domingo, 4 de setembro de 2011

Merlau Ponty - A percepção do sujeito

UNIFESP – UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS HUMAS II
PROFESSOR ALEXANDRE CARRASCO

FILOSOFIA – NOTURNO – 6° TERMO
CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA

DISSERTAÇÃO FINAL:
A PERCEPÇÃO DO SUJEITO

São Paulo
09/01/2011

A PERCEPÇÃO DO SUJEITO


“Pois se posso falar de ‘sonhos’ e de ‘realidade’, se posso interrogar-me sobre a distinção entre o imaginário e o real, e pôr em dúvida o ‘real’, é porque esta distinção já está feita por mim antes da análise, é porque tenho uma experiência do real assim como do imaginário, e o problema é agora não o de investigar como o pensamento crítico pode se dar equivalentes secundários dessa distinção, mas o de explicitar nosso saber primordial do ‘real’, o de descrever a percepção do mundo como aquilo que funda para sempre a nossa idéia de verdade. Portanto, não é preciso perguntar-se se nós percebemos verdadeiramente um mundo, é preciso dizer, ao contrário: o mundo é aquilo que nós percebemos."


Enquanto o real e o imaginário são distinguíveis, porém apenas argumentados pela vigília e o sono, numa ciência pura ou do juízo, mais próxima à reflexão correlativista e analítica; na fenomenologia se tem uma realidade mais antropológica, isto é, mais próxima da percepção e das ciências da memória não para distinguir tais liames, mas para descrever cada acontecimento, independentemente de suas causas. Por conseguinte, a imagem, mais ainda, permanece assim, um objeto crucial desse estudo da percepção. Porém a proximidade involuntária do “eu” ativo e narrador, trazida pela loucura na metafísica cartesiana, onde esta aparece mais como engano do que como oposta à consciência, é o que é questionado no discurso sartreano. Já Merlau Ponty questiona não tanto por meio do paradoxo da “consciência da loucura” quanto por meio da ruptura cartesiana com a percepção: a existência e a liberdade das imagens que obtemos, está no “intencionalismo” que damos aos fatos, mas sejam eles oníricos ou não, sempre há um sujeito que percebe por trás deles:

“O mundo que eu distinguia de mim enquanto soma de coisas ou de processos ligados por relações de causalidade, eu o redescubro ‘em mim’ enquanto horizonte permanente de todas as minhas cogitationes e como uma dimensão em relação a qual eu não deixo de me situar. O verdadeiro Cogito não define a existência do sujeito pelo pensamento de existir que ele tem, não converte a certeza do mundo e, enfim, não substitui o próprio mundo pela significação do mundo. Ele reconhece, ao contrário, meu próprio pensamento como um fato inalienável, e elimina qualquer espécie de idealismo revelando-me como ‘ser no mundo’.”

