segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Ontogênese: resenha do Cap. II de Eros e Civilização, de H. Marcuse

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
Campus Guarulhos

ESTÉTICA E FILOSOFIA DA ARTE I
Prof. Talles Ab'Saber

EROS E CIVILIZAÇÃO – HERBERT MARCUSE
Resenha do capítulo II:

A origem do indivíduo reprimido (ontogênese)

CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA
8º termo - Filosofia – Noturno

GUARULHOS
07/11/2011


O INDIVÍDUO LIVRE DA REALIDADE

“Se Eros e Thanatos emergem, assim. Como os dois instintos básicos cuja presença ubíqua e contínua fusão ( e-de-fusão) caracterizam o processo vital, então, essa teoria de instintos é muito mais do que uma reformulação dos antecedentes conceitos freudianos.”

A possibilidade de indagar algumas interpretações freudianas a respeito das origens do indivíduo reprimido pela realidade da civilização é levantada pelos argumentos marcusianos de libertação dos prazeres rumo à perspectiva de Eros. Ou seja, a uma vitalidade entre as forças dialéticas do progresso advindo da necessidade ontológica de sobrevivência com a destruição genérica e libidinal dos instintos primitivos quando transformados e reduzidos a utilidades sociais. Nisso entra o caráter metapsicológico sobre a história da civilização requerido por Marcuse, para além somente da análise psíquica do indivíduo, ou ainda, além da satisfação e felicidade existencial. Mas sim num patamar filogenético da liberdade historicamente política. Sem destituir a realidade dos prazeres nem a origem da sociedade e da origem humana conforme o fez Freud. O autor de “Eros e civilização” instaura agora uma relação édipica social entre o pai da dominação encontrado no super ego em forma de tempo produtivo no trabalho e a infância reprimida encontrada no id em forma dos instintos primitivos antes mesmo do prazer sexual.
Para tanto, é esse próprio “pai da psicanálise”, ou seja: Freud, que será preocupadamente discutido nos pontos em que este descarta a inclusão perversiva nas leis sociais e o somatismo dos instintos (no sentido libidinal e impulsivo) enquanto autonomia histórica do ego como personagem civilizado e também naturalmente coletivo. Qual seria esta civilização biológica e psícamente permissível tanto de Eros quanto de Thanatos, de prazer quanto de necessidade, de liberdade quanto de determinismo? Tal é a censura que Marcuse supera por meio do princípio de prazer por ele interpretado também como participante da valoração construtiva de um real não somente necessário, como também fantasioso e por isso, livre.
O império da gratificação utilitarista na sociedade de consumo e de fetiche distorce a possibilidade de um prazer próprio da liberdade instintiva o qual não abranja as repressividades da sobrevivência e do trabalho demasiado. Marcuse argumenta porém, que a liberdade está diretamente ligada ao princípio de prazer. Assim como também, o próprio princípio de realidade não se sustenta unicamente por si mesmo, dependendo então dos instintos por ele suprimidos. Tal relação de força dada entre a construção progressiva de sociabilidade e a destruição regressiva de satisfação dos prazeres individuais traz à dialética freudiana não apenas uma oposição dessas direções, mas sim um excremento complementar de vitalidade que surge deste impacto, reconstituindo com isso o estado recalcado no inconsciente e esquecido pela memória estagnada, para um estado permanentemente presente e lúdicamente memorável e ao mesmo tempo desejante, como se dá com a própria infância e a libido para Marcuse:

“O retorno do reprimido compõe a história proibida e subterrânea da civilização. E a exploração dessa história revela não só o segredo do indivíduo, mas também o da civilização. A Psicologia Individual, de Freud, é em sua própria essência uma Psicologia Social. A repressão é um fenômeno histórico. A subjugação efetiva dos instintos, mediante controles repressivos, não é imposta pela natureza, mas pelo homem. O pai ŕimordial, como arquétipo da dominação, inicia a reação em cadeia da escravização. Mas, desde a primeira e pre-histórica restauraçõ da dominação, após a primeira rebelião contra esta, a repressão externa foi sempre apoiada pela repressão interna.”

