segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A alienação em T. Adorno e W. Benjamin

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
CAMPUS GUARULHOS

SOCIOLOGIA DA ARTE
MARINA SOHLER

AVALIAÇÃO SOBRE OS TEXTOS DE T. ADORNO E W. BENJAMIN

CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA
50043 FILOSOFIA-NOTURNO

GUARULHOS
11/10/2011

Alguns conceitos advindos com o surgimento do rádio, da fotografia e do cinema colaboraram para que pensadores como Theodor W. Adorno e Walter Benjamin dedicassem toda uma filosofia para investigá-los como ponte de transição entre a experiência da tradição cultural na arte e a consequente reprodutibilidade técnica que a indústria e o esclarecimento propiciaram. Conceitos como autonomia, gosto, aura e mito permeiam suas obras para discutir: o fundamento e papel da arte dentro da indústria cultural, a possibilidade de permanecer autêntica frente aos seus novos valores de uso e troca, bem como a alienação decorrente de sua posição distraída diante da exclusão estrutural da sua natureza: a experiência.

1) ATITUDE DISTRAÍDA EM RELAÇÃO À OBRA:

“A barbárie cínica de forma alguma é preferível à fraude cultural.”

O impasse encontrado por ambos os autores acima imergem a um ponto em comum sucetível do capitalismo: o enclausuramento das massas unidimensionadas para além da capacidade dialética marxista. A história midiática esboçada por Walter Benjamin, desde a reprodução em xilogravuras, litografias e por fim, imagens cinematogŕaficas, libertaram a mão e o olhar para um patamar virtual e sem maiores necessidades práticas e artesanais, associadas também à história oral da experiência. Também em Adorno encontra-se uma ênfase crítica ao desencanto trazido pelo esclarecimento e ao gosto substituído pelo fetiche. “Os ouvintes e os consumidores em geral precisam e exigem exatamente aquilo que lhes é imposto insistentemente.” Se temos em Benjamin a perda da experiência, em Adorno temos a perda da contradição. Ambos relacionados ao gosto estético que, dentro da Indústria Cultural e da Cultura de Massa, se desdobrou também em gosto político. Ou melhor: é a política do gosto que assume o controle unidimensional da arte:

“A reprodução técnica do som iniciou-se no fim do século passado. Com ela, a reprodução técnica atingiu tal padrão de qualidade que ela não somente podia transformar em seus objetos a totalidade das obras de arte tradicionais, submetendo-as a transformações profundas, como conquistar para si um lugar próprio entre os procedimentos artísticos.”

Por meio deste padrão detectado dentro da indústria, a arte ganha um valor de mercadoria que distrai o comportamento do gosto fixado pela mídia, a qual vende a própria faculdade de questionamento avaliativo de uma obra. Em outras palavras, é esta unificação poderosa entre o gosto e o uso (gosta-se do que se usa para usar o que se gosta) que atrai para a massa o fetiche de consumir arte sem ao menos qualificar seu valor para além do econômico e padronizado nos próprios critérios da indústria e da política do capital, impossibilitando a capacidade criadora e autônoma da arte. Eis a perda da aura e do gosto, substituída pela reprodução e consumo. Tamanha é tal substituição, que Adorno detalhamente descreve a relação da música ligeira com a música para distração, distanciada cada vez mais da audição e da técnica e mais próxima da propaganda e do erotismo:

“O prazer do momento e da fachada de variedade transforma-se em pretexto para obrigar o ouvinte de pensar no todo, cuja exigência está incluída na audição adequada e justa; sem grande oposição, o ouvinte se converte em simples comprador e consumidor passivo. Os momentos parciais já não exercem função crítica em relação ao todo pré-fabricado, mas suspendem a crítica que a autêntica globalidade estética exerce em relação aos males da sociedade. A unidade sintética é sacrificada aos momentos parciais, que já não produzem nenhum outro momento próprio a não ser os codificados, e mostram-se condescendentes a estes últimos. Os momentos de encantamento demonstram-se irreconciliáveis com a constituição imanente da obra de arte, e esta última sucumbe àqueles toda vez que a obra artística tenta elevar-se para transcendência. Os referidos momentos de encanto não são reprováveis em si mesmos, mas tão somente na medida em que cegam a vista.”