O empenho que alguns pensadores da fenomenologia depositam no argumento do sonho cartesiano não é casual. Eles detectaram a partir das generalidades feitas entre erro, ilusão e loucura, por exemplo, problemas fenomenológicos de caracteres imagéticos. Dos quais a significação dos estímulos sensíveis seria dado também pela imagem, mas Descartes defende que a semelhança entre a imagem e a coisa pouco tem a ver com uma adequação, pois a imagem se forma por indícios ópticos e sensíveis. E que pela visão não se obtém o conhecimento epistemológico. Porém não há um limite crítico e fundamentado fora da moral para averiguar as causas que expliquem a distinção entre sonho e vigília em Descartes. É o âmbito da opinião pessoal que predomina nas idéias claras e distintas, se considerarmos o método cartesiano conforme também a aplicação do mesmo nas “meditações metafísicas”. Pois ali está o narrador da experiência, que por meio dos efeitos retira um “substrato de certeza simples”, nos sonhos ou na metafísica sobre o real, mantendo então esta dependência da imagem ou significação que o sujeito faz sobre um objeto.
Assim é que Sartre caracterizará o louco de Descartes num patamar estereotipado e caricatural, não em torno de uma psiquê, mas simplesmente enquanto aquele que se engana sensivelmente. Ora, a idéia de uma falha na adesão ao mundo não mais ocorre quando nos surge uma “crítica da razão pura” ou outras “investigações sobre o entendimento humano” e “investigações filosóficas” as quais põem em cheque mate as epistemologias e psicologias vigentes em favor máximo do alcance à coisa em si ou de uma verdade que não seja simplesmente lógica e lingüística, conforme o faz o próprio Descartes. Porém após tal desconstrução na lógica aristotélica até então muito utilizada pelos últimos, resta-nos estudar a loucura agora para além de tais ilusões a respeito dos enganos morais, mas sim um imaginário que diga respeito aos sentidos. É o que Sartre sugere, uma genealogia do erro cartesiano, e ainda assim do ponto de vista de um narrador o qual se encontra no plano metafísico no caso de “meditações”. Enquanto que para Descartes é o conhecimento ainda a essência da coisa, e não a imagem. Seu objeto de conhecimento ainda a reflexão, e não a descrição. A imaginação e a memória aparecem apenas enquanto vias de se relacionar com o sensível.
Para Sartre o âmago da filosofia cartesiana é a importância dada à consciência, por meio da reflexão. O próprio narrador metafísico, o qual se distancia do fato ou problema pessoal a fim de tomar uma posição formal mas ainda assim baseado numa evidência que vem de uma crença espontânea, de uma consciência mesmo que em atividade, não participa tanto dos sentidos ou do corpo. Diferentemente do “para si” sartreano, há uma meditação mais subjetiva em termos de opinião, em Descartes. Uma menor preocupação de ligar o cogito pessoal ao externo, mas sim e no máximo ao extenso de seu próprio corpo. Com tal argumento é que Sartre também evidencia a importância da passividade de uma consciência imediata e de um suposto “para o outro”, afim de também dar existência aos fatos, ao real e à relação do ser no mundo.
Ao passo que tal experiência íntima dessa verdade cartesiana passa por um existir mais espiritual e moral, descolado do sensível e perto da atividade das idéias, estas até mais reais que o sensível, uma existência “cogitativa”, mais perto da consciência reflexiva do existir do que do existencialismo, em situação. E é aqui que aparece a psicologia fenomenológica sartreana sobre o plano transcendental para desfazer, ou melhor, ultrapassar o suposto “estoicismo” detectado em Descartes: a imagem que se dá imediata na percepção, enquanto o conjunto que constitui a imagem, e seu eidos enquanto objeto da consciência e sua constatação da mesma, numa relação de intencionalidades, mesmo que não metafísicos. A imagem enquanto sendo este objeto intencional e relacionado imediatamente com a consciência de algo. E a forma da experiência imagética se instala no objeto, formando o seu conceito. Assim, a imagem não está na coisa para Sartre, mas a coisa está na imagem. Por meio da consciência imediata e espontânea, a imagem forma o objeto. Isso dispõe a possibilidade do sujeito em relação ao objeto, numa correspondência em partes objetiva (no momento espontâneo) e em partes subjetiva por ser um eu reflexivo agindo posteriormente à percepção imediata. Logo a imagem é ainda um recurso de ligação e correlação do ser com as coisas, e não somente empírica conforme sugerira Descartes.
Bem como também Merlau Ponty acompanhará com outras palavras: aquilo que Sartre intitula consciência imediata, ele busca na “essência da percepção”. Em sua filosofia, o que liga o ser no mundo de fato é a percepção e a significação da mesma por meio da imagem. Utiliza-se para isso, de um reducionismo da consciência a fim de subjetivá-la também ao intencionalismo:

“Trata-se de reconhecer a própria consciência como projeto do mundo, destinada a um mundo que ela não abarca nem possui, mas em direção ao qual ela não cessa de se dirigir _ e o mundo como este indivíduo pré-objetivo cuja unidade imperiosa prescreve à consciência a sua meta”

