outros profetas tenham recebido a emanação divina, nenhum deles falou diretamente sobre preceitos morais, necessários e evidentes em nome do que o foi pedido por Deus. Maimônides argumenta que nenhum outro implorou apeladamente a obediência à sabedoria ditada e certa sem maiores parábolas ou metáforas secretas e especulativas. Os outros não declaravam que conheceram ou falaram com Deus, mas foram testemunhas e predicados presentes, de certa maneira, à experiência de vivenciá-lo. Como se Deus não tivesse se dirigido direta e completamente a eles, mas apenas por meio do intelecto. Em outras palavras, somente Moisés seria o que Maimônides denominou de profeta autêntico.
§2: Desenvolvimento do motivo pelo qual não houve nem haverá mais outro profeta como Moisés: “quando uma coisa se apresenta como a mais perfeita de sua espécie, qualquer outro ser dessa espécie que se desviasse dessa medida pecaria por excesso ou por falta.” Por trás da interpretação há a concepção de justiça não enquanto o que equivale e iguala na mesma medida quantitativa, mas aquilo que se é por princípio imutável e não é conduzido à “voracidade ou à leviandade”, ou ainda, o perfeito não é abalado por vícios maléficos. Cabendo, com isso um único modelo de perfeição e que não mude com o tempo, assim como o é a própria concepção de criação.

Ontogênese: resenha do Cap. II de Eros e Civilização, de H. Marcuse

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
Campus Guarulhos

ESTÉTICA E FILOSOFIA DA ARTE I
Prof. Talles Ab'Saber

EROS E CIVILIZAÇÃO – HERBERT MARCUSE
Resenha do capítulo II:

A origem do indivíduo reprimido (ontogênese)

CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA
8º termo - Filosofia – Noturno

GUARULHOS
07/11/2011


O INDIVÍDUO LIVRE DA REALIDADE

“Se Eros e Thanatos emergem, assim. Como os dois instintos básicos cuja presença ubíqua e contínua fusão ( e-de-fusão) caracterizam o processo vital, então, essa teoria de instintos é muito mais do que uma reformulação dos antecedentes conceitos freudianos.”

A possibilidade de indagar algumas interpretações freudianas a respeito das origens do indivíduo reprimido pela realidade da civilização é levantada pelos argumentos marcusianos de libertação dos prazeres rumo à perspectiva de Eros. Ou seja, a uma vitalidade entre as forças dialéticas do progresso advindo da necessidade ontológica de sobrevivência com a destruição genérica e libidinal dos instintos primitivos quando transformados e reduzidos a utilidades sociais. Nisso entra o caráter metapsicológico sobre a história da civilização requerido por Marcuse, para além somente da análise psíquica do indivíduo, ou ainda, além da satisfação e felicidade existencial. Mas sim num patamar filogenético da liberdade historicamente política. Sem destituir a realidade dos prazeres nem a origem da sociedade e da origem humana conforme o fez Freud. O autor de “Eros e civilização” instaura agora uma relação édipica social entre o pai da dominação encontrado no super ego em forma de tempo produtivo no trabalho e a infância reprimida encontrada no id em forma dos instintos primitivos antes mesmo do prazer sexual.
Para tanto, é esse próprio “pai da psicanálise”, ou seja: Freud, que será preocupadamente discutido nos pontos em que este descarta a inclusão perversiva nas leis sociais e o somatismo dos instintos (no sentido libidinal e impulsivo) enquanto autonomia histórica do ego como personagem civilizado e também naturalmente coletivo. Qual seria esta civilização biológica e psícamente permissível tanto de Eros quanto de Thanatos, de prazer quanto de necessidade, de liberdade quanto de determinismo? Tal é a censura que Marcuse supera por meio do princípio de prazer por ele interpretado também como participante da valoração construtiva de um real não somente necessário, como também fantasioso e por isso, livre.
O império da gratificação utilitarista na sociedade de consumo e de fetiche distorce a possibilidade de um prazer próprio da liberdade instintiva o qual não abranja as repressividades da sobrevivência e do trabalho demasiado. Marcuse argumenta porém, que a liberdade está diretamente ligada ao princípio de prazer. Assim como também, o próprio princípio de realidade não se sustenta unicamente por si mesmo, dependendo então dos instintos por ele suprimidos. Tal relação de força dada entre a construção progressiva de sociabilidade e a destruição regressiva de satisfação dos prazeres individuais traz à dialética freudiana não apenas uma oposição dessas direções, mas sim um excremento complementar de vitalidade que surge deste impacto, reconstituindo com isso o estado recalcado no inconsciente e esquecido pela memória estagnada, para um estado permanentemente presente e lúdicamente memorável e ao mesmo tempo desejante, como se dá com a própria infância e a libido para Marcuse:

“O retorno do reprimido compõe a história proibida e subterrânea da civilização. E a exploração dessa história revela não só o segredo do indivíduo, mas também o da civilização. A Psicologia Individual, de Freud, é em sua própria essência uma Psicologia Social. A repressão é um fenômeno histórico. A subjugação efetiva dos instintos, mediante controles repressivos, não é imposta pela natureza, mas pelo homem. O pai ŕimordial, como arquétipo da dominação, inicia a reação em cadeia da escravização. Mas, desde a primeira e pre-histórica restauraçõ da dominação, após a primeira rebelião contra esta, a repressão externa foi sempre apoiada pela repressão interna.”

A conclusão do argumento freudiano de civilização é, para Marcuse em seu prefácio político, então, de que a livre satisfação dos prazeres é impossível e distinta da felicidade na realidade da gratificação social. Logo, este é um problema que percorrerá o decorrer do desenvolvimento do livro a ser resolvido e pois não poderia deixar de ser exposto anteriormente ao capítulo a ser detalhado aqui: o impasse trazido por Freud entre liberdade e prazer, determinismo e sociedade. Seria pois, à toa que o próprio esquecimento dado na memória censurada valoriza como “valor de verdade” uma outra satisfação ou gratificação que não a dos impulsos, e sim a de uma conformação alienada no tempo permitido aos lazeres, disposto pela produção progressivamente permitida em sociedade?

CAP II – A ORIGEM DO INDIVÍDUO REPRIMIDO (ONTOGÊNESE)

Assim inicia-se então o desenvolvimento da crítica de Marcuse aos consequentes patamares de repressão dos instintos em Freud: da insistência natural e biológica primária ao seu desejo de esgotamento detonador e mortificado pela incapacidade ansiosa de auto satisfação, tal como um crescente desejo voluptuoso do dionisíaco, do “Nirvana”, do Id. E como tal impulso destruidor se caracteriza no corpo social, bem como o mesmo é caracterizado e repudiado no superego.
Feitas as duas orientações consequentes do aparelho mental repressivo que examina a tendência psicanalítica ontogenética e a filogenética no primeiro capítulo, a fim de realçar o problema do prazer enquanto distanciado da realidade possível em Freud. Onde a primeira tendência é vinculada à história existencial do indivíduo e a segunda à evolução social da história, agora Marcuse passará a descrever como essa implosão temporal e cronológica do indivíduo antes separado de sua liberdade pela censura cronológica dos fatos, agora pode descobrir-se e reconciliar-se à orientações outras que não somente a ordem repressiva do percurso divido entre passado, presente e futuro. Ou ainda: entre id, ego e superego. Numa interdependência entre essas duas tendências principais.
Inicialmente o capítulo apresenta um breve histórico do desenvolvimento dos instintos feito pela obra freudiana. Em seguida compara essa relação de transformação do mesmo em libido narcísico como maneira de secundarizá-lo e reduzi-lo a meras partes corpóreas mais sensíveis, até então serem as únicas restantes a possuírem-no, como ocorrência da sexualidade. Longe do pensamento de completude que Marcuse demonstra intencionar com a possibilidade trazida pela vitalidade erótica, ou seja, de Eros, Freud se importou basicamente em dar continuidade somente ontológica à personalidade do ego que se civiliza cada vez mais progressivamente, esquecendo-se por mais que já a valorizasse, de uma dialética maior das forças históricas e originais dos instintos e da infância frente às necessidades sociabilizantes dos recalques e das censuras.
Mas argumenta Marcuse que temos prazer em nos recalcar, morrer, autoreprimir-se pela culpabilidade etc., sendo estes fenômenos mais outros dos antagonismos gerados pela expansão de nossos instintos. É por meio desse movimento entre separações explosivas e junções das partes encontradas que Eros (a união) e o desejo de morte (ou destruição) permanecem fortemente vivos:

“Iniciam sua função de reprodução vital com a separação das células germinativas do organismo e a fusão de dois desses corpos celulares, passando ao estabelecimento e preservaçõ de 'unidades cada vez maiores' de vida.”