A distinção entre o totalitarismo ditatorial do estrelato e a aura da obra de arte original, é um exemplo para esse encantamento fetichizado citado acima por um lado, e o consequente desencantamento do autêntico por outro. No qual a primeira idealiza não somente a obra mas a vida do autor por detrás da pessoa num molde recorrente e autoprodutor de idolatria, e a segunda instaurava o tempo do momento em que se está fisica e presentemente diante de uma obra, vivamente cúmplice de sua história experiente, por ora disseminada na era de sua reprodutibilidade técnica. Mais um exemplo nos é argumentado com o preenchimento temporal do cinema mudo pela música de entreternimento. Há quantias reproduzidas para enfatizar uma imagem, não a audição em si.

É por meio da presença imediatista do prazer que é materializada em aparência e imagem lúdica toda arte submetida ao lazer comprado pelo descomprometimento trazido pela distração e alienação industrial. Adorno continua no aprofundamento do conceito de esclarecimento para desmacarar todo e qualquer tipo de poder dominante advindo aparentemente da filosofia mas que, na raiz da dissociação entre indústria cultural e unicidade da obra também se denota: a questão do racionalizar o mito e a mímesis para se obter valores aceitáveis no comércio, na oferta e na procura, bem como na política, do uso e da troca:

“O que não se submete ao critério da calculabilidade e da utilidade torna-se suspeito para o esclarecimento. A partir do momento em que ele pode se desenvolver sem a interferência da coerção externa, nada mais pode segurá-lo. Passa-se então com as suas idéias acerca do direito humano o mesmo que se passou com os universais mais antigos. Cada resistência espiritual que ele encontra serve apenas para aumentar a sua força. Isso se deve ao fato de que o esclarecimento ainda se reconhece a si mesmo nos próprios mitos.”

O que faz com que a própria lógica mecanicamente estruturada em esclarecer se torne, além de poderosamente política, também com potenciais distrativos e alienadores quando supõe a submissão total –- inclusive da cultura, e em especial dos mitos -- frente ao seu raciocínio repetitivo de explicar, não mais relatar, tais como faziam os mitos. A obcessão em matematizar a indústria por meio da automatização da técnica, para Adorno, já se torna assim, uma mesma superstição e adoração por ela criticada.

“O homem da ciência conhece as coisas na medida que pode fazê-las. É assim que seu em-si torna para-ele. Nessa metamorfose, a essência das coisas revela-se como sempre a mesma, como substrato da dominação.”

2) POSIÇÃO DO AUTOR FRENTE À INDÚSTRIA CULTURAL/ CULTURA DE MASSA

“Fazer do gigantesco aparelho técnico do nosso tempo o objeto das inervações humanas – é essa a tarefa histórica cuja realização dá ao cinema o seu verdadeiro sentido.” 1

Tanto em Walter Benjamin quanto em T. Adorno a exploração superficial e estagnante da cultura é recriminada. Porém há em ambos o reconhecimento importante para o advento escapatório à cultura de massa: a própria função da técnica. Diferentemente da sua simples automatização, há no trabalho artesanal, no prazo de eternidade una como se era construída uma obra grega, no valor de culto e no próprio artista narrador uma possibilidade utópica. Utópica no sentido de continuar distante porém imersa na cultura de massa alienada e no pessimismo de ambos os filósofos aqui estudados.

