segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Michel Foucault e Pierre Bourdieu: "O que é um autor?" e "A ilusão Biográfica"

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

SOCIOLOGIA DA ARTE
Marina Sohler

TRABALHO SOBRE

“O QUE É UM AUTOR?” DE MICHEL FOUCAULT E
“A ILUSÃO BIOGRÁFICA” DE PIERRE BOURDIER

CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA
Filosofia – 8º termo – noturno

GUARULHOS
08/11/2011

1) O QUE É A FUNÇÃO AUTOR PARA FOUCAULT? POR QUE FALAR EM OBRA E ESTILO (ESCRITA) REMETE AO AUTOR?

Foucault compara a problemática a respeito do autor contemporâneo com a da ausência e da morte nos critérios de representação atuais. Bem como também relaciona o sujeito da obra ao “ser” do período vigente. Mas é por meio de um aprofundamento na função de autor que ele investigará as influências sofridas na literatura discursiva desde o cristianismo até os aparecimentos transdiscursivos do século XX. É nessa perspectiva que o filósofo transporá, igualmente conforme desenvolveu neste texto, a idéia de autoria enquanto uma revaloração do tempo para uma noção da História mesma redescobrindo - o e autora do próprio sujeito.

“La formulación del tema com el que me gustaría comenzar se la solicito a Beckett: 'No importa quién habla, dijo alguien, no importa quién habla'. Creo que em esta indiferencia es necessario reconocer uno de los principios éticos fundamentales de la escritura contemporânea. Digo 'etico' porque esta indiferencia no es tanto un rasgo que caracteriza a la manera em la que se habla o se escribe; ella es más bien una suerte de regla inmanente, que se retoma sin interrupción, nunca aplicada completamente, un principio que no marca la escritura como resultado sino que la domina como prática.”

O espaço que o escritor preenche possui relação direta com o espaço vazio e ausente da obra quando lida, porém além dessa prática indiferente do autor enquanto um simples gesto, há por trás desse assassinato do autor, dessa morte do mesmo, uma consagração também eternizante que singulariza tal ausência do autor enquanto um marco histórico. É assim que sua vida se confunde com sua própria obra: é a relação de intenção do mesmo sobre a obra que se mistura, bem como suas características referenciais como modelo de pesquisa e interpretações extras ou extraídas do que foi escrito. Seria pois, uma “desaparição voluntária” ligada à consagração eterna da existência enquanto autor por meio de sua obra. A questão da obra é logo inserida na mesma questão de autor: o autor seria a própria obra ou o inverso, a obra é definida pelas circunstâncias do autor? Quando considerados limitados por uma diferenciação, obra e autor, Foucault argumenta ser apenas um motivo editorial a separá-los. Ou seja: haveria editores e não obras?

Esses são os pontos levantados no início do texto afim de inserir a função do autor no contexto de sua própria crise de autenticidade: autor e obra, assinatura transcendental e sujeito empírico, e por fim autoridade do conteúdo científico como ato de registro _ conforme o era na Idade Média por exemplo_ e a autoria na ficção ou enigma literário vindo por volta também do advento da modernidade. O que ressalta Foucault neste movimento do texto é essa linha divisória entre as duas correntes a dilacerar o nome próprio do autor enquanto única originalidade restante para definí-lo. Pois o que o nome designa ou representa se assemelha realmente à descrição da vida do autor? O nome próprio porém, possui essas duas faculdades: tanto a de designar quanto a de descrever um percurso singular de vida. Descritivo pois ele também pode classificar e delimitar as homogeneidades e autenticidades entre as obras de mesmo autor, é o sujeito de suas relações. Conforme intitula o próprio filósofo: o nome é o “modo de ser do discurso”, aquele que recebe um certo “estatuto”. Neste último quesito estatuinte dado ao autor quando inserido num circuito de circulação e funcionamento dentro de uma sociedade é que Foucault descobre a ideia do autor enquanto uma “função” social. Quando o mesmo funciona no interior de uma cultura, não somente quando é assinalado enquanto fato, mas quando constituído de um discurso coerente por ele valorizado com um intuito de funcionar nessa mesma sociedade.

A projeção de algo por meio do discurso varia entre o que se comprova e o que se oculta, porém. Essa variação é constatada historicamente e de acordo com cada época, veja o exemplo acima citado entre a despreocupação da ideia de sujeito autor em meados do milênio e a necessidade de comprovação da verdade especificada a cada autor sujeito e dono de descobertas no critério moderno de discursividades. O autor da literatura não possui comprovações coletivas como acontece nas ciências, daí a passagem para uma maior investigação dos enigmas por trás de seu nome, sua vida etc., fornecerem aparentes respostas e provas para se acreditar no discurso exposto na obra. Eis um caráter profético ou cristão que Foucault detecta sobre a noção tradicional de autoria.

Mas é o caráter de coerência trazido por meio da semelhança do estilo ou escrita, e também por meio da lógica entre as obras de um mesmo autor que interessará na definição de Foucault para a função autor. Por meio dessa coesão é que o filósofo chegara pois, à ideia do autor enquanto um possibilitador e formador de um único discurso, tema ou tese parecidos tanto essencialmente quanto estilisticamente entre si. É o “instaurador de discurso” que emancipa, inclusive, as diferenças surgidas para além de si mesmo, entre ele e quem o responde ou lê. O autor é o fundador de uma possibilidade fecunda na histórica, a qual a modifica e a transforma. Há mais um último questionamento no entanto, trazido pelo próprio Foucault: como determinar este fundador? Se o próprio cientificismo entrou na relatividade interpretativa da dúvida contemporânea? Assim é que nos vem a conclusão de que o fundador das possibilidades não possui pois, as derivações que a mesma pode propiciar. Em outras palavras e utilizando os mesmos autores de exemplo citados por Foucault: Freud possibilitou os pensamentos neo freudianos, no entanto não foi autor destes últimos. Marx possibilitou os pensamentos neo marxistas ou mesmo os frankfurtianos, mas não foi o real autor deles.