A conclusão do argumento freudiano de civilização é, para Marcuse em seu prefácio político, então, de que a livre satisfação dos prazeres é impossível e distinta da felicidade na realidade da gratificação social. Logo, este é um problema que percorrerá o decorrer do desenvolvimento do livro a ser resolvido e pois não poderia deixar de ser exposto anteriormente ao capítulo a ser detalhado aqui: o impasse trazido por Freud entre liberdade e prazer, determinismo e sociedade. Seria pois, à toa que o próprio esquecimento dado na memória censurada valoriza como “valor de verdade” uma outra satisfação ou gratificação que não a dos impulsos, e sim a de uma conformação alienada no tempo permitido aos lazeres, disposto pela produção progressivamente permitida em sociedade?

CAP II – A ORIGEM DO INDIVÍDUO REPRIMIDO (ONTOGÊNESE)

Assim inicia-se então o desenvolvimento da crítica de Marcuse aos consequentes patamares de repressão dos instintos em Freud: da insistência natural e biológica primária ao seu desejo de esgotamento detonador e mortificado pela incapacidade ansiosa de auto satisfação, tal como um crescente desejo voluptuoso do dionisíaco, do “Nirvana”, do Id. E como tal impulso destruidor se caracteriza no corpo social, bem como o mesmo é caracterizado e repudiado no superego.
Feitas as duas orientações consequentes do aparelho mental repressivo que examina a tendência psicanalítica ontogenética e a filogenética no primeiro capítulo, a fim de realçar o problema do prazer enquanto distanciado da realidade possível em Freud. Onde a primeira tendência é vinculada à história existencial do indivíduo e a segunda à evolução social da história, agora Marcuse passará a descrever como essa implosão temporal e cronológica do indivíduo antes separado de sua liberdade pela censura cronológica dos fatos, agora pode descobrir-se e reconciliar-se à orientações outras que não somente a ordem repressiva do percurso divido entre passado, presente e futuro. Ou ainda: entre id, ego e superego. Numa interdependência entre essas duas tendências principais.
Inicialmente o capítulo apresenta um breve histórico do desenvolvimento dos instintos feito pela obra freudiana. Em seguida compara essa relação de transformação do mesmo em libido narcísico como maneira de secundarizá-lo e reduzi-lo a meras partes corpóreas mais sensíveis, até então serem as únicas restantes a possuírem-no, como ocorrência da sexualidade. Longe do pensamento de completude que Marcuse demonstra intencionar com a possibilidade trazida pela vitalidade erótica, ou seja, de Eros, Freud se importou basicamente em dar continuidade somente ontológica à personalidade do ego que se civiliza cada vez mais progressivamente, esquecendo-se por mais que já a valorizasse, de uma dialética maior das forças históricas e originais dos instintos e da infância frente às necessidades sociabilizantes dos recalques e das censuras.
Mas argumenta Marcuse que temos prazer em nos recalcar, morrer, autoreprimir-se pela culpabilidade etc., sendo estes fenômenos mais outros dos antagonismos gerados pela expansão de nossos instintos. É por meio desse movimento entre separações explosivas e junções das partes encontradas que Eros (a união) e o desejo de morte (ou destruição) permanecem fortemente vivos:

“Iniciam sua função de reprodução vital com a separação das células germinativas do organismo e a fusão de dois desses corpos celulares, passando ao estabelecimento e preservaçõ de 'unidades cada vez maiores' de vida.”