O próprio onírico e fantástico já são, inclusive, objetos instrumentados pela propaganda e não mais uma saída vanguardística como o eram o Dadaísmo e o surrealismo citados por W. Benjamin. Para argumentar que caso surja uma solução, ainda assim a mesma pode ser corrompida e dominada pelo unidimensionalismo trazido pela máquina de síntese, seja ela a mídia como é para Benjamin, seja ela o esclarecimento como é para Adorno. Estamos aqui diante do império fetichista não somente cinematográfico e musical como inclusive ideológico. Tal que, tanto Benjamin quanto Adorno posicionam-se claramente em relação ao abafamento da dialética marxista pela esfumaçante máquina de criar guerras nebulantes em forma de indústria cultural:

“Com isso se formula uma crítica às ‘novas possibilidades’ na audição regressiva. Poder-se-ia estar tentado a redimi-la alegando, por exemplo, que nela o caráter de aura da obra de arte, os elementos de sua auréola ou aparência externa cedem em favor puramente lúdico. Como quer que seja no cinema, a atual música de massas pouco apresenta deste progresso do desencantamento.”

Diz Adorno que a ideia de oposição também se torna venal, contradição esta que aproxima a incompreensão e o inevitável numa dominação progressiva e em potência a ponto de liquidar o indivíduo como sujeito de uma autoria senão um modelo sistemático e objetivo do que se mostra como subjetividade. A máscara do homem cai na mesma medida que a música também se estagna. E a possibilidade de autonomia ainda existente é aquela também já produzida nos moldes do padrão de diferenciação. Ou seja: a diversidade também vira um produto coletivo que diferencia para padronizar as cores da moda, ou melhor, do modelo. É a fragmentação das sinfonias, o método rápido e mais quantitativo de se produzir mais, mesmo que ouvindo-se menos da música e dilacerando o seu sentido primeiro. “ A natureza desqualificada torna-se a matéria caótica para uma simples classificação, e o eu todo-poderoso torna-se o mero ter, a identidade abstrata.”

A continuidade deste mesmo argumento é que, nesta coerção do diverso e do novo enquanto automóveis da propaganda, a repetição e o clássico terminam por serem relacionados até mesmo ao crime do plágio, por exemplo. Neste quesito Benjamin também é muito claro ao evidenciar a perda da experiência como crucial para o fim da originalidade. Como repetir uma narrativa ou um quadro minuciosamente artesanados senão por meio do gravador ou da fotografia, respectivamente? A tecnologia é concluída aqui, como a ruptura do clássico no sentido experiente da técnica humana.

“Com o cinema, a obra de arte adquiriu um atributo decisivo, que os gregos ou não aceitaram ou considerariam o menos essencial de todos: a perfectibilidade.”

3) POSSIBILIDADE DE ALIENAÇÃO/ TRANSFORMAÇÃO ADVINDA DA INDÚSTRIA CULTURAL/ CULTURA DE MASSA

“Na prática há apenas duas alternativas a escolher: ou entrar docilmente na engrenagem do maquinismo – mesmo que apenas diante do alto-falante no sábado à tarde – , ou aceitar essa pornografia musical que é fabricada para satisfazer às supostas ou reais necessidades das massas. A falta de compromisso e o caráter ilusório dos objetos do entreternimento elevado ditam a distração dos ouvintes.”

Com o surgimento da perfectibilidade na obra pela tecnologia da indústria, surge também a necessidade humana de acompanhar a máquina da perfeição acima de sua própria capacidade natural de produção, também ser sobretudo o próprio produto. Mas para que a exploração excessiva não se denuncie é feita a distinção entre o produtor e o produto, ou entre o autor e a obra. Já que são, ambos, deficientes de autonomia, a alienação é indiscutível. E a troca também se prejudica pois são dissolvidos os limites entre sujeito e objeto, entre procura e oferta. Ela se daria apenas enquanto imediata como é o bem cultural, num valor fictício e não material, de uso. Agora podemos associar esta arte como bem cultural com o sentido da função propagandística e até mesmo nazista. É o que também Benjamin faz:

“Seu objetivo é tornar mostráveis, sob certas condições sociais, determinadas ações de modo que todos possam controlá-las e compreendê-las, da mesma forma como o esporte o fizera antes, sob certas condições naturais. Esse fenômeno determina um novo processo de seleção, uma seleção diante do aparelho, do qual emergem, como vencedores, o campeão, o astro e o ditador.”