A sexualidade pois, quando considerada somente no ambito de tal reducionismo social e historicamente moldado se restringe regressivamente não mais à carateres plenamente biológicos, como inclusive destrutivos. O que a diferencia do conceito de Eros para o autor, o qual “é definido como a grande força unificadora que preserva a vida toda.” Eis também o que transforma para Marcuse a teoria dos instintos numa sublimação genérica e vitalícia dos impulsos e desfaz sua exclusão[dos instintos] no ego, por meio da unidimensão complementada por Eros, e não mais somente dialeticamente oposta pela sexualidade e libido. Não deixando porém, de permanecer efetivamente dialéticas, ou em outras palavras, não prevalecendo a dominação necessária sobre os impulsos naturais. E portanto é este princípio de morte juntamente com Eros que será considerado a nova subversão à repressão: “o instinto de morte é destrutividade não pelo mero interesse destrutivo, mas pelo alívio de tensão. A descida para a morte é uma fuga inconsciente à dor e às carências vitais . É uma expressão da eterna luta contra o sofrimento e a repressão.” Não mais a romper a participação do Id no Ego com isso, quando era somente mais considerado o inverso disso por Freud: o Ego em direção ao Id. Por meio do papel da memória a sucitar os instintos impulsivos no Id sobre a realidade cotidianamente repetida_ os quais são sucitados tanto pela infância, pela fantasia ou sonho _ é que o instinto também prevalece no ego.
Mas a civilização pode também ser aproximada ao que é destrutivo e mortal assim como o prazer de Eros foi aproximado ao vitalício. No nivel ontogenético estudado no respectivo capítulo, o superego por exemplo, é denunciado em seu sentimento de culpa e transformador da auto condenação numa civilidade que reage contrariamente aos desejos individuais, numa autoflagelação reacionária. A ontogênese é relacionada assim, também ao tempo memorático do passado reprimido, muitas vezes pelo próprio sentimento de liberdade ali anteriormente recalcado, e que reluz, no presente, como escravizante e dominador. Assim é que a “dominação organizada” tornou-se um objeto mais do que importante a ser analisado historicamente pelo autor, para além da estrutura de um único ser. A chamada metapsicologia socio-cultural do ser historicamente coletivo e instintivo. O que, inclusive também propicia a Marcuse esclarecer ainda mais um ponto confuso entre as relações de tal dualismo: o fator biológico e o histórico atuantes sobre o “princípio de desempenho” e a “mais repressão”, respectivamente. Da carência impulsiva à autoridade do superego e seus diferentes graus no princípio de realidade, ou de repressão. Há também uma distinção feita aqui entre a unidimensionalidade encontrada na repressão à dominação, e a progressiva necessidade da “mais repressão”. Ambas, repressão e mais repressão porém, direcionadas à “gratificação”, conceito este dado ao ajustamento dos instintos(e prazeres) à civilização (e satisfação).
A continuidade do movimento transcorrido no argumento sobre os instintos humanos para além apenas da libido individual e sexual e engajada socialmente no Eros universal conclui ainda a “organização supra-repressiva das relações sociais, sob um princípio que é a negação do princípio de prazer” e a perversão. Numa relação também fiel em proporção das horas de trabalho social com as sensações libidinais do Id, atemporais. Sendo o primeiro o que diferencia e caracteriza o princípio de desempenho citado anteriormente. O tempo contado na civilização assume funções subalternas assim como a libido quando reduzida somente ao sexo ou à instituições monogâmicas tal como o casamento. O organismo perverso está, neste sentido, orientado à tais negações enquanto protesto ao princípio de prazer reduzido e reprimido nas logicas da civilização e não mais liberto ou equitativo conforme a leveza trazida por Eros. Contrário à dominação social, o perverso liberta a imaginação e a própria liberdade por meio da “fantasia”, única manifestação instintiva ainda não recalcada: “Um símbolo da identidade destrutiva entre liberdade e felicidade.”
Logo, o predomínio do perverso sobre a própria personalidade do ego o levaria a outras coerções que não somente a sua própria psiquê, ou que não somente a sua ontologênese. É a partir dessa conclusão que Marcuse elaborará detalhadamente a emancipação filogenética da liberdade histórica dos instintos, trazendo a fantasia neste último argumento do capítulo, enquanto um lapso de reconhecimento libertador inclusive sociológico. Seja por meio da arte, por exemplo, enquanto senão o melhor, um dos recursos sócio-políticos imagéticos dessa ironia pulsante a florecer sobre a psico-linguagem progressivamente civilizatória da ciência tecnológica.

BIBLIOGRAFIA

MARCUSE, H. Eros e civilização: uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Trad. de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 1999.

A alienação em T. Adorno e W. Benjamin

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
CAMPUS GUARULHOS

SOCIOLOGIA DA ARTE
MARINA SOHLER

AVALIAÇÃO SOBRE OS TEXTOS DE T. ADORNO E W. BENJAMIN

CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA
50043 FILOSOFIA-NOTURNO

GUARULHOS
11/10/2011

Alguns conceitos advindos com o surgimento do rádio, da fotografia e do cinema colaboraram para que pensadores como Theodor W. Adorno e Walter Benjamin dedicassem toda uma filosofia para investigá-los como ponte de transição entre a experiência da tradição cultural na arte e a consequente reprodutibilidade técnica que a indústria e o esclarecimento propiciaram. Conceitos como autonomia, gosto, aura e mito permeiam suas obras para discutir: o fundamento e papel da arte dentro da indústria cultural, a possibilidade de permanecer autêntica frente aos seus novos valores de uso e troca, bem como a alienação decorrente de sua posição distraída diante da exclusão estrutural da sua natureza: a experiência.

1) ATITUDE DISTRAÍDA EM RELAÇÃO À OBRA:

“A barbárie cínica de forma alguma é preferível à fraude cultural.”

O impasse encontrado por ambos os autores acima imergem a um ponto em comum sucetível do capitalismo: o enclausuramento das massas unidimensionadas para além da capacidade dialética marxista. A história midiática esboçada por Walter Benjamin, desde a reprodução em xilogravuras, litografias e por fim, imagens cinematogŕaficas, libertaram a mão e o olhar para um patamar virtual e sem maiores necessidades práticas e artesanais, associadas também à história oral da experiência. Também em Adorno encontra-se uma ênfase crítica ao desencanto trazido pelo esclarecimento e ao gosto substituído pelo fetiche. “Os ouvintes e os consumidores em geral precisam e exigem exatamente aquilo que lhes é imposto insistentemente.” Se temos em Benjamin a perda da experiência, em Adorno temos a perda da contradição. Ambos relacionados ao gosto estético que, dentro da Indústria Cultural e da Cultura de Massa, se desdobrou também em gosto político. Ou melhor: é a política do gosto que assume o controle unidimensional da arte:

“A reprodução técnica do som iniciou-se no fim do século passado. Com ela, a reprodução técnica atingiu tal padrão de qualidade que ela não somente podia transformar em seus objetos a totalidade das obras de arte tradicionais, submetendo-as a transformações profundas, como conquistar para si um lugar próprio entre os procedimentos artísticos.”

Por meio deste padrão detectado dentro da indústria, a arte ganha um valor de mercadoria que distrai o comportamento do gosto fixado pela mídia, a qual vende a própria faculdade de questionamento avaliativo de uma obra. Em outras palavras, é esta unificação poderosa entre o gosto e o uso (gosta-se do que se usa para usar o que se gosta) que atrai para a massa o fetiche de consumir arte sem ao menos qualificar seu valor para além do econômico e padronizado nos próprios critérios da indústria e da política do capital, impossibilitando a capacidade criadora e autônoma da arte. Eis a perda da aura e do gosto, substituída pela reprodução e consumo. Tamanha é tal substituição, que Adorno detalhamente descreve a relação da música ligeira com a música para distração, distanciada cada vez mais da audição e da técnica e mais próxima da propaganda e do erotismo:

“O prazer do momento e da fachada de variedade transforma-se em pretexto para obrigar o ouvinte de pensar no todo, cuja exigência está incluída na audição adequada e justa; sem grande oposição, o ouvinte se converte em simples comprador e consumidor passivo. Os momentos parciais já não exercem função crítica em relação ao todo pré-fabricado, mas suspendem a crítica que a autêntica globalidade estética exerce em relação aos males da sociedade. A unidade sintética é sacrificada aos momentos parciais, que já não produzem nenhum outro momento próprio a não ser os codificados, e mostram-se condescendentes a estes últimos. Os momentos de encantamento demonstram-se irreconciliáveis com a constituição imanente da obra de arte, e esta última sucumbe àqueles toda vez que a obra artística tenta elevar-se para transcendência. Os referidos momentos de encanto não são reprováveis em si mesmos, mas tão somente na medida em que cegam a vista.”

