sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Leitura de "A defesa de Sócrates"

São Paulo, 11 de junho de 2008.



UNIFESP
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

Unidade Curricular: Introdução à filosofia I.
Professor: César Ribas César.




Leitura da parte I da “defesa de sócrates”, Platão.


                        Sócrates deixa, logo de início, a intenção de sua defesa esclarecida: fazer o bem aos cidadão de Atenas e a si ao mesmo tempo. Mas vai argumentar o quanto é difícil e paradoxal conseguir isso. Pois a lei de Atenas pede para se dizer a verdade como forma de justiça. E os Atenienses, segundo Platão, acusam Sócrates porque ele questiona uma sabedoria da verdade a eles. Se os cidadãos não possuem tal sabedoria, então as leis da cidade não são justas. Mas na antiguidade, o filho da sociedade possui dívidas para com as leis da mesma e deve obediência a elas. Então as idéias e ideais da Polis submete todos os cidadãos a se comprometerem e considerá-las. Assim, será impiedoso e contraditório desobedecer-lha somente quando forem injustas de acordo com um único indivíduo (neste caso, Sócrates).
                       No exórdio do romance narrativo descritivo de Platão intitulado como “Defesa de Sócrates”, aparece a exigência de um pensamento mais racional e menos persuasivo ou relativo que os sofistas utilizavam, ou seja, a oratória. Desde o início da apologia Sócrates defenderá essa importância e a de que dizer a verdade é justo. Mas que nem sempre persuadir é dizer a verdade.
                       Os movimentos da primeira parte do texto são referente ao julgamento de Sócrates quanto a corromper a juventude, ser impiedoso ou praticar a asebia, e introduzir deuses novos à Pólis. Os argumentos utilizados pelo acusado não serão os utilizados pelos oradores ou sofistas da época _ at hominem (desvio do assunto por meio de falácias) e ad populum (voltado ao povo no sentido de demagogo, de acordo com a vontade do povo)_ mas terá a maiêutica (uma futura dialética, utiliza-se de opiniões contrárias para chegar a um conceito comum de conhecimento, e não relativo) como princípio para destruir as opiniões sem um maior fundamento e buscar conceitos definidos sem variação de sentido.
                     A maneira como Sócrates se servirá deste argumento os movimentará estará previamente descrita nesta introdução e melhor detalhada no decorrer do trabalho: primeiro ele questiona quem são, de fato, os seus acusadores. A falta de um rosto ou nome dos acusadores antigos, por exemplo, já o fazem se adiantar contra aqueles que persuadem os jovens a respeito de si sem uma referência assim como a sua posição contra tal anonimato. Depois, mesmo sem reconhecê-los ainda levantará hipóteses de como se defender deles. A partir daí, refuta os tipos de acusação feito como ensinar físicas sobre o céu e a terra, pois não ensina e nem sabe nada, por isso não cobra nem é como os mestres os quais foi comparado. Ao se defender contra os saberes celestes e o corromper da juventude, o texto alcança uma interrogação do que Sócrates seria, então, acusado. Disso surge a justificação de contra argumentos levantados pelo próprio Sócrates para que não haja dúvidas com relação a sua clareza em dizer a verdade. A sua preferência em obedecer aos deuses do que aos homens é constatada com o seu destemer da morte e com sua explicação do motivo que o fez viver isoladamente à comunidade. E por fim, não só conclui como também pratica o que defende durante o texto: diz a verdade de maneira justa, sem levar testemunhas familiares que lamentassem a sua morte ou o defendessem de maneira corrupta para permanecer justo com os juízes e consigo mesmo.
                      A distinção entre os dois tipos de acusadores é classificada logo de início como: os antigos e os recentes. Dois tipos de acusadores, mas os mais temíveis são os velhos que aproveitam do espírito dos jovens que são mais dispostos a acreditar nas coisas por serem mais ingênuos e sem experiências. Sócrates vai contra tal persuasão. Não porque os velhos são mais sábios é que são mais temíveis. Mas porque a sombra que causou sua fama não existe mais, ela surgiu de quem não a assumiu como autor e assim foi passada para os jovens que a escutaram e, quando também se tornaram velhos, a repassaram. Somente é conhecido uma comédia, de Aristófanes, “As Nuvens”, onde o comediógrafo o calunia na peça, mas o faz devido a sua fama que já persistia. Ou seja, a causa, alguém para que Sócrates possa se voltar e argumentar sobre, não se revelara. Neste caso, não há uma tréplica porque nem sequer há uma réplica do acusador antigo. Sócrates briga com sombras neste tipo de acusadores. Por isso argumenta o perigo de poder dizer mentiras e as mesmas não serem replicadas, por exemplo. Mais um motivo de serem perigosos é quanto ao longo tempo que tiveram para acusar Sócrates e levantar a sua difamação entre as pessoas, o qual foi muito maior do que ele tem para se defender agora.
