domingo, 4 de setembro de 2011

OS SONHOS E A INTERPRETAÇÃO DA LOUCURA em Freud

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
CAMPUS GUARULHOS

DISSERTAÇÃO FINAL DE FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA II
PROFESSOR TALLES AB'SABER
ALUNA CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA
FILOSOFIA, 7º TERMO, NOTURNO

SÃO PAULO
07/2011

OS SONHOS E A INTERPRETAÇÃO DA LOUCURA

“Os sonhos cedem ante as impressões de um novo dia, da mesma forma que o brilho das estrelas cede à luz do sol.”

Para realizar uma ultrapassagem das ciências filosóficas de cura, muito utilizada por médicos de sua época, e dar um utilitarismo à metafísica da ciência por meio da psicanálise, Freud investigou não somente os limites entre os sonhos e a vigília, como também os fundamentos desse primeiro. A fim de dar um valor concreto às causas de anomalias comportamentais, para além das loucuras moralmente diagnosticadas, ele cientifica os processos psicanalíticos numa exposição densa do percurso de pesquisas a respeito dos sonhos e, conseqüentemente, do papel da moral sobre as psicoses.
O que distingue, de fato, a vigília do sonho e sobre tudo, porque a realidade seria distinta destes? Até que ponto nossa consciência age durante o onírico, ou em que medida o universo das circunstâncias influenciam o sujeito? Tais são algumas das perguntas inicialmente psicanalíticas, mas que abrangem profundamente, uma filosofia própria e autônoma a partir dessa psicanálise.
No primeiro capítulo do livro “A interpretação dos sonhos”, Freud argumenta pacientemente a sua tese a respeito do caráter de realização de desejos dos sonhos. Já nesta primeira parte, ele inicia uma correspondência com as origens infantis dos desejos inconscientes ao descobrir no sujeito a vontade de dormir, dada pelo sono. Por meio de uma investigação antropológica do pensamento de psicólogos até então, o autor acompanha minuciosamente as afirmações mais importantes já exploradas na história sobre os sonhos, mostrando seus pontos plausíveis e descartando outros não tão concebíveis para sua construção.
Toma-se como paradigma a fonte dos sonhos. Com o axioma de que “existe uma técnica psicológica que torna possível interpretar os sonhos” , há a denotação de processos causais da subjetividade onírica relacionados com a natureza das forças psíquicas que o geram [os sonhos]. Freud argumenta historicamente, o quanto houveram tentativas de explicar os enigmas dos sonhos por meio de seus efeitos, porém muito raramente por meio de sua procedência. Os povos clássicos gregos, por exemplo, tinham uma visão dos mesmos enquanto ditames futuros e provindos de adivinhações divinas. Em contrapartida com Aristóteles, o qual denominava os sonhos através de uma natureza não divina, porém demoníaca por partir do próprio homem e ser subjetiva. E assim sucessivamente é estruturada uma lógica explícita das incoerências nas explicações já dedicadas aos sonhos que percorre todo o capítulo, sempre enfatizando-se porém, as relevâncias com maior fundamento. Já se implícita, com isso, a transformação para além do conteúdo interpretativo dos sonhos, rumo à transgressão desta carência por maior profundidade e seriedade na orientação técnica e estrutural dos mesmos: “Essa variação no valor que se deveria atribuir aos sonhos estava intimamente relacionada com o problema de ‘interpretá-los’.”
Dessa possibilidade de uma função mais técnica de logicizar o sonho a partir de orientações organizadas não unicamente a partir do que nossa própria vigília e pensamento consiga alcançar, segue uma lógica experimental e observadora dos próprios sonhos, em si mesmos. Não apenas da maneira razoável e científica, mas através das comparações associativas da experiência perceptiva durante o sonho, bem como a observação dos testes representativos imagéticos e simbólicos no mesmo. Assim como a modificação fisiológica que é trazida pelo sono à nossa mente instaura uma relação de necessidade com a vida de vigília, maior e outra do que a análoga apreensão do conteúdo do real nos representado, igualmente a quando despertos, pois senão o motivo de nossa dormência se esvairia e seríamos, ou todos alucinados em vigília, ou todos sem sonhos no sono. Em outras palavras, Freud considera a questão onírica diretamente relacionada também com a função do descanso mental trazido do sono. Porém, não somente com o descanso, como inclusive com os impulsos externos e internos. Dando, com isso, nem a suposição de uma total passividade apenas receptiva e somática de quem sonha, nem uma completa atividade próxima da representação consciente desse mesmo sujeito.