A distinção entre o totalitarismo ditatorial do estrelato e a aura da obra de arte original, é um exemplo para esse encantamento fetichizado citado acima por um lado, e o consequente desencantamento do autêntico por outro. No qual a primeira idealiza não somente a obra mas a vida do autor por detrás da pessoa num molde recorrente e autoprodutor de idolatria, e a segunda instaurava o tempo do momento em que se está fisica e presentemente diante de uma obra, vivamente cúmplice de sua história experiente, por ora disseminada na era de sua reprodutibilidade técnica. Mais um exemplo nos é argumentado com o preenchimento temporal do cinema mudo pela música de entreternimento. Há quantias reproduzidas para enfatizar uma imagem, não a audição em si.

É por meio da presença imediatista do prazer que é materializada em aparência e imagem lúdica toda arte submetida ao lazer comprado pelo descomprometimento trazido pela distração e alienação industrial. Adorno continua no aprofundamento do conceito de esclarecimento para desmacarar todo e qualquer tipo de poder dominante advindo aparentemente da filosofia mas que, na raiz da dissociação entre indústria cultural e unicidade da obra também se denota: a questão do racionalizar o mito e a mímesis para se obter valores aceitáveis no comércio, na oferta e na procura, bem como na política, do uso e da troca:

“O que não se submete ao critério da calculabilidade e da utilidade torna-se suspeito para o esclarecimento. A partir do momento em que ele pode se desenvolver sem a interferência da coerção externa, nada mais pode segurá-lo. Passa-se então com as suas idéias acerca do direito humano o mesmo que se passou com os universais mais antigos. Cada resistência espiritual que ele encontra serve apenas para aumentar a sua força. Isso se deve ao fato de que o esclarecimento ainda se reconhece a si mesmo nos próprios mitos.”

O que faz com que a própria lógica mecanicamente estruturada em esclarecer se torne, além de poderosamente política, também com potenciais distrativos e alienadores quando supõe a submissão total –- inclusive da cultura, e em especial dos mitos -- frente ao seu raciocínio repetitivo de explicar, não mais relatar, tais como faziam os mitos. A obcessão em matematizar a indústria por meio da automatização da técnica, para Adorno, já se torna assim, uma mesma superstição e adoração por ela criticada.

“O homem da ciência conhece as coisas na medida que pode fazê-las. É assim que seu em-si torna para-ele. Nessa metamorfose, a essência das coisas revela-se como sempre a mesma, como substrato da dominação.”

2) POSIÇÃO DO AUTOR FRENTE À INDÚSTRIA CULTURAL/ CULTURA DE MASSA

“Fazer do gigantesco aparelho técnico do nosso tempo o objeto das inervações humanas – é essa a tarefa histórica cuja realização dá ao cinema o seu verdadeiro sentido.” 1

Tanto em Walter Benjamin quanto em T. Adorno a exploração superficial e estagnante da cultura é recriminada. Porém há em ambos o reconhecimento importante para o advento escapatório à cultura de massa: a própria função da técnica. Diferentemente da sua simples automatização, há no trabalho artesanal, no prazo de eternidade una como se era construída uma obra grega, no valor de culto e no próprio artista narrador uma possibilidade utópica. Utópica no sentido de continuar distante porém imersa na cultura de massa alienada e no pessimismo de ambos os filósofos aqui estudados.

O próprio onírico e fantástico já são, inclusive, objetos instrumentados pela propaganda e não mais uma saída vanguardística como o eram o Dadaísmo e o surrealismo citados por W. Benjamin. Para argumentar que caso surja uma solução, ainda assim a mesma pode ser corrompida e dominada pelo unidimensionalismo trazido pela máquina de síntese, seja ela a mídia como é para Benjamin, seja ela o esclarecimento como é para Adorno. Estamos aqui diante do império fetichista não somente cinematográfico e musical como inclusive ideológico. Tal que, tanto Benjamin quanto Adorno posicionam-se claramente em relação ao abafamento da dialética marxista pela esfumaçante máquina de criar guerras nebulantes em forma de indústria cultural:

“Com isso se formula uma crítica às ‘novas possibilidades’ na audição regressiva. Poder-se-ia estar tentado a redimi-la alegando, por exemplo, que nela o caráter de aura da obra de arte, os elementos de sua auréola ou aparência externa cedem em favor puramente lúdico. Como quer que seja no cinema, a atual música de massas pouco apresenta deste progresso do desencantamento.”

Diz Adorno que a ideia de oposição também se torna venal, contradição esta que aproxima a incompreensão e o inevitável numa dominação progressiva e em potência a ponto de liquidar o indivíduo como sujeito de uma autoria senão um modelo sistemático e objetivo do que se mostra como subjetividade. A máscara do homem cai na mesma medida que a música também se estagna. E a possibilidade de autonomia ainda existente é aquela também já produzida nos moldes do padrão de diferenciação. Ou seja: a diversidade também vira um produto coletivo que diferencia para padronizar as cores da moda, ou melhor, do modelo. É a fragmentação das sinfonias, o método rápido e mais quantitativo de se produzir mais, mesmo que ouvindo-se menos da música e dilacerando o seu sentido primeiro. “ A natureza desqualificada torna-se a matéria caótica para uma simples classificação, e o eu todo-poderoso torna-se o mero ter, a identidade abstrata.”

A continuidade deste mesmo argumento é que, nesta coerção do diverso e do novo enquanto automóveis da propaganda, a repetição e o clássico terminam por serem relacionados até mesmo ao crime do plágio, por exemplo. Neste quesito Benjamin também é muito claro ao evidenciar a perda da experiência como crucial para o fim da originalidade. Como repetir uma narrativa ou um quadro minuciosamente artesanados senão por meio do gravador ou da fotografia, respectivamente? A tecnologia é concluída aqui, como a ruptura do clássico no sentido experiente da técnica humana.

“Com o cinema, a obra de arte adquiriu um atributo decisivo, que os gregos ou não aceitaram ou considerariam o menos essencial de todos: a perfectibilidade.”

3) POSSIBILIDADE DE ALIENAÇÃO/ TRANSFORMAÇÃO ADVINDA DA INDÚSTRIA CULTURAL/ CULTURA DE MASSA

“Na prática há apenas duas alternativas a escolher: ou entrar docilmente na engrenagem do maquinismo – mesmo que apenas diante do alto-falante no sábado à tarde – , ou aceitar essa pornografia musical que é fabricada para satisfazer às supostas ou reais necessidades das massas. A falta de compromisso e o caráter ilusório dos objetos do entreternimento elevado ditam a distração dos ouvintes.”

Com o surgimento da perfectibilidade na obra pela tecnologia da indústria, surge também a necessidade humana de acompanhar a máquina da perfeição acima de sua própria capacidade natural de produção, também ser sobretudo o próprio produto. Mas para que a exploração excessiva não se denuncie é feita a distinção entre o produtor e o produto, ou entre o autor e a obra. Já que são, ambos, deficientes de autonomia, a alienação é indiscutível. E a troca também se prejudica pois são dissolvidos os limites entre sujeito e objeto, entre procura e oferta. Ela se daria apenas enquanto imediata como é o bem cultural, num valor fictício e não material, de uso. Agora podemos associar esta arte como bem cultural com o sentido da função propagandística e até mesmo nazista. É o que também Benjamin faz:

“Seu objetivo é tornar mostráveis, sob certas condições sociais, determinadas ações de modo que todos possam controlá-las e compreendê-las, da mesma forma como o esporte o fizera antes, sob certas condições naturais. Esse fenômeno determina um novo processo de seleção, uma seleção diante do aparelho, do qual emergem, como vencedores, o campeão, o astro e o ditador.”

