domingo, 4 de setembro de 2011

SEMINÁRIO SOBRE O ENSAIO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS

SEMINÁRIO FIL. MODERNA II
ENSAIO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS
(J. J. ROUSSEAU)

Cristilene Carneiro da Silva - Filosofia, Noturno, 7º termo

2º parágrafo do cap. XI

Segundo Rousseau, há línguas que, por tão aperfeiçoadas e articuladas no decorrer da história de sua escrita, são razoavelmente mais apreciadas ao serem lidas do que ao serem ouvidas, devido ao truncamento rebuscado de suas variadas consoantes. Rousseau exemplifica com o francês, o alemão e o inglês. Outras, mais calorosas, perdem muito de sua pronúncia ao serem escritas, e não faladas, pois é muitas vezes o acento entoado que propicia o seu sentido, por exemplo o chinês e as línguas orientais. Porém o árabe e o persa estão no patamar profético de anunciação.
O argumento de Rousseau para considerar essas duas últimas como tal, é a própria relação humana. No segundo parágrafo do capítulo XI, ele identifica um sujeito antecessor a uma moral julgadora. E por isso o cuidado em apreciar as ações humanas considerando todas as suas relações, e não somente a partir daquilo que já nos compõe: “quando nos colocamos no lugar dos outros, o fazemos tal como já somos, modificados, e não como devem ser eles, e , quando pensamos julgá-los baseados na razão, só conseguimos comparar seus preconceitos com os nossos.” Esta afirmação é diretamente associada com o que o autor afirma em seguida, a respeito da história da escrita. Assim como esta, o homem se aperfeiçoou em complexidades a ponto de não acessar o outro, a não ser preconceituosamente. Starobinski trata dessa relação humana em Rousseau e denota esse impasse entre o sujeito e o mundo por essa tendência social através da separação:

“Tendo desenvolvido seus idiomas próprios, suas particularidades culturais, os grupos são mais estranhos uns aos outros do que o eram entre si os indivíduos solitários do começo. A maior coerência interna é contrabalançada pela separação e logo pela rivalidade belicosa entre tribos (ou nações). Tudo se passa como se, aos olhos de Rousseau, um certo coeficiente de separação tendesse a permanecer constante. A socialização, que reduz a separação em um sentido, não pode evitar produzi-la e aumentá-la em um outro sentido.”

E o exemplo dessa distância na língua é descrito por Rousseau sobre a leitura do Alcorão: “Alguém, por saber ler um pouco de árabe, sorri ao folhear o Alcorão, mas, se tivesse ouvido Maomé a proclamá-lo, em pessoa, nessa língua eloqüente e cadenciada, com aquela voz sonora e persuasiva que seduzia o ouvido antes de seduzir o coração e animando incessantemente suas sentenças com o acento do entusiasmo, prostrar-se-ia ao solo, gritando: ‘Grande profeta, enviado de Deus! Levai-me até a glória e o martírio; desejamos vencer ou morrer por vós’.” Ou seja, uma coisa é lermos o Árabe ou o Persa hoje, outra seria ouvi-los naquela época. Assim como ainda podemos complementar essa afirmação com o comentário a respeito dos poemas homéricos investigados por Rousseau, que Arbousse-Bastide faz na introdução dessa edição do ensaio:

“Não se creia, contudo, que a arte de escrever dependa da arte de falar – sua evolução prende-se a outras necessidades que são, sobretudo, de precisão e clareza. Inevitavelmente, pois, a escrita altera a língua, tirando-a do domínio da paixão desejosa de exprimir-se para entregá-la à força e à clareza da razão.”

Na conclusão do parágrafo, Rousseau ainda evidencia um fator já anteriormente omitido: o tempo. Pois assim como há diferenças entre a leitura profética do alcorão hoje e a sua escuta antigamente, também conclui que no momento em que escreve o mesmo, já não haveria mais fanáticos para se ouvir, daí então o juízo que lhes damos enquanto “ridículos”, pois eles já o seriam detectados enquanto “loucos” ou “espertalhões”. Eis a inversão da inflexibilidade que propicia as paixões e inspirações, até mesmo da “horda” ou grito da natureza. As paixões, com o tempo e a artificialidade, foram inseridas no âmbito da loucura:

“O fanatismo sempre nos pareceu ridículo porque não encontra entre nós uma voz para se fazer ouvir. Os nossos fanáticos não são verdadeiros fanáticos: não passam de espertalhões ou de loucos. Nossas línguas, em vez de possuírem inflexões convenientes aos inspirados, só têm gritos para os possuídos pelo diabo.”

A desesperança no rumo das paixões é gritante neste último trecho do capítulo onde Rousseau deposita as conseqüências do arrazoamento da língua por meio de suas diferenciações históricas, a ponto de deslocar as paixões naturais do ser para um patamar de anomalia e loucura.

“Da mesma maneira que o nascimento da sociedade corresponde à emergência da linguagem, o declínio social corresponde a uma depravação lingüística. O risco de um abuso da palavra está constantemente presente no espírito de Rousseau. A linguagem enganadora é um dos elementos principais do fundo obscuro que Rousseau crê perceber atrás de cada um dos abusos do momento presente. A ‘presente constituição das coisas’ inscreve-se sobre um fundo tenebroso, e a tarefa da história é de nos dizer como este suplantou a luz do mundo natural.”


BIBLIOGRAFIA
ROUSSEAU, J. J. Ensaio sobre a origem das línguas. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1999 d. (Coleção Os pensadores; v. I).

STAROBINSKI, Jean. “Rousseau e a origem das línguas”. In: “Jean – Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo, seguido de sete ensaios sobre Rousseau”. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

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