Ao passo que explicita também, com o pensamento de outros filósofos, o quanto muitos conteúdos vivenciados em vigília podem surgir na memória onírica, a qual também diferencia-se logicamente da memória construída conscientemente. Conteúdos estes lembrados que podem ser, tanto situações efêmeras e banais, quanto outras já esquecidas e atenuadas. Esta memória onírica é um forte argumento de que há uma atividade nos sonhos diferente daquelas percepções sentidas pela retina do olho, internamente, ou pelos outros sentidos, via externa. A grande questão articulada, neste ponto do capítulo é: somos responsáveis (e até que ponto ativamente) pelo material dos sonhos, ou ainda se o que diferencia os dois estados (vigília e sonho) é apenas a passividade fisiológica do sono?
Freud discorre também a respeito de experimentações hipermnésicas e hipnagógicas nas quais alguns métodos eram praticados a fim de provar a memória de conhecimento e de fonte imagéticas, respectivamente. As lembranças infantis também aparecem aqui enquanto matérias primas da reprodução ressaltadas por essa memória pelo fato de serem próximas às banalidades efêmeras ou longínquas e já atenuadas. Um argumento para comprovar isso é utilizado com a descrição de um exemplo onírico citado por Maury, com quem Freud acompanhar-se-á até o fim do movimento do capítulo, em que um Monsieur é lembrado no sonho com a aparência de mais jovem do que na realidade presente, devido à sua memória infantil lembrar-se de como tal sujeito o era e concluir, então, sua temporalidade influente sobre o sonho. Com isso, o filósofo também observa o quanto essas reproduções indiferentes, sem importância e remotas que a memória onírica traz, geralmente é confundida com a sua falta de valor, desprezo ou superficialidade na atenção aos sonhos.
Em seguida, os pensamentos freudianos concluem, com isso, uma contradição entre aqueles que consideram os sonhos como simples esquecimentos parciais da vida de vigília, em contraste com tais lembranças elucidadas somente ao sonhar, por exemplo. Permitindo-nos um elo a priori dos conhecimentos oníricos, enquanto objetos de estudos e mesmo práticas dialéticas entre ambos. Por trás disso podemos encontrar, a fisiologia do aparelho mental versos a psicologia do sujeito, ou mais ainda, os processos somáticos ante os associativos, respectivamente. Porém a dialética freudiana está exatamente no decorrer de suas conclusões perante cada ponto de vista mencionados contraditoriamente: "tanto os estímulos somáticos quanto as excitações mentais podem vir a atuar como instigadores dos sonhos".
Em seguida, a investigação entre as estimulações e as fontes oníricas: interiores (as que surgem da retina, dos órgãos, das dores etc.) , exteriores (os fatores externos que afectam nosso cinco sentidos) e as psicológicas (preocupações, sofrimentos etc.); percorrem uma longa passagem até serem discernidas dentro de relações de substituição que as mesmas podem nos causar, a partir das subjetividades de cada indivíduo que associa, de acordo com suas vivências. Com exceção dos sonhos típicos, aqueles cuja orientação já prossegue familiar em muitos indivíduos devido à freqüência recorrente de ocorridos. O que não exclui o fato de, tais associações também serem objetivas e somáticas, além de psíquicas, sintomáticas com relação ao reconhecimento de doenças, por exemplo, bem como expressividades emotivas. Porém, ainda nisso há um processo arbritrário dentro da tentativa determinista de diagnosticar os sonhos apenas pelos processos fisiológicos e somáticos.