Porém esse visionarismo é apenas ilusório também. Pois não se tem, com este poder totalitário, uma visão geral do todo pelo fato de se estar abstraído na indústria. A imobilidade ao choque benjaminiano e a eliminação da resistência adorniana se encontram concluídas para uma perspectiva semelhante de condenação invariável à alienação: “Para que, ainda, o esforço e o empenho sinfônico, se o material já foi digerido e triturado, a ponto de tornar supérfluo e inútil tal trabalho?”

A arte se torna, assim uma mão de obra e não mais uma obra prima. Não mais uma essência. A própria verificação e prova da verdade foi destituída pelo hábito padrão da beleza em Adorno. Nega-se também o conhecimento afim de não mais se responsabilizar pela escolha, a qual seria individual e ativa no sujeito que é habituado a ser infantil e despreparado na obediência consumista. A atitude distraída e alienada é a própria infantilização da liberdade de não escolher. E a própria ação está inserida enquanto um produto da Indústria Cultural. É a desconcentração, a falta de foco, a gargalhada ambulante de não saber reagir de outra maneira que equivale a solução determinista do fetiche.

“Desencantar o mundo é destruir o animismo... O mundo torna-se o caos, e a síntese, a salvação. Nenhuma distinção deve haver entre o animal totêmico, os sonhos do visionário e a Idéia absoluta. No trajeto para a ciência moderna, os homens renunciaram ao sentido e substituíram o conceito pela fórmula, a causa pela regra e pela probabilidade.”

Neste sentido Walter Benjamin ainda é um pouco menos pessimista ao relacionar o papel do cinema com o poder político e de transformação frente a sociedade patriarcal. Num caminho inverso ao da Indústria Cultural, usufruiria-se da cultura de massa por meio do cinema não para embelezar políticas como o fazem a propaganda mercadológica, mas para romper com a lógica de arte mercado e trazer uma politização artística.

Mesmo que Adorno argumente a natureza humana enquanto entranhada ao fetiche e ao clichê, o ouvido que agora quer consumir para si com interesses egoístas a música de lazer. O antinatural e o artifício envolvidos conosco de maneira natural, cotidiana e banal. O esvaziamento de conteúdo dado por essa mesma pseudo-atividade humana que nos leva do choque à diversão e ao masoquismo enquanto regra. Como o é no esporte: o que aparenta ser um jogo inofensivo e ingênuo se transforma em norma e deveres.

Ambos acreditam, pois, no conhecimento. Em Adorno o conhecimento não se daria porém, na Indústria Cultural pelo fato de ser impossível conciliar arte e indústria para o filósofo. Neste caso esta seria uma arte industrial ou senão uma arte subjetiva e antropológica. Estaria tal possibilidade permitida a partir do improviso e da liberdade. “Embora a audição regressiva não constitua sintoma de progresso na consciência da liberdade, é possível que inesperadamente a situação se modificasse, se um dia a arte, de mãos dadas com a sociedade, abandonasse a rotina do sempre igual.”

Esta mudança na variação do que já se possui por meio da maneira como se propõe o conteúdo é exemplificada por Adorno como o motorisa que já possui seu carro muito antigo mas que somente ele ainda consegue conduzir. Porém não se daria por meio apenas de um sujeito, mas sim por meio da defesa coletiva desse conhecimento. No entanto, como superar o cassino da máquinas de prazer que é o fetiche, que sempre compra a novidade com a moeda do prazer produzido pela própria liberdade?

“A modificação da função da música atinge os próprios fundamentos da relação entre arte e sociedade. Quanto mais inexoravelmente o princípio do valor de troca subtrai aos homens os valores de uso, tanto mais impenetravelmente se mascara o próprio valor de troca como objeto de prazer... [Mas] A relação com o que é destituído de relação trai a sua natureza social na obediência.”


BIBLIOGRAFIA

ADORNO, Theodor W. "O fetichismo na música e a regressão da audição". Trad. de Luiz João Baraúna. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

BENJAMIN, Walter. "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” In: Magia e Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas vol.1. São Paulo: Brasiliense, 1994.

ADORNO, Theodor W. O conceito de esclarecimento. In: Dialética do esclarecimento.Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

Michel Foucault e Pierre Bourdieu: "O que é um autor?" e "A ilusão Biográfica"

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

SOCIOLOGIA DA ARTE
Marina Sohler

TRABALHO SOBRE

“O QUE É UM AUTOR?” DE MICHEL FOUCAULT E
“A ILUSÃO BIOGRÁFICA” DE PIERRE BOURDIER

CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA
Filosofia – 8º termo – noturno

GUARULHOS
08/11/2011

1) O QUE É A FUNÇÃO AUTOR PARA FOUCAULT? POR QUE FALAR EM OBRA E ESTILO (ESCRITA) REMETE AO AUTOR?

Foucault compara a problemática a respeito do autor contemporâneo com a da ausência e da morte nos critérios de representação atuais. Bem como também relaciona o sujeito da obra ao “ser” do período vigente. Mas é por meio de um aprofundamento na função de autor que ele investigará as influências sofridas na literatura discursiva desde o cristianismo até os aparecimentos transdiscursivos do século XX. É nessa perspectiva que o filósofo transporá, igualmente conforme desenvolveu neste texto, a idéia de autoria enquanto uma revaloração do tempo para uma noção da História mesma redescobrindo - o e autora do próprio sujeito.

“La formulación del tema com el que me gustaría comenzar se la solicito a Beckett: 'No importa quién habla, dijo alguien, no importa quién habla'. Creo que em esta indiferencia es necessario reconocer uno de los principios éticos fundamentales de la escritura contemporânea. Digo 'etico' porque esta indiferencia no es tanto un rasgo que caracteriza a la manera em la que se habla o se escribe; ella es más bien una suerte de regla inmanente, que se retoma sin interrupción, nunca aplicada completamente, un principio que no marca la escritura como resultado sino que la domina como prática.”

O espaço que o escritor preenche possui relação direta com o espaço vazio e ausente da obra quando lida, porém além dessa prática indiferente do autor enquanto um simples gesto, há por trás desse assassinato do autor, dessa morte do mesmo, uma consagração também eternizante que singulariza tal ausência do autor enquanto um marco histórico. É assim que sua vida se confunde com sua própria obra: é a relação de intenção do mesmo sobre a obra que se mistura, bem como suas características referenciais como modelo de pesquisa e interpretações extras ou extraídas do que foi escrito. Seria pois, uma “desaparição voluntária” ligada à consagração eterna da existência enquanto autor por meio de sua obra. A questão da obra é logo inserida na mesma questão de autor: o autor seria a própria obra ou o inverso, a obra é definida pelas circunstâncias do autor? Quando considerados limitados por uma diferenciação, obra e autor, Foucault argumenta ser apenas um motivo editorial a separá-los. Ou seja: haveria editores e não obras?

Esses são os pontos levantados no início do texto afim de inserir a função do autor no contexto de sua própria crise de autenticidade: autor e obra, assinatura transcendental e sujeito empírico, e por fim autoridade do conteúdo científico como ato de registro _ conforme o era na Idade Média por exemplo_ e a autoria na ficção ou enigma literário vindo por volta também do advento da modernidade. O que ressalta Foucault neste movimento do texto é essa linha divisória entre as duas correntes a dilacerar o nome próprio do autor enquanto única originalidade restante para definí-lo. Pois o que o nome designa ou representa se assemelha realmente à descrição da vida do autor? O nome próprio porém, possui essas duas faculdades: tanto a de designar quanto a de descrever um percurso singular de vida. Descritivo pois ele também pode classificar e delimitar as homogeneidades e autenticidades entre as obras de mesmo autor, é o sujeito de suas relações. Conforme intitula o próprio filósofo: o nome é o “modo de ser do discurso”, aquele que recebe um certo “estatuto”. Neste último quesito estatuinte dado ao autor quando inserido num circuito de circulação e funcionamento dentro de uma sociedade é que Foucault descobre a ideia do autor enquanto uma “função” social. Quando o mesmo funciona no interior de uma cultura, não somente quando é assinalado enquanto fato, mas quando constituído de um discurso coerente por ele valorizado com um intuito de funcionar nessa mesma sociedade.

A projeção de algo por meio do discurso varia entre o que se comprova e o que se oculta, porém. Essa variação é constatada historicamente e de acordo com cada época, veja o exemplo acima citado entre a despreocupação da ideia de sujeito autor em meados do milênio e a necessidade de comprovação da verdade especificada a cada autor sujeito e dono de descobertas no critério moderno de discursividades. O autor da literatura não possui comprovações coletivas como acontece nas ciências, daí a passagem para uma maior investigação dos enigmas por trás de seu nome, sua vida etc., fornecerem aparentes respostas e provas para se acreditar no discurso exposto na obra. Eis um caráter profético ou cristão que Foucault detecta sobre a noção tradicional de autoria.