A consciência portanto, aparece como irrefletida e opaca assim como o “em si” e o ego sartreano. Porém a sua atividade não é diretamente ligada a outros graus de consciência como em Sartre, mas sim às próprias imagens e percepções. Mesmo que subjetivista em muitos aspectos fenomenológicos, M. Ponty não distancia as imagens do mundo real como o faz Descartes em seu cogito. Ele as apropria e utiliza o argumento do sonho, por exemplo, para mostrar o quanto mesmo antes de serem imagens, são imagens que um indivíduo projeta e descreve, mais do que avalia. Esse ato de descrição transvaloriza a consciência para um patamar mais próximo do mundo real e perceptível do que daquele somente reflexível:

“A percepção não é uma ciência do mundo, nem mesmo um ato, uma tomada de posição deliberada; ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles. O mundo não é um objeto do qual possuo comigo a lei de constituição; ele é o meio natural e o campo de todos os meus pensamentos e de todas as minhas percepções explícitas. A verdade não habita apenas o homem interior, o homem está no mundo, é no mundo que ele se conhece.”

Logo, a fenomenologia de Ponty descarta as euforias analíticas para se ater também às prescrições fatídicas num positivismo fenomenológico, intersubjetivo e ético, não deixando de agregar também o transcendental dado na própria consciência pelas imagens:

“Mas, se existe uma natureza do sujeito, então a arte escondida da imaginação deve condicionar a atividade categorial; não apenas o juízo estético, mas também o conhecimento repousa nela, é ela que funda a unidade da consciência e das consciências.”

Com isso, efetiva-se a relação inicial de sujeito consciente prescrita por Descartes, mesmo que se de maneira involuntária e equivocadamente, às questões fenomenológicas que caminham e mudam também de acordo com os fenômenos, portanto é característica desses filósofos não mais investigar uma essência verdadeira, mas unicamente as verdades na percepção e nas imagens das “essências”, vias necessárias para apreensão consciente dos fatos, não mais distanciada ou segregada nas investigações como eram na história da filosofia epistemológica de muitos pensadores. Uma bela passagem do prefácio da fenomenologia da percepção sintetiza e pode nos concluir melhor tal ponto de vista:

“Este movimento é absolutamente distinto do retorno idealista à consciência, e a exigência de uma descrição pura exclui tanto o procedimento da análise reflexiva quanto o da explicação científica. Descartes e sobretudo Kant desligaram o sujeito ou a consciência, fazendo ver que eu não poderia apreender nenhuma coisa como existente se primeiramente eu não me experimentasse existente no ato de apreendê-la; eles fizeram aparecer a consciência, a absoluta certeza de mim para mim, como a condição sem a qual não haveria absolutamente nada, e o ato de ligação como fundamento do ligado. Sem dúvida, o ato de ligação não é nada sem o espetáculo do mundo que ele liga; a unidade da consciência, em Kant, é exatamente contemporânea da unidade do mundo e, em Descartes, a dúvida metódica não nos faz perder nada, visto que o mundo inteiro, pelo menos a titulo de experiência nossa, é reintegrado ao Cogito, certo com ele, e apenas afetado pelo índice “pensamento de...”. Mas as relações entre o sujeito e o mundo não são rigorosamente bilaterais: se elas o fossem, a certeza do mundo, em Descartes, seria imediatamente dada com a certeza do Cogito, e Kant não falaria de ‘inversão copernicana’. A análise reflexiva, a partir de nossa experiência do mundo, remonta ao sujeito como a uma condição de possibilidade distinta dela, e mostra a síntese universal como aquilo sem o que não haveria mundo. Nessa medida, ela deixa de aderir à nossa experiência, ela substitui a um relato uma reconstrução. Compreende-se através disso que Husserl tenha podido censurar em Kant um “psicologismo das faculdades da alma” e opor a uma análise noética que faz o mundo
repousar na atividade sintética do sujeito a sua ‘reflexão noemática’, que reside no objeto e explicita sua unidade primordial em lugar de engendrá-la.”















































BIBLIOGRAFIA

MERLEAU-PONTY, M. O. Fenomenologia da Percepção, In: Textos Escolhidos (Os Pensadores). v. XLI. São Paulo: Editora Abril, 1975. ___. São Paulo: Martins Fontes, 1994.



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