                      Então Sócrates se utiliza do texto de acusação sobre ele (da acusação antiga: “Sócrates é réu por ter se ocupado de coisas que não lhe diziam respeito, investigando o que há sob a terra e no céu, tentando tornar melhor à razão pior e ensinando isto aos demais”) e de como sua pessoa foi representada em “As nuvens” para argumentar que nada sabe das ciências celestes e se por acaso alguém o ouviu dizer alguma vez coisas sobre isso, é porque se equipara aos acusadores que se quer existem ou dão seu nome. Assim como também não existe momento em que Sócrates fala sobre tais ciências, não existe se quer um nome de sábio das ciências ou alguém que já lhe tenha ouvido sobre isso e propõe que, se houver, acuse-o, juntamente com Meleto.
                       Na continuação dessa incapacidade em se defender mais disso que não está presente no tribunal, Sócrates ainda supõe outro contra argumento no caso de cobrar dinheiro para instruir os jovens, como os sofistas da época faziam e ainda recebiam gratidão por isso. Mais um paradoxo, pois, se não cobra dinheiro para as suas conversas é que teria de ser agradecido, e não condenado. Sócrates alega que se quer poderia cobrar também. Pois não pode cobrar pelo que não possui, no caso: a sabedoria. Inclusive consente ironicamente se caso o soubesse, que estaria muito bem se cobrasse cinco minas como faz Eveno, um sofista tido como entendedor da virtude do homem e do cidadão e indicado por Cálias, filho de Hipônico e que já despendeu muito dinheiro com os sofistas.
                       Com isso o filósofo quer dizer que se distingue dos sofistas e o que ele sabe não têm a ver com ciências, mas somente com o que o oráculo lhe disse. E por acharem que Sócrates é um deles e gosta de desmoralizá-los, os Sofistas o odeiam. Apesar de Sócrates não entender nada sobre o que os mestres entendem. Sócrates diz que a sua sabedoria é puramente humana, enquanto que a dos sofistas ele mal sabe classificar.
                         Sócrates esclarece de onde vem então sua sabedoria, já que não é como a dos sofistas. Diz que Querofonte foi o responsável por perguntar ao Oráculo de Delfos se havia alguém mais sábio que ele, Sócrates. Pítia, mulher que ficava sobre uma pedra aspirando os gases que faziam o oráculo responder por meio dela, repondeu que não. E foi a partir daí que ele começa a sua investigação e reflexão sobre tal profecia, a qual jamais seria mentirosa, para constatar isso questionando outros que pudessem saber mais do que ele. Assim começa a verificar a distinção entre a crença em saber e o saber, de fato. As quais muitos possuíam ares de sabedoria mas não tinham a concepção que de não sabiam pois não possuíram respostas para muitas coisas que Sócrates os questionara. Nisso Sócrates percebe que pelo menos no âmbito de ser ciente de sua ignorância de tais respostas, ele o fazia melhor que estes. Não foi bem entendido neste aspecto e por isso alegou a causa do ódio por ele a partir de então. Relata a sua passagem não só pelos homens políticos como também pelos poetas, onde defende que eles se referem das coisas para dar forma às suas obras mas não sabem muito sobre o seu conteúdo. O mesmo ocorreu com os artesãos quando verificou que, assim como os poetas, eles também tinham muito conhecimento, mas somente no que concernia à sua própria arte, e não às outras coisas de que eles se serviam para fazê-la, mas nem percebiam ou refletiam sobre por estarem totalmente voltados para o que fazem.
                      Com isto Sócrates não só ganhou inimizades como também percebe o quanto nenhum homem sabe algo de valor quanto os Deuses. Pois os sábios muitas vezes se elevavam como donos de verdades que não possuíam, daí o seu argumento quanto a não ser um sábio. Somente no aspecto de nada saber então é que ele poderia assim ser considerado. Disso é que ele tira o quanto as sabedorias humanas pouco têm de importância equiparadas com as verdades divinas. Nisso ele se vê como um missionário com a função de passar tal mensagem do oráculo, em serviço aos Deuses. E assim leva toda a sua vida em função de propagar a idéia de que somente os Deuses é que sabem, mesmo que seja odiado por causa disso.