Mas é o caráter de coerência trazido por meio da semelhança do estilo ou escrita, e também por meio da lógica entre as obras de um mesmo autor que interessará na definição de Foucault para a função autor. Por meio dessa coesão é que o filósofo chegara pois, à ideia do autor enquanto um possibilitador e formador de um único discurso, tema ou tese parecidos tanto essencialmente quanto estilisticamente entre si. É o “instaurador de discurso” que emancipa, inclusive, as diferenças surgidas para além de si mesmo, entre ele e quem o responde ou lê. O autor é o fundador de uma possibilidade fecunda na histórica, a qual a modifica e a transforma. Há mais um último questionamento no entanto, trazido pelo próprio Foucault: como determinar este fundador? Se o próprio cientificismo entrou na relatividade interpretativa da dúvida contemporânea? Assim é que nos vem a conclusão de que o fundador das possibilidades não possui pois, as derivações que a mesma pode propiciar. Em outras palavras e utilizando os mesmos autores de exemplo citados por Foucault: Freud possibilitou os pensamentos neo freudianos, no entanto não foi autor destes últimos. Marx possibilitou os pensamentos neo marxistas ou mesmo os frankfurtianos, mas não foi o real autor deles.

É a noção de origem da autoria, “redescobridora e “reatualizadora” que remeterá à função do autor, deixando-o pois universalmente como um modificador do tempo passado, presente e futuro conforme são os próprios clássicos históricos. Não esquecendo de ouvir as origens para reformulá-las, por meio do conjunto descrito em sua obra, inserindo- as num contexto histórico-cultural e nas condições que permearam a possibilidade de sua própria originalidade.


2)COMO O TEXTO “A ILUSÃO BIOGRÁFICA” DE BOURDIER PODE SER COMPARADA AO TEXTO “O QUE É UM AUTOR” DE FOUCAULT?

No referido apêndice sobre “A ilusão Biográfica”, Pierre Bourdier nos apresenta uma desmistificação histórica da vida enquanto uma narrativa consecutiva e feita proncipalmente pelo senso comum caracterizado pela biografia. Essa teoria da vida narrada diz respeito à relação cronometrada do tempo enquanto uma interação momentânea entre o autor e o leitor, ou ainda entre o sujeito e a sua sociedade vigente.

É assim que Bourdier iniciará o desenvolvimento deste texto em evidência com uma crítica à noção de engajamento literário sartreano onde o último recorre à correspondência entre autor e leitor como sendo um ato concreto de liberdade autoral e objetiva. O argumento contrário dado à Sartre no segundo parágrafo de “A ilusão Biográfica” é que tal ligação teria sido considerada somente a partir das condições espaciais de eternidade permanentes por serem fixas e unitárias, próximas do sentido de “princípio” enquanto determinadas por um início, e também como necessidade causal de efeitos vividos e selecionados pela pretensão sobre aquele relato contado.

É o carácter de “criação artificial de sentido” juntamente com a “tradição literária” que aparece tanto neste argumento de Bourdier quanto no texto “O que é um autor” de Foucault: ambos alegam que tanto a intenção quanto a arbitrariedade são propriedades da escolha autoral. Seja a primeira constituída pelos três âmbitos de ego descritos em Foucault, seja a segunda um simples registro de estado civil concluído por Bourdier. Porém enquanto essa “identidade prática” encontrada no texto “A ilusão biográfica” trata do hábito e da repetição de fatos característicos juridicamente numa vida inserida numa sociedade determinada como o primordial e mais justo de se definir biograficamente e esclarecer melhor os pontos ilusórios de um percurso literário, a “instituição discursiva”, descrita por Foucault, é quem denominará o sujeito enquanto autor de uma redescoberta ou reatualização da própria origem a qual funda e propicia novas possibilidades.

Ambos autores também relatam sobre o poder unificador trazido pelo nome próprio do sujeito. Bourdier ainda mais radicalmente desconsidera a relação somente entre as obras literárias, abrangendo ao caráter biológico da existência de uma vida presente em diversos espaços durante um percurso individual de tempo, o qual instituiria também essa individualidade por meio de sua assinatura nos procedimentos legislativos ou culturais. Ao priorizar os elementos do hábito para cientificizar de maneira mais antropológica o que caracteriza a ideia de autor, também é aproximado com isso, consequentemente, da autonomia por meio unicamente do nome assinado. Pois o nome seria assim um objeto transcendental de sociabilização do sujeito reconhecido e finalizado numa totalidade dos conjuntos percorridos na vida de um ser. A sua justiça histórica pode se dar, ao meu ver, no que concerne ao registro porém não à personalidade e suas inconstâncias. Até mesmo o exemplo proustiano citado nesse próprio texto para inserir as descontinuidades temporais dos personagens de “Em busca do tempo perdido” seria, para Bourdier, apenas uma substância desse estado civil limitado.

Já em “O que é o autor?”, Foucault pontua sim a participação do nome próprio como uma das bases de autoria, porém discute-o conforme o seu poder de apropriação de contextos coerentemente valorizados pelo mesmo indivíduo compositor de idéias ou temas semelhantes, não somente assinados mas principalmente fundidos, ou seja: próprios de uma função autoral para além do registro fatídico de algo, mas inclusive com um intuito de funcionamento oficial de autoria descrita.

Por fim, a definição que Bourdier ressalta para justificar uma vida literariamente descrita em “A ilusão Biográfica” se difere em diversos aspectos da tentativa de compreensão da função de autor que Foucault nos propicia em “O que é um autor”. Este último discute e aproxima mais filosoficamente a questão do próprio ser no mundo da questão do autor na vida, partindo de aspectos tanto conceituais e descritivos de valoração que o papel do autor na história da literatura e ciência, quanto aspectos também editoriais e designativos como os recortes, publicações ou enígmas que permeiam seu conjunto de obras. Em contrapartida, o que encontramos na conclusão e definição de Bourdier para a possibilidade sociológica de Biografia foi uma reconstituição da relação do sujeito no mundo através do relato construído oficialmente:

"Essa construção prévia é também condição de qualquer avaliação rigorosa do que poderíamos chamar de superfície social, como definição rigorosa de personalidade designada pelo nome próprio, isto é, o conjunto de posições simultaneamente ocupadas, em um momento dado do tempo, por uma individualide biológica socialmente instituída, que age como suporte de um conjunto de atributos e de atribuições que permitem sua intervenção como agente eficiente nos diferentes campos [biológicos e sociológicos].”


BIBLIOGRAFIA

FOUCAULT, Michel. O que é um Autor? Coleção Passagens, Vega, Lisboa, 1992.
BOURDIEU, P. “A ilusão biográfica.” In: Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1996.

Rousseau, Nietzsche, Foucault, Deleuze e Guatari na educação

FILOSOFIA E EDUCAÇÃO NO MUNDO MODERNO
ALEXANDRE FILORDI DE CARVALHO

PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO

CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA (e-mail: tilenecarneiro@gmail.com)
FILOSOFIA – NOTURNO – 8º TERMO

2) Um dos problemas centrais que o pensamento de Rousseau trouxe para a educação é a relação entre a educação do indivíduo e a sua presença e o seu papel na sociedade. Pode-se dizer que tal diagnóstico continua atual. Explique por quê.

A relação rousseauniana entre indivíduo e sociedade já mantem um liame muito peculiar no que diz respeito à possibilidade de uma educação livre. Porém o filósofo nos dispõe algumas condições para uma educação natural e negativa por meio do amor de si e da perfectibilidade. O indivíduo social de Rousseau mantem-se em relação por meio de contratos, ao mesmo tempo que também é auto suficiente para manifestar a espontaneidade de sua própria natureza. A problemática da educação em Rousseau seria tal reconciliação do homem com a sua natureza. Por isso o autor toma como ponto de referência a infância, no caso Emílio, e examina cuidadosamente este processo de formação do homem livre na sociedade castradora das vontades individuais.
Assim como o individualismo é uma regra social hoje, pode-se comparar o dilema entre a coerção da vontade geral e a vontade de se isolar para as libertar as potências naturais das paixões humanas. Porém é o amor de si quem liberta essa dominação da educação repressora para uma permissibilidade espontanea de aprender, no caso da individualidade de Rousseau. Já esta propagação atual de um individualismo que desconsidera tanto a coletividade efetiva quanto as singularidades humanas é ainda pior e menos resolvido, com disposições escolares que prendem o ser ao uniforme e artificial, à falsas referências naturais do indivíduo, à uma pressão social que não se prepara para tipos determinados de formação nem para determinados tipos de sociedade, mas simplesmente a generaliza estagnando a espontaneidade defendida por Rousseau. Desde as apostilas escolares até os métodos de avaliação denotam uma exclusão cultural que já em Rousseau se evidenciava, hoje mais ainda. A criança precisa primeiramente se amadurecer a ponto de livremente escolher ser educada, segundo o pensamento de “Emílio”, e não o contrário como tem ocorrido até hoje: ela ser educada a ponto de coercivamente ser obrigada a ser criança, sem maiores autonomias.

