sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Seminário sobre: O Discurso do Método, de R. Descartes

UNIFESP - Filosofia
Disciplina: Teoria do Conhecimento

Seminário sobre: O Discurso do Método, de R. Descartes – Sexta parte 1º. , 2º. e 3º. parágrafos.



                        O início da sexta parte é uma introdução dos motivos que levaram Descartes a atrasar a publicação do seu Tratado Le Monde que continha explicações celestes e ópticas, doutrinas copernicanas e ataques aos escolásticos1. E alguns dos motivos que agora, redigido em 1637, o fazem publicar de maneira mutilada e transformada ems dois ensaios: Dióptrica e Meteoros2, os quais seguirão o discurso juntamente com o outro ensaio, Geômetras.
                      Primeiro ele se utiliza dos acontecimentos com Galileu para argumentar a sua moderação quanto às certezas de publicar ou não o seu Tratado. Pois, ao saber que “O Sistema do Mundo”3 havia sido censurada, apesar de nada ver ali de prejudicial à religião ou ao Estado, influenciou-se com a refutação da obra e preferiu revê-lo para cuidar que não houvesse nenhuma sem demonstrações muito certas e confiantes. Mesmo que as razões sobre os seus pensamentos para publicá-las fossem muito fortes, preferiu atrasá-las em função de não resultar desvantagem para quem quer que fosse. Aqui “razões sobre o seu pensamento” referem-se às suas certezas. Em Princípios de Filosofia, Descartes define dois tipos de certeza: uma que é moral, “suficiente para regrar nossos costumes” diferente da outra “que se atinge quando pensamos que de modo algum é possível que a coisa seja diferente do que a julgamos”4. Ou seja, a possibilidade de julgarem seu Tratado do Mundo diferentemente do que ele o julgava foi despertada porque teorias parecidas com as suas foram recriminadas. Então, ainda não existia tal certeza nesse sentido, mesmo com razões muito claras e distintas, não publicou o Tratado a fim de não surpreender o Estado ou a Religião com coisas novas e de possíveis desentendimentos. Por isso, alegou a carência e o merecimento de uma maior revisão na publicação em respeito às autoridades. A importância não é tanto na obra quanto no que ela poderia provocar com a sua publicação. Descartes não assina a primeira edição de seu Discurso do Método que vai ao público anônimamente5, mas numa carta a Mersenne, em fevereiro de 1634, ressalta a sua “esperança de que seu ‘Mundo’ veja a luz do dia com o tempo”6. Tanto é que, mesmo quando publica os três ensaios, depois de seus pensamentos já terem se tornado públicos, retoma a obra da maneira inicial (com as críticas aos escolásticos e o heliocentrismo mais explícito) a fim de publicá-la, mas é impedido pelo fim da duração de sua vida. E para que esta prestatividade e interesse que Descartes demonstra quanto a relatar a interrupção para revisão de sua obra não seja vista como uma insegurança ou dúvida quanto o seu próprio método, ele começa a expor as razões que o levaram a reavê-las e a justificar os motivos da publicação dos ensaios.
                      Esse cuidado moral quanto a publicação do seu Tratado foi mantido provisoriamente enquanto servia-se de seus escritos para “algumas dificuldades que concerniam às ciências especulativas e às razões pessoais de regrar os costumes dele mesmo.”7 Enquanto via suas descobertas somente como mais uma entre as tantas outras que poderiam agradar mais de acordo com as especulações de cada um, não tinha ainda razão para publicá-lo (aí uma prova de que não queria glória individual, mas sim algo útil e concebível a todos). No entanto, recebe incentivos de outras pessoas como do cardeal de Bèrulle que o “fez entrever as conseqüências que poderiam ter tais pensamentos e a utilidade que o público daí tiraria se se aplicasse tal maneira de filosofar”8, e constata o quanto sua física se difere de tudo que já foi utilizado. Então, depois de comprová-la em suas diversas dificuldades particulares, reconheceu ser algo que modifica e pode ter uma condução nova às ciências, vendo-se na obrigação de não mantê-las ocultas para respeitar o bem geral de todos os homens. Mas essa obrigação se refere a algo além da religião e alcança uma função de utilidade da filosofia como busca para o bem. Na carta prefácio de Princípios, Descartes se remete ao assunto referente: “À mais alta e perfeita moral, que, pressupondo um inteiro conhecimento das outras ciências, é o mais alto grau da sabedoria.” (Princípios,pág.14). Ou seja, se Descartes reconheceu o quanto suas descobertas poderiam ser úteis, não podia, como filósofo, mantê-la em segredo e seguir a própria moral de fazer o bem a todos ao mesmo tempo. Pois ao não publicá-la poderia ser imoral com a própria filosofia na qual ele mesmo acreditava. “Logo, o problema moral se confundiria com o problema da descoberta da verdade. O homem não pode querer senão seu bem, e a dificuldade é somente saber qual é o seu verdadeiro bem.”9 E posto que era uma descoberta, “Mesmo desagradável ou penosa, o conhecimento da verdade é melhor que a ignorância”10, este é o tema de uma de suas cartas. Outra observação sobre o papel da filosofia para Descartes é que “A filosofia não separa a extensão dos conhecimentos do cultivo do juízo. O juízo, submetendo-se ao entendimento, conduz ao ‘soberano bem, considerado pela razão natural, sem a luz da fé’, que é ‘o conhecimento da verdade por suas primeiras causas, isto é, a sabedoria’ ”11 Ou seja, ao passo que adquirimos conhecimentos claros e distintos, podemos julgar para alcançar o bem. Não deixou de fazer outra coisa ao se importar em publicar os seus ensaios por conhecê-los e, por isso, julgá-los da importância para o bem dos homens. É o que também remete a Terceira Parte do Discurso do Método: “Como nossa vontade não se inclina a seguir alguma coisa ou fugir dela a não ser conforme nosso entendimento a apresente como boa ou má, basta bem julgar para bem proceder”. E para bem julgar basta bem conhecer.