Porém esse visionarismo é apenas ilusório também. Pois não se tem, com este poder totalitário, uma visão geral do todo pelo fato de se estar abstraído na indústria. A imobilidade ao choque benjaminiano e a eliminação da resistência adorniana se encontram concluídas para uma perspectiva semelhante de condenação invariável à alienação: “Para que, ainda, o esforço e o empenho sinfônico, se o material já foi digerido e triturado, a ponto de tornar supérfluo e inútil tal trabalho?”

A arte se torna, assim uma mão de obra e não mais uma obra prima. Não mais uma essência. A própria verificação e prova da verdade foi destituída pelo hábito padrão da beleza em Adorno. Nega-se também o conhecimento afim de não mais se responsabilizar pela escolha, a qual seria individual e ativa no sujeito que é habituado a ser infantil e despreparado na obediência consumista. A atitude distraída e alienada é a própria infantilização da liberdade de não escolher. E a própria ação está inserida enquanto um produto da Indústria Cultural. É a desconcentração, a falta de foco, a gargalhada ambulante de não saber reagir de outra maneira que equivale a solução determinista do fetiche.

“Desencantar o mundo é destruir o animismo... O mundo torna-se o caos, e a síntese, a salvação. Nenhuma distinção deve haver entre o animal totêmico, os sonhos do visionário e a Idéia absoluta. No trajeto para a ciência moderna, os homens renunciaram ao sentido e substituíram o conceito pela fórmula, a causa pela regra e pela probabilidade.”

Neste sentido Walter Benjamin ainda é um pouco menos pessimista ao relacionar o papel do cinema com o poder político e de transformação frente a sociedade patriarcal. Num caminho inverso ao da Indústria Cultural, usufruiria-se da cultura de massa por meio do cinema não para embelezar políticas como o fazem a propaganda mercadológica, mas para romper com a lógica de arte mercado e trazer uma politização artística.

Mesmo que Adorno argumente a natureza humana enquanto entranhada ao fetiche e ao clichê, o ouvido que agora quer consumir para si com interesses egoístas a música de lazer. O antinatural e o artifício envolvidos conosco de maneira natural, cotidiana e banal. O esvaziamento de conteúdo dado por essa mesma pseudo-atividade humana que nos leva do choque à diversão e ao masoquismo enquanto regra. Como o é no esporte: o que aparenta ser um jogo inofensivo e ingênuo se transforma em norma e deveres.

Ambos acreditam, pois, no conhecimento. Em Adorno o conhecimento não se daria porém, na Indústria Cultural pelo fato de ser impossível conciliar arte e indústria para o filósofo. Neste caso esta seria uma arte industrial ou senão uma arte subjetiva e antropológica. Estaria tal possibilidade permitida a partir do improviso e da liberdade. “Embora a audição regressiva não constitua sintoma de progresso na consciência da liberdade, é possível que inesperadamente a situação se modificasse, se um dia a arte, de mãos dadas com a sociedade, abandonasse a rotina do sempre igual.”

Esta mudança na variação do que já se possui por meio da maneira como se propõe o conteúdo é exemplificada por Adorno como o motorisa que já possui seu carro muito antigo mas que somente ele ainda consegue conduzir. Porém não se daria por meio apenas de um sujeito, mas sim por meio da defesa coletiva desse conhecimento. No entanto, como superar o cassino da máquinas de prazer que é o fetiche, que sempre compra a novidade com a moeda do prazer produzido pela própria liberdade?

“A modificação da função da música atinge os próprios fundamentos da relação entre arte e sociedade. Quanto mais inexoravelmente o princípio do valor de troca subtrai aos homens os valores de uso, tanto mais impenetravelmente se mascara o próprio valor de troca como objeto de prazer... [Mas] A relação com o que é destituído de relação trai a sua natureza social na obediência.”


BIBLIOGRAFIA

ADORNO, Theodor W. "O fetichismo na música e a regressão da audição". Trad. de Luiz João Baraúna. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

BENJAMIN, Walter. "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” In: Magia e Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas vol.1. São Paulo: Brasiliense, 1994.

ADORNO, Theodor W. O conceito de esclarecimento. In: Dialética do esclarecimento.Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

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