5) Explique como o poder crítico do pensamento de Nietzsche trouxe novos desafios para se pensar o campo da educação e a sua relação com a constituição da sociedade?

A educação para Nietzsche será sempre valorativa e homogeneizante, domesticando a criação potente do indivíduo quando produz verdades curriculares. A própria cultura é detecta enquanto um impecílio senhoril e redutor. Os impulsos se condenam na história da cultura e da civilização, numa perspectiva padronizada de formar alienações nos valores, mesmo que procedentes, há sempre uma hierarquia do sujeito submisso às próprias condições e vontades de potência, abrindo mão de si mesmo para ser parte de uma obediência ou de uma governabilidade. Ou seja, o homem é um animal domesticável, seja quando ensina, seja quando aprende. Lobo ou cordeiro, escravo ou senhor, somos valorativos e implicamos algo com o que estimamos. Conhecer e ser reconhecido é uma moral criadora do próprio sujeito. Neste sentido pensar numa autoridade que manipule as variadas interpretações numa sala de aula é desumano para Nietzsche, cada um teria a sua respectiva verdade de acordo com as próprias necessidades e circunstâncias, numa relação de troca mais do que de registros.

8) Por que o pensamento de Foucault tornou-se um forte aliado crítico às estruturas da escola contemporânea e por que o seu pensamento é instrumento atual capaz de provocar novas ações e atitudes no campo educacional?

Pois o posicionamento da educação enquanto uma condutora política, feito pelo autor, fez com que o poder disciplinar fosse distribuído não apenas produtivamente, como também por tudo que se refere ao corpo político da educação. Como é o caso do tempo, por exemplo, o qual quando respeitada a naturalização dos processos disciplinares, traz consigo uma organização das geneses para além das práticas pedagogicamente econômicas, ou em outras palavras, repetitivas e maquinárias. Claro que a ruptura com o olhar hierárquico de vigia e perseguição, a sanção cada vez mais normalizante das micro-penalidades e o exame em forma de dociês de exclusões e castrações são criticados por Foucault e detectados na estrutura contemporâneas. Tais constatações e apontamentos foucaultianos colocam em xeque a contradição da educação atual presa ao tempo de produção, ao tecnicismo e à alienação e nos leva para um patamar outro que não a ordem econômica vigente, sendo praticamente o oposto à educação cabível nesta sociedade.

9) A análise empreendida por Deleuze e Guatari da produção de rostidade na sociedade afeta diretamente a escola. Explique como a escola se torna uma máquina de rostidade e o que isto implica para as diferenças e as singularidades humanas.

A partir da produção de diferenças padronizadas em morais segmentárias, o homem perde seu fluxo de força e, também se instabiliza com a vulnerabilidade trazida por tal produção de subjetividades agendadas. O que Deleuze e Guatarri anunciam é esta redundância entre as singularidades e as objetividades sociais. O fluxo de forças são flexíveis, ou inflexíveis e rígidos ou centros de significancias que, sozinhos, culminam na alienação. Logo a instância micro- macro é aderida num entorno onde o ser é ontologicamente político, por necessidade. Ser tal quem significa, estabiliza os sentidos, identifica e ricocheteia, dando rosto às coisas. A própria rostidade se confunde com este ser, nesse sentido: ela é a censura, o limite, a definição. Seria muito pois, a chamarmos também e, por que não, de educação?
Nesta rostidade, como se vê, implode-se a noção de apreensão dando vazão à uma punição e bloqueio, o muro denunciado no livro de Deleuze. A crise na educação atual também sofre embate neste muro, ao não atravessar a definição ou vazar esta muralha gigante para além dos muros da escola. Não é à toa que o “buraco negro” será a saída dos autores, onde se permeia e possibilita um estado crítico e de olhar atravéz daquilo que se esconde por trás, daquilo que é impostamente diferente, mas por dentro das singularidades se encontram perdidos e vazios, tal como a situação encontrada em cada atitude agressivamente violenta e abismável de alguns alunos hoje.

resenha de O MESTRE IGNORANTE, Jacques Rancière.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
CAMPUS GUARULHOS

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
PROF. ALEXANDRE FILORDI

RESENHA DO LIVRO:
O MESTRE IGNORANTE
(JACQUES RANCIÈRE)

CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA
FILOSOFIA – 8º TERMO – NOTURNO

GUARULHOS
03/11/2011

A EMANCIPAÇÃO DA INTELIGÊNCIA PARA ALÉM DA SABEDORIA

“Sozinhos, eles haviam buscado as palavras francesas correspondentes àquelas que conheciam, e as razões de suas desinências. Sozinhos eles haviam aprendido a combiná-Ias, para fazer, por sua vez, frases francesas: frases cuja ortografia e gramática tornavam-se cada vez mais exatas, à medida em que avançavam na leitura do livro; mas, sobretudo, frases de escritores, e não de iniciantes. Seriam, pois, supérfluas as explicações do mestre? Ou, se não o eram, para que e para quem teriam, então, utilidade?”

Pode-se resumir a idéia central do livro de Rancière a partir dos questionamentos que o mesmo virá fazer a respeito do papel e conseqüências advindas do progresso racional sobre a educação. Para isso, ilustra com uma alusão histórica e filosófica a situação preponderante do conhecimento formativo até então nunca questionado por sua prepotência. Trata-se de uma “aventura intelectual” de Joseph Jacotot em 1818 utilizada para exemplo ao longo do livro: um autor francês que foi muito admirado por estudantes holandeses os quais desejavam aulas com o mesmo, porém ambas as partes não dominavam a língua correspondente para tal relação. Por meio de uma edição bilíngüe da obra Telémaco, a troca foi então possível. A questão colocada no livro a partir deste exemplo de experiência é a seguinte: há necessidade ainda de explicações exteriores à própria experiência da leitura? Qual o papel do mestre ao expor um outro raciocínio para esclarecer seus alunos? Apenas a de um reprodutor já que ele cria sobre os comentários de uma obra? E, finalmente: a problemática do papel da instrução coletiva por meio da necessidade em explicar algo enquanto uma evidência não discutível.

Deste impasse entre o mestre e o objeto estudado, no caso o livro, surgem distinções entre o que realmente seria essencial para o aprendizado, daquilo que somente estaria na educação enquanto um acessório, nem sempre percebido ou detectado. Em outras palavras, o critério superficial da autonomia do professor enquanto sendo aquele que explica é derrubado por Rancière. Porém a desmistificação está mais na estrutura de superioridade do professor no formato de patrão formador de fábricas de progresso e capital do que na importância de uma figura mais velha e experiente presente em sala de aula. A falta de diálogo no conhecimento quando advindo apenas de um lado na sala de aula é que destrói a cumplicidade construída pela descoberta que tanto aluno quanto mestre possam vivenciar.
É a quantidade de multiplicações que uma mesma matéria pode gerar para a sua melhor compreensão que o autor do livro atenta, contra as confusões que o entendimento imediato pode percorrer ou se deixar imprimir sem uma maior orientação. O professor agora é um orientador do caminho a percorrer pelo raciocínio de quem aprende, aquele que está distante do primeiro contato com a obra por já tê-la conhecido, disponibilizando outras oportunidades de juízos sobre ela. Não mais aquele quem domina e possui uma matéria a ser distribuída, pois conforme argumenta no livro, isto um pai pode muito bem presentear um filho dando-lhe um livro. É como no exemplo dado nos primeiros capítulos: uma criança age, anteriormente e sozinha sobre as palavras que reproduz ao escutá-las. Porém a “verificação” do que aquilo significa bem como sua compreensão é desenvolvida por meio das suas relações exteriores e suas associações combinatórias posteriores, as quais comporão sua lógica vocabular e avaliativa.