                         No terceiro parágrafo da Sexta Parte, Descartes vai considerar o quanto a sua Física pode ser mais útil que a filosofia aristotélica ensinada na época (ou seja, aquela qualitativa, com propriedades inerentes às coisas, tais como, úmido, seco etc. “Qualidades reais e diferentes entre si, constatadas pelos cinco sentidos puramente no nível do senso comum. Sem maiores investigações.”12 Mais útil à vida por chegar a conhecimentos físicos dos corpos por meio “de uma mesma maneira em todos os usos para os quais são próprios”. Daí a idéia de reducionismo, comentado por John Cottingham a respeito dos princípios de física para estudar os fenômenos naturais: divisões, figuras e movimentos. Como Descartes utilizou-se do mesmo esquema para todos os fenômenos observáveis, vêm a idéia de 'reducionista'. A amizade com o matemático Holandês Isaac Beeckman motivou o estudo e engajamento da matemática na física por mostrar a Descartes os modelos micro mecânicos. Tudo podia ser explicado por meio da mecânica elementar das partículas, segundo Cottingham13. E isso seria bom não só para gozar tudo que a terra nos proporciona, mas para a nossa conservação. Pois com a nossa conservação podemos viver mais e ter mais experiências. Descartes classifica essas duas últimas, a não conservação de uma longa vida e as poucas experiências, causas que nos impedem de prosseguir na busca do bem geral as quais estão fielmente ligadas à medicina. Por conseguinte, a medicina está fielmente ligada à “totalidade integrada da ciência”14 metáfora do conhecimento utilizada pelo filósofo como sendo uma árvore constituída pela metafísica como raiz, física como um tronco sólido e suas ramificações, todos os tipos de ciências particulares, inclusive a medicina: “ ‘Assim como não é das raízes ou do tronco de uma árvore que se colhem os frutos, mas somente das extremidades dos galhos, também o benefício maior da filosofia depende daquelas partes que só por último aprendemos.’(prefácio dos Princípios, 1647). Dez anos antes disso, trabalhava em um ‘Compêndio de medicina’ e declara sua esperança de que esta pesquisa levasse a um modo de prolongar sua vida para cem anos ou mais. Entretanto o prometido compêndio jamais completou-se, embora Descartes tenha começado, no fim da década de 40 a trabalhar em um tratado denominado ‘A descrição do corpo humano’ publicado postumamente, em sua forma inacabada, em 1644. O principal tema da Descrição é que só se pode progredir tratando-se o corpo em termos exclusivamente mecanicistas, ‘de tal modo que não tenhamos razão para pensar que é nossa alma que produz nele os movimentos que, por experiência, sabemos não serem controlados pela nossa vontade, quanto temos para pensar que há uma alma em um relógio que faz com que informe a hora’. Mas, na década de quarenta, Descartes já aceitara não haver perspectiva imediatas de que seus princípios científicos pudessem produzir avanços práticos significativos na medicina.”15 Descartes enfatiza esta importância dada à medicina por compreender suas utilidades cruciais à conservação da vida. Mas, trata-a somente em termos de corpo sem responsabilizar a alma, e sim a vontade. Todavia, já reconhece que “até mesmo o espírito depende do temperamento e da disposição dos órgãos do corpo para que ele evolua com mais habilidade.” (Disso podemos citar os indícios dos futuros empecilhos à sua medicina, pois “Evidentemente que o afectivo possui uma finalidade, visto que o desejo, a dor, o prazer, nos indicam à sua maneira o útil e o prejudicial, e portanto, o que convém escolher. A meditação sexta recordou-nos que o hidrópico deseja beber, quando beber lhe faz mal. O afectivo, portanto, não é infalível. E, com efeito, provindo do meu corpo, traduzindo as suas modificações na minha alma, ele é irredutivelmente resultado de uma mistura, e dá sempre algum lugar ao erro. A medicina não pode ultrapassar esse nível. Se se pretender científica e técnica conhecerá todas as incertezas da física. Privar-se-á, além disso, das luzes do instinto, num domínio em que a extraordinária complexidade do corpo estudado as torna necessárias. Se pretender instintiva, não poderá evitar o risco dos erros próprios da afectividade ”16. E para nos conservar é preciso que fortaleçamos a própria medicina com um estudo que alcance mais tudo o que ainda não sabemos sobre ela. E para descobri-lo, tendo Descartes “empregado toda sua vida na pesquisa e encontrado um caminho que lhe parece tal que se deve infalivelmente achá-lo”, não viu outra salvação a não ser comunicar o que descobriu. E para que não seja impedido nem pela “duração da vida nem pela falta de experiência”, é que convida os estudiosos a contribuir segundo suas faculdades, com suas experiências publicadas também para que essa continuidade e propagação fosse a cura para a realização das descobertas nas ciências. E quanto feito o fechamento sobre a medicina para finalizar o que discorreu na quinta parte, agora Descartes irá discorrer mais sobre cada argumento que o fez publicar os ensaios.