É a noção de origem da autoria, “redescobridora e “reatualizadora” que remeterá à função do autor, deixando-o pois universalmente como um modificador do tempo passado, presente e futuro conforme são os próprios clássicos históricos. Não esquecendo de ouvir as origens para reformulá-las, por meio do conjunto descrito em sua obra, inserindo- as num contexto histórico-cultural e nas condições que permearam a possibilidade de sua própria originalidade.


2)COMO O TEXTO “A ILUSÃO BIOGRÁFICA” DE BOURDIER PODE SER COMPARADA AO TEXTO “O QUE É UM AUTOR” DE FOUCAULT?

No referido apêndice sobre “A ilusão Biográfica”, Pierre Bourdier nos apresenta uma desmistificação histórica da vida enquanto uma narrativa consecutiva e feita proncipalmente pelo senso comum caracterizado pela biografia. Essa teoria da vida narrada diz respeito à relação cronometrada do tempo enquanto uma interação momentânea entre o autor e o leitor, ou ainda entre o sujeito e a sua sociedade vigente.

É assim que Bourdier iniciará o desenvolvimento deste texto em evidência com uma crítica à noção de engajamento literário sartreano onde o último recorre à correspondência entre autor e leitor como sendo um ato concreto de liberdade autoral e objetiva. O argumento contrário dado à Sartre no segundo parágrafo de “A ilusão Biográfica” é que tal ligação teria sido considerada somente a partir das condições espaciais de eternidade permanentes por serem fixas e unitárias, próximas do sentido de “princípio” enquanto determinadas por um início, e também como necessidade causal de efeitos vividos e selecionados pela pretensão sobre aquele relato contado.

É o carácter de “criação artificial de sentido” juntamente com a “tradição literária” que aparece tanto neste argumento de Bourdier quanto no texto “O que é um autor” de Foucault: ambos alegam que tanto a intenção quanto a arbitrariedade são propriedades da escolha autoral. Seja a primeira constituída pelos três âmbitos de ego descritos em Foucault, seja a segunda um simples registro de estado civil concluído por Bourdier. Porém enquanto essa “identidade prática” encontrada no texto “A ilusão biográfica” trata do hábito e da repetição de fatos característicos juridicamente numa vida inserida numa sociedade determinada como o primordial e mais justo de se definir biograficamente e esclarecer melhor os pontos ilusórios de um percurso literário, a “instituição discursiva”, descrita por Foucault, é quem denominará o sujeito enquanto autor de uma redescoberta ou reatualização da própria origem a qual funda e propicia novas possibilidades.

Ambos autores também relatam sobre o poder unificador trazido pelo nome próprio do sujeito. Bourdier ainda mais radicalmente desconsidera a relação somente entre as obras literárias, abrangendo ao caráter biológico da existência de uma vida presente em diversos espaços durante um percurso individual de tempo, o qual instituiria também essa individualidade por meio de sua assinatura nos procedimentos legislativos ou culturais. Ao priorizar os elementos do hábito para cientificizar de maneira mais antropológica o que caracteriza a ideia de autor, também é aproximado com isso, consequentemente, da autonomia por meio unicamente do nome assinado. Pois o nome seria assim um objeto transcendental de sociabilização do sujeito reconhecido e finalizado numa totalidade dos conjuntos percorridos na vida de um ser. A sua justiça histórica pode se dar, ao meu ver, no que concerne ao registro porém não à personalidade e suas inconstâncias. Até mesmo o exemplo proustiano citado nesse próprio texto para inserir as descontinuidades temporais dos personagens de “Em busca do tempo perdido” seria, para Bourdier, apenas uma substância desse estado civil limitado.

Já em “O que é o autor?”, Foucault pontua sim a participação do nome próprio como uma das bases de autoria, porém discute-o conforme o seu poder de apropriação de contextos coerentemente valorizados pelo mesmo indivíduo compositor de idéias ou temas semelhantes, não somente assinados mas principalmente fundidos, ou seja: próprios de uma função autoral para além do registro fatídico de algo, mas inclusive com um intuito de funcionamento oficial de autoria descrita.

Por fim, a definição que Bourdier ressalta para justificar uma vida literariamente descrita em “A ilusão Biográfica” se difere em diversos aspectos da tentativa de compreensão da função de autor que Foucault nos propicia em “O que é um autor”. Este último discute e aproxima mais filosoficamente a questão do próprio ser no mundo da questão do autor na vida, partindo de aspectos tanto conceituais e descritivos de valoração que o papel do autor na história da literatura e ciência, quanto aspectos também editoriais e designativos como os recortes, publicações ou enígmas que permeiam seu conjunto de obras. Em contrapartida, o que encontramos na conclusão e definição de Bourdier para a possibilidade sociológica de Biografia foi uma reconstituição da relação do sujeito no mundo através do relato construído oficialmente:

"Essa construção prévia é também condição de qualquer avaliação rigorosa do que poderíamos chamar de superfície social, como definição rigorosa de personalidade designada pelo nome próprio, isto é, o conjunto de posições simultaneamente ocupadas, em um momento dado do tempo, por uma individualide biológica socialmente instituída, que age como suporte de um conjunto de atributos e de atribuições que permitem sua intervenção como agente eficiente nos diferentes campos [biológicos e sociológicos].”


BIBLIOGRAFIA

FOUCAULT, Michel. O que é um Autor? Coleção Passagens, Vega, Lisboa, 1992.
BOURDIEU, P. “A ilusão biográfica.” In: Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1996.

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