Não satisfeito com tal conclusão crítica aos processos somáticos, surge agora a articulação de um movimento argumentativo que investigará as fontes psíquicas. Pois seu objetivo continua a ser o da origem dos sonhos mais que de como os mesmos se dão na mente. Com a afirmação já prevista de que o processo associativo, preferido e aceito acima, seria psíquico, Freud ainda insiste num enigma ainda outro a não ser a estrutura associativa reluzente: o preenchimento das lacunas entre as representações imagéticas por meio de algo justaposto e simbólico. O termo "inconsciente" ainda não é exposto por Freud neste capítulo, porém há uma disponibilidade de gesticulá-lo por meio das experiências das imagens oníricas, involuntárias e crentes, por ocorrerem na mente sem a presença impositiva de uma "autoridade do eu". O que não cessa a atividade subjetiva da mente. E são essas mesmas crenças quem articulam e conectam as imagens dispostas. É o interesse em acreditar, em dormir, e em dispor o relaxamento do pensamento, que presencia, de certa maneira, um determinismo e uma moral. Aqui também cabe algo próximo da consciência. Logo, o valor psíquico também está ligado a esse "desligamento" parcial do mundo externo e de uma "autoconsciência" assim distanciada de uma consciência.
É através dessa dialética entre a substância onírica e suas conexões, ou da consciência moral interligando lembranças repentinas e involuntárias que surge também o recalque: "os impulsos morais possuem certo grau de poder até mesmo na vida de vigília, embora seja um poder inibido, incapaz de se impor à ação, e que, no sono, desativa-se algo que atua como uma inibição durante o dia e nos impede de nos conscientizarmos da existência de tais impulsos." Disso obtemos claramente duas partes componentes e complementares nos sonhos: uma que conduz e a outra que é conduzida, uma que sente e é afetada e outra que ilude e organiza em símbolo vivido e assim, representado.
Mas até mesmo esta contraposição encontrada por Freud, em que há um complemento entre as contradições, será questionada pelo filósofo na curiosidade de estabelecer um método de como tais dependências se dão na passagem da vigília ao sonho, se em graus proporcionalmente contínuos ou não. Para isso, serve-se novamente de Maury, Hildebrandt e Robert, sendo os dois primeiros objetos constantes de sua análise. No primeiro não considera o vislumbre de encontrar uma função para o sonho devido à possibilidade de uma vigília no mesmo. Do último, serve-se apenas da função de complementaridade entre as passagens interrompidas na vigília e a possibilidade de realizá-las em sonho, porém critica o fato de serem apenas uma espécie de excremento e inutilidades expulsas somaticamente, contudo ainda não associativas.
Freud encontra, então, na "atividade simbolizadora", uma responsável pela produção onírica em que "os estímulos somáticos não fazem mais do que fornecer à mente material que ela possa utilizar para suas finalidades imaginativas" , conforme enumerado por Scherner. Pois este argumenta que ela permanece presente em todos os sonhos. Mesmo assim, Freud ainda encontra fantasias pertinentes nessa teoria por faltar categorias mais profundas de universalidade.
Por fim, o filósofo conclui seu capítulo conectando tais descobertas com o início de seu prefácio a respeito das ciências médicas e seus limites causais, apontando algumas relações entre as doenças mentais e os sonhos, numa árdua tentativa de revê-los:
“A indiscutível analogia entre os sonhos e a loucura, que se estende até seus detalhes característicos, é um dos mais poderosos suportes da teoria médica da vida onírica, que considera o sonhar como um processo inútil e perturbador e como a expressão de uma atividade reduzida da mente. Não obstante, não se deve esperar que encontremos a explicação final dos sonhos na linha dos distúrbios mentais, pois o estado insatisfatório de nossos conhecimentos acerca da origem destes últimos é genericamente reconhecido.”

BIBLIOGRAFIA

FREUD, Sigmund. Obras Psicológicas completas de Sigmund Freud: Volume IV: A interpretação dos Sonhos (I) (1900). Rio de Janeiro: IMAGO, 1996.

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