Bibliografia

Descartes, René, Discurso do Método. In: Descartes. Trad. de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. Col. “Os Pensadores”. São Paulo, Abril Cultural, 1983;

Descartes, René, Discurso do Método. In: Descartes. Trad. de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. Col. “Os Pensadores”. São Paulo, Nova Cultural, 4ª. edição, 1987;

Descartes, René, Regras para orientação do espírito, Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão, São Paulo, Martins Fontes, 2007, 2ª. Edição;

Descartes, René, Discours de la Méthode, Introduction et Notes D’Etienne Gilson; Librairie Philosophique J. Vrin , Paris, 2005;

Alquiè Ferdinand, A filosofia de Descartes. 2ª edição. Trad. de M. Rodrigues Martins. Paris, Editorial Presença, 1969;

Bréhier, Èmile, História da Filosofia, Trad. Eduardo Sucupira Filho, São Paulo, Mestre Jou, 1977;

Cottinghan, John, Dicionário Descartes, Trad. Helena Martins, Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor;

Cottinghan, John, O método cartesiano In: A Filosofia de Descartes. Trad. de Maria do Rosário Sousa Guedes. Rio de Janeiro, RJ, O Saber da Filosofia, Edições 70, 1986;

Pascal, George, Descartes, Trad. De Maria Emantina e Galvão Gomes Pereira. São Paulo, Martins Fontes, 1990;

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Entre, saia, naufrague, voe, comente, minta, mentecapte, poetize, sarause, recadoe, anunssintetize. Enfim, qualqueira!