“A revelação que acometeu Joseph Jacotot se relaciona ao seguinte: é preciso inverter a lógica do sistema explicador. A explicação não é necessária para socorrer uma incapacidade de compreender.”

A crise na postura da educação hoje pode ser referida para demonstrar o quanto há a subestimação da capacidade que o aluno possui em aprender, o conflito existente entre a consciência da pessoa com a faculdade de raciocínio e aquela quem incide sobre ela como se fossem quase que praticamente de espécies animalescas e diferentes traz um problema grande de cumplicidade entre as características humanas de relacionamento e comunicação, quando na verdade deveria se complementar e referenciar em vez de interromper bruscamente uma leitura ou interpretação iniciante. No entanto, esta instrução necessita ser constituída não por meio do “embrutecimento” da capacidade humana em conhecer ao acomodar o aprendiz numa ordem explicadora cada vez mais esnobemente clara e dada enquanto resposta superior e indiferente. É assim que hoje confunde-se explicação com informação, por meio do menosprezo que se tem às capacidades humanas de entendimento lógico.
Rancière abre o seu movimento de argumentação referente à esta insegurança no poder de razão do aluno sentido pela imposição bruta do professor em “explicar o explicado”, ao desenvolver a análise sobre a distância imaginativa do professor de ir além da simples tradução. Não é à toa que a história utilizada como mote e exemplo factual é a aula de francês que Jacotot propõe e se atreve nas descobertas despertadas pelas vontades de expressão, mais do que pelas traduções: os alunos deste, mesmo sem entender ou precisar ouvir as explicações do professor, aprendem o francês e vão muito bem ao escrever sobre a obra estudada. É a vontade em traduzir, adivinhar o que tem por trás que surge dos alunos para o professor e não a partir deste último. Assim quem apreende se apropria do apreendido por si mesmo, ativamente. Neste sentido a educação para o autor de “O mestre ignorante” não seria a formação de instituir executivamente uma lei, mas a descoberta de criar reciprocamente um conhecimento. Em outras palavras, não teríamos aqui um professor reprodutor de explicações já fechadas, mas um mestre autor de concepções e vontades expressas livremente, um “mestre emancipador”. Neste aspecto temos alguns paralelos fortes entre este livro e a obra “educação e emancipação”, de Theodor Adorno, onde este também eleva o papel da educação ao encontro da emancipação versus à reprodutibilidade barbária existente nas escolas ocidentais:

"É preciso buscar as raízes nos perseguidores e não nas vítimas, assassinadas sob os pretextos mais mesquinhos. Torna-se necessário o que a esse respeito uma vez denominei inflexão em direção ao sujeito. É preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais atos, é preciso revelar tais mecanismos a eles próprios, procurando impedir que se tornem novamente capazes de tais atos, na medida em que se desperta uma consciência geral acerca destes mecanismos. Os culpados são unicamente os que, desprovidos de consciência, voltaram contra aqueles o seu ódio e sua fúria agressiva. É necessário contrapor-se a uma tal ausência de consciência, é preciso evitar que as pessoas golpeiem pra os lados sem refletir a respeito de si próprias."

O caráter libertador da situação em questão no livro porém, não exclui nem ignora a importância e diferença entre um método e outro. Para a absorção rápida de uma língua extrangeira tal método somente provocador e aberto foi suficiente. Mas alega Rancière que há sim uma interdependência entre a vontade imediata em aprender e inteligir na forma de teste e tentativa e o inteligir do gosto duradouro e histórico de um conteúdo intelectual. Ao primeiro o autor remete ao mestre “ignorante” e o último ao mestre “sábio”, afim de instigar ainda mais as nossas perspectivas críticas e atentas para averiguar astuciosamente o que limita ambos. Nessa espécie de socratismo é que o autor vai nos revelando a experiência em não saber para compreender juntamente, independente de um conteúdo dado, seja ele possuidor de seu domínio ou não:

“O ignorante aprenderá sozinho o que o mestre ignora, se o mestre acredita que ele o pode, e o obriga a atualizar sua capacidade: círculo da potência homólogo a esse círculo da impotência que ligava o aluno ao explicador do velho método (que denominaremos, a partir daqui, simplesmente de o Velho).Mas a relação de forças é bem particular. O círculo da impotência está sempre dado, ele é a própria marcha do mundo social, que se dissimula na evidente diferença entre a ignorância e a ciência. O círculo da potência, quanto a ele, só vigora em virtude de sua publicidade. Mas não pode aparecer senão como uma tautologia, ou um absurdo. Como poderá o mestre sábio aceitar que é capaz de ensinar tão bem aquilo que ignora quanto o que sabe? Ele só poderá tomar essa argumentação da potência intelectual como uma desvalorização de sua ciência. E o ignorante, por sua vez, não se acredita capaz de aprender por si mesmo – menos, ainda, de instruir um outro ignorante. Os excluídos do mundo da inteligência subscrevem, eles próprios, o veredicto de sua exclusão. Em suma, o círculo da emancipação deve ser começado.”

O que se propõe no ensaio, pois, é uma iniciativa de mudança. A partir do acaso em não saber, descobrir-se “qualquer coisa” e relacionar-se com o universal para ultrapassá-lo com o esquecimento do “velho”, este aqui referido como o ensino vigente a Rancière. E tal universal se refere ao próprio ensino enquanto independente de um conteúdo particular, pois “tudo está em tudo”, conforme é argumentado ao relatar o processo de apreensão e leitura do Telémaco estudado.
É também por meio da “procura” que se emancipa a si mesmo, assim é elucidado na comparação entre Sócrates e a ignorância, assim como na estrutura gramatical, moralista e física “velha” versus o encontro metódico com este acaso: “Em toda parte, trata-se de observar, de comparar, de combinar, de fazer e de assinalar como se fez. Em toda parte é possível essa reflexão, essa volta sobre si mesmo, que não é a pura contemplação de uma substância pensante, mas a atenção incondicionada a seus atos intelectuais, ao caminho que descrevem e' a possibilidade de avançar sempre, investindo a mesma inteligência na conquista de novos territórios.” Este acaso é o diálogo entre a vontade e a inteligência, entre a emancipação e a compreensão. Eis a cumplicidade do acordo entre as opiniões, aproximando agora uma crença na ciência mais enquanto teste do que enquanto observação causal e evolucionista. Isso também esclarece a justificativa dada por Rancière a respeito de nossas “performances intelectuais” estarem muito mais bruscamente imperiosas do que nossas vontades no âmbito cultural, o que denota ser um obstáculo para aplicação dessa sua maestria descrita. Igualmente assim também seria a noção de veracidade para o mesmo, sempre condizente com uma autonomia de si em direção à objetividade, e não o contrário: a língua, o pensamento ou as leis não interromperiam a compreensão plena das vontades:

“Todo o esforço, todo o trabalho do poeta é de suscitar essa aura em torno de cada palavra da expressão. É por isso que ele analisa, disseca, traduzas expressões dos outros, que ele apaga c corrige sem cessar as suas. Ele se esforça para tudo dizer, sabendo que não se pode dizer tudo,mas que é essa tensão incondicional do tradutor que abre a possibilidade de outra tensão, de outra vontade: a língua não permite dizer tudo, e "é preciso que eu recorra e meu próprio gênio, ao gênio de todos os homens, para adivinhar o que Racine quis dizer, o que ele diria na qualidade de homem, o que ele diz quando não fala, o que não pode dizer enquanto não é somente poeta."

Conclusão esta que se estende por grande parte do livro numa crítica emancipadora sobre a estrutura convencional pedagógica. Há uma constatação de impossibilidade prática da compreensão autônoma e destemida de violências repressivas no sistema progressista e envolvido com a efemeridade do desenvolvimento racional e industrial. Ao lado, porém, de uma expectativa de maiores desarrazoamentos a partir de um conhecimento próprio e construído igualmente pelo povo, pois o filósofo ainda enfatiza que muito menos ainda se pode contar com a própria história do conhecimento para se emancipar, a não ser por meio do que o autoritarismo da mesma já o fez ao instituir verdades cristalizadas e matar essas novas descobertas dando somente mais força para suscitá-las como fortaleceu, literalmente, o próprio Rancière...