A sexualidade pois, quando considerada somente no ambito de tal reducionismo social e historicamente moldado se restringe regressivamente não mais à carateres plenamente biológicos, como inclusive destrutivos. O que a diferencia do conceito de Eros para o autor, o qual “é definido como a grande força unificadora que preserva a vida toda.” Eis também o que transforma para Marcuse a teoria dos instintos numa sublimação genérica e vitalícia dos impulsos e desfaz sua exclusão[dos instintos] no ego, por meio da unidimensão complementada por Eros, e não mais somente dialeticamente oposta pela sexualidade e libido. Não deixando porém, de permanecer efetivamente dialéticas, ou em outras palavras, não prevalecendo a dominação necessária sobre os impulsos naturais. E portanto é este princípio de morte juntamente com Eros que será considerado a nova subversão à repressão: “o instinto de morte é destrutividade não pelo mero interesse destrutivo, mas pelo alívio de tensão. A descida para a morte é uma fuga inconsciente à dor e às carências vitais . É uma expressão da eterna luta contra o sofrimento e a repressão.” Não mais a romper a participação do Id no Ego com isso, quando era somente mais considerado o inverso disso por Freud: o Ego em direção ao Id. Por meio do papel da memória a sucitar os instintos impulsivos no Id sobre a realidade cotidianamente repetida_ os quais são sucitados tanto pela infância, pela fantasia ou sonho _ é que o instinto também prevalece no ego.
Mas a civilização pode também ser aproximada ao que é destrutivo e mortal assim como o prazer de Eros foi aproximado ao vitalício. No nivel ontogenético estudado no respectivo capítulo, o superego por exemplo, é denunciado em seu sentimento de culpa e transformador da auto condenação numa civilidade que reage contrariamente aos desejos individuais, numa autoflagelação reacionária. A ontogênese é relacionada assim, também ao tempo memorático do passado reprimido, muitas vezes pelo próprio sentimento de liberdade ali anteriormente recalcado, e que reluz, no presente, como escravizante e dominador. Assim é que a “dominação organizada” tornou-se um objeto mais do que importante a ser analisado historicamente pelo autor, para além da estrutura de um único ser. A chamada metapsicologia socio-cultural do ser historicamente coletivo e instintivo. O que, inclusive também propicia a Marcuse esclarecer ainda mais um ponto confuso entre as relações de tal dualismo: o fator biológico e o histórico atuantes sobre o “princípio de desempenho” e a “mais repressão”, respectivamente. Da carência impulsiva à autoridade do superego e seus diferentes graus no princípio de realidade, ou de repressão. Há também uma distinção feita aqui entre a unidimensionalidade encontrada na repressão à dominação, e a progressiva necessidade da “mais repressão”. Ambas, repressão e mais repressão porém, direcionadas à “gratificação”, conceito este dado ao ajustamento dos instintos(e prazeres) à civilização (e satisfação).
A continuidade do movimento transcorrido no argumento sobre os instintos humanos para além apenas da libido individual e sexual e engajada socialmente no Eros universal conclui ainda a “organização supra-repressiva das relações sociais, sob um princípio que é a negação do princípio de prazer” e a perversão. Numa relação também fiel em proporção das horas de trabalho social com as sensações libidinais do Id, atemporais. Sendo o primeiro o que diferencia e caracteriza o princípio de desempenho citado anteriormente. O tempo contado na civilização assume funções subalternas assim como a libido quando reduzida somente ao sexo ou à instituições monogâmicas tal como o casamento. O organismo perverso está, neste sentido, orientado à tais negações enquanto protesto ao princípio de prazer reduzido e reprimido nas logicas da civilização e não mais liberto ou equitativo conforme a leveza trazida por Eros. Contrário à dominação social, o perverso liberta a imaginação e a própria liberdade por meio da “fantasia”, única manifestação instintiva ainda não recalcada: “Um símbolo da identidade destrutiva entre liberdade e felicidade.”
Logo, o predomínio do perverso sobre a própria personalidade do ego o levaria a outras coerções que não somente a sua própria psiquê, ou que não somente a sua ontologênese. É a partir dessa conclusão que Marcuse elaborará detalhadamente a emancipação filogenética da liberdade histórica dos instintos, trazendo a fantasia neste último argumento do capítulo, enquanto um lapso de reconhecimento libertador inclusive sociológico. Seja por meio da arte, por exemplo, enquanto senão o melhor, um dos recursos sócio-políticos imagéticos dessa ironia pulsante a florecer sobre a psico-linguagem progressivamente civilizatória da ciência tecnológica.

BIBLIOGRAFIA

MARCUSE, H. Eros e civilização: uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Trad. de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 1999.

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