BIBLIOGRAFIA:

RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante – cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução de Lilian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

ADORNO, Theodor. Educação e Emancipação. Tradução de Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

domingo, 4 de setembro de 2011

Carta ao futuro

Como um fiapo saído dos cílios da lembrança, hoje veio me cutucar um cisco inquieto a querer despertar aquela mais pura esperança, teimou em cismar o roçar de um rio afetuoso e desejos árvores dançantes até que conquistou: coçou-me o instante de uma lágrima!


Estou dentro de uma mala e a chave virou semente de ilusões que florescem em alguns pés de abraços. A fechadura, muito menos, há um tempão ela deixou de existir e foi visitar seus antepassados, a história do mundo, e essas coisas todas intelectuais que costumam nos regrar para a libertinagem, de alguma maneira. Bom, entendi, depois de bater muito com a cara, as partes todas do corpo, o nariz e os cotovelos arranhados pelo couro dessa bagagem, que é ali dentro aonde vou ter de sobreviver durante um período suficiente para eu não me esquecer mais, lembrar de mim o tempo todo e seqüestrar minhas relações pessoais, de fato, para mim mesmo. Para que eu recupere o que guardei tão bem guardado dentro daqui de dentro, é preciso não mais tirar a roupa de fora e ser nua, mas vestir a pele do avesso. Encarar minhas entranhas, ir fundo até no meu superficial. Isto é só um exercício de descoberta, auto-conhecimento e valorização da auto-estima, por mais torturador que pareça. Tortura é o não. O não ser por mim. Ainda acredito em autonomias, liberdades, escolhas e sujeito. E não era nada disso que eu precisava te dizer. É somente sobre o esquecimento. Isto é um esquecimento, esse egoísmo todo é um esquecimento, e escrever pra mim sempre foi uma despedida, não um encontro.

Eu já esqueci demais a vida. É como se eu estivesse morta no passado, pois não tenho muita memória. Tudo anda automático e efêmero a ponto de eu não acompanhar minhas lembranças o suficiente, as coisas simplesmente expiram. Quando não há mais memória também não se suporta o esquecimento. Não concordo unicamente com o presente. O presente precisa do tempo, não está parado nunca. E eu preciso de passado, neste momento. Estou numa fase de entender um esquecimento que me veio imposto por encomenda, forçado com isso e somente por isso, a ser lembrado. Temos várias formas de organizar o que queremos lembrar, ás vezes é o conteúdo da lembrança que nos forma, ou transforma. Às vezes somos moldados e esquecidos por falta de memória. Sei que não quero mais me alienar de meu passado porque nele eu me encontrarei. Quando crianças ou mais novos, temos a tendência de idealizar e iludir nossa personalidade para formá-la, para almejá-la, para percorrer os caminhos que queremos. Estou exatamente no momento de passagem, em que já sonhei e percorri algo. É neste algo que me volto agora afim de me entender um pouco, nao somente com o que quero ser, mas com o que já fui e tenho até agora. Quero não trair a mim mesma, ser real. Nem somente ideal, nem somente material. A própria fechadura, também se virou para dentro, juntamente com a mala comigo presa lá, e é necessário recompor um universo para que eu me abra para o mundo novamente e encontre realmente tudo o que guardo do outro lado. O outro lado é o presente-passado, e eu o passado-presente, pois nos completamos, e os dois junto é que é o futuro. O limite é virtual e apenas uma ferramenta, sempre me foi apenas um espelho reflexivo. Nele podemos ser esquecidos ou lembrados, dependendo da perspectiva donde se olha.
E concluindo agora mais direta: estou numa crise de identidade sim. Tenho isso mais ou menos de quatro em quatro anos, pois adoro mudar para inclusive transformar o mundo. Sim, sou utópica inclusive com o amor. Nem sempre ele acompanha o mundo, a maneira como amamos hoje me soa muito ingrata e egoísta, mesmo essa livre é meio burguesa: nós podemos até ser livres, mas o amor ainda não o é, ele continua sendo um sentimento social e (per)seguido por todos, com as circunstâncias de todas as forças coletivas e morais. Sei que pra você não preciso falar tudo isso, mas isso que chamamos de amor ficou somente na lei da palavra, podemos sempre inventar sentimentos e relações e esse que é o melhor barato. Já me acho conservadora quando sinto coisas próximas ou imutáveis por pessoas, do tipo a necessidade de vê-las, de ter saudades, cultivá-las. Mas essa ânsia incômoda por mudanças pra mim é que é uma crise perturbadora, um sinal de que estou fugindo das coisas que já senti. É um sintoma do quanto me machuquei e preciso me perdoar pra aceitar meus sentimentos pelos outros.
Aceitar novamente até o amor convencional seria um passo de evolução. Esse é meu impasse entre: amar e ser. O amor não é, a gente é que ser. Vou contra meus princípios se amo sem rever meu ser, sem me redescobrir. E se eu fizer isso dentro de um amor, já estarei me traindo. Se eu não amar também, estarei fugindo. É como te falei, quero dar prioridade pra mim por inteira, não mais somente para o amor. E eu fiz muito isso de separar uma coisa da outra para me defender, pois adoro me entregar e ser intensa nos sentimentos, esquecer de mim. Mas antes disso preciso me amar primeiro, ou amar o amor. Uma relação se dá com duas pessoas inteiras e isso é o mais lindo, senão não há encontro, há leviandade e consumo. É uma questão de tempo isso, só, nada muito grave, mesmo. Mas é algo que precisa ser. E não pode ser ignorado ou esquecido, como me foi por muito tempo. Por isso é questão de tempo mesmo: de lembrar-me desse mim esquecido.
Você, uma das únicas pessoas que me permitiram ser egoísta a ponto de escrever e assumir tudo isso. Porque entrou, de fato, no meu coração e fez com que eu também me amasse por te amar. É incrível o quanto se reinstaurou toda uma vontade contida que eu tinha de ser, de acreditar. A certeza pra mim sempre foi incomoda até que eu a descobrisse nos sentimentos. Você é um sentimento. Único. O que já me coloca na velha maneira de amar egoistamente, e de idolatrar uma pessoa. Eu só sei amar, não consigo deixar ser amada, isso é um problema feminino. Mas tenho esperança que estou prestes a superar, se houver paciência e compreensão. Ao mesmo tempo não acho nada justo isso, pois sou leviana do mesmo jeito ao fazer isso com você, só por minha causa. Sei que por você não há problema e está muito livre desses impasses pequenos e individuais, mas me preocupo muito com as minhas intensidades sobre você, elas são perigosas e eu gosto muito de senti-las.
Eu sou viciada na linguagem do coração e como ele é capaz de se comunicar melhor do que nós. Isso me desequilibra bastante, ele se impõe mais do que eu. Ele te ama mais do que eu, ele foge dos meus pensamentos e do que acredito ou tento acreditar. Então resolvi buscar mais o que vivi do que o que sonhei, mais o que senti, e isso tem a ver com o amor porque tem a ver com o passado. O coração conta todas as batidas do nosso tempo, o que somos, fomos, queremos ser, o nosso ritmo interior e real, a coisa que mais nos conta. Vou atrás de ouvir a história que ele tem pra me contar já faz tempo...


Há um cisne flor embaixo de um sorriso arborizado de nuvens doces. Como eu nunca snookei essa lua desejada antes? Tão cheia de enamoros vazios de perplexidades minguantes. Cresce então essa cobiça nova novamente em mim. Licor carente de ainda mais humor? Mas toda a gaita de rancor que trago é por demais alucinógena, sulga teus suspiros todos. E ainda aguda, grita aguçante por qualquer orgasmo de instantes. Semente-me ter, meta isto não apenas lá na cabeça: jamais é acolhido o que somente planta. É verde a cama por isso: não é esperança. Mas brinca por favor com a minha conchinha na areia? Vamos nadar juntos. Banho de libidos eu aceito quando for de chuva suculenta que baba por um sol todo derretido. E a vida é assim, bolada pelos nossos sentidos a ser viajada de toda nisso. Desculpe a demora, é que a luz da minha cabeça não quer apagar e implora por não te esquecer de interruptor balançando na rede das minhas mãos. Não chora tua insônia para mim senão vou ninar o seu manto inteiro de bolas de sabão telepaticamente coloridas. Entre o meu sonho e a tua música sonífera e hipnotizante há nipes de baralho jogando RPG com damas de xadrez. E eu adoro todo esse flerte místico e infantil. Mas onde é que eu estava mesmo quando não me encontro em outro lugar senão aqui?