                     A sua propaganda então foi feita pelos jovens que voluntariamente o seguiam e faziam com que seus pais, julgando-se sábios, odiassem cada vez mais a presença daquele que corrompiam seus filhos contra a sabedoria deles, ou seja, contra Sócrates. Mas nem se quer esses pais sabem dizer em que seus filhos estão corrompidos pelo fato de Sócrates não haver lhes ensinado nada a não ser questionar sobre a verdade. Mas como eles não têm o que dizer a respeito disso, coloca Sócrates no mesmo patamar dos filósofos que especulam a física e não reconhece os Deuses somente para ter com o que acusá-lo. É daí que ele inclui a causa de suas acusações atuais: das correntes construídas contra ele mas sem maiores explicações a não ser defender as suas gerações de sábios. Cita Meleto pela geração dos poetas, Anito pelos artesãos e políticos, e Licon pelos oradores.
                        Sócrates vai se voltar mais à Meleto pois foi o que pagou a sua condenação. A partir também do texto da acusação (dos atuais: “Sócrates é réu de corrupção da juventude, de não reconhecer os Deuses reconhecidos pela cidade e também de praticar cultos religiosos novos e diversos”), ele começa a discutir cada oração da frase de acusação. Dir-se-á primeiro que Meleto está usurpando coisas que não dá importância na sua vida, como a juventude, e que por isso não pode acusar Sócrates de algo que o próprio Meleto pouco se importa. Discutir-se-á ainda que o acusador mal sabe o que é educação ou o corromper. Prova isso por meio do diálogo com Meleto que diz que o melhor para os jovens são as leis, e os que melhor conhecem as leis são mais capazes para a educação dos jovens e somente Sócrates os corrompe voluntariamente, mesmo também conhecendo as leis. Mas o condenado argumenta que, se o faz é involuntariamente pois, ao passo que não existe quem esteja em presença do bem e do mau e escolha receber o mau em vez do bem. Mesmo que seja jovem, já que é um jovem que o acusa e deve então saber discernir Sócrates como mau, assim como os outros jovens que o seguiram por livre e espontânea vontade também o deveriam, neste caso. Além de que, mesmo que Sócrates os fizesse mau, seria involuntariamente pois Sócrates sendo até mais velho que os jovens saberia então discernir muito mais o mau que estaria fazendo para os jovens mas se distanciaria deles depois para não recebê-lo em troca, ao passo que o que fez foi construir uma amizade com eles e não fugir de suas supostas maldades. Logo, provado que se Sócrates lhes faz mau é involuntariamente, não poderia então, estar num tribunal a ser castigado e sim num outro lugar onde ele pudesse ser corrigido.
                      Depois vem a defesa quanto à impiedade com os Deuses, a qual Meleto afirma ser o objeto que Sócrates usa para corromper os jovens. Meleto diz, ao mesmo tempo, que Sócrates acredita em Deuses novos e que não acredita nos Deuses. Utilizando o mesmo argumento, Sócrates se servirá de exemplos em suas perguntas tais como a possibilidade de haver alguém que creia na existência de humanos mas não creia no homem, para esclarecer o absurdo da acusação. Por fim coloca o fato de que se ele acredita em demônios os quais são filhos dos Deuses, (ainda não possuíam o sentido pejorativo de hoje), não há como não acreditar nos deuses, sendo a acusação um argumento impossível.
                       Terminado tais argumentações, ele vai discorrer sobre o capítulo de sua vida em que foi designado e corria risco de vida como um exemplo para expressar que não teme à morte. Sócrates acredita aqui, como Aquiles da Ilíada, na preferência em viver melhor com honra mesmo que por um período curto do que viver muito sem a mesma. Por isso manteve a sua posição fixa quando seus amigos lhe pediram para fugir de Atenas, por exemplo. Argumenta de maneira a fortiori que, se quando um comandante o mandou manter uma posição ele obedeceu, então quando um Deus que é muito mais do que um comandante mandar, é de sua honra e dever manter mais ainda a sua posição.
                      Assim, o filósofo apropria-se dessa posição irrefutável de acordo com o Oráculo de Delfos e mantém sua filosofia. Pois ao abandonar tal posição, aí é que estaria desobedecendo os deuses, no caso o Oráculo, e comprovaria as acusações de impiedade feitas a ele.
                      Por isso Sócrates conclui que morrer é melhor que desobedecer o Oráculo. Pois diz que nem sobre o Hades se sabe muito, se é bom ou ruim, então como dizer que se sabe de algo que ainda não aconteceu? Somente quem já morreu poderia ter esta certeza. Então se temesse a morte seria assumir algo que nenhum vivo sabe sobre. Não há como ser sábio nisso muito menos temer o que não se sabe. Por isso ele prefere o que já acredita: a crença no oráculo como melhor do que a sua desobediência ou fuga. Mesmo que para isso pague o preço da morte.
                       Sobre a condição de parar de perturbar aos outros com suas perguntas, também levanta uma defesa contra essa disposição da parte acusadora em fazê-lo ceder para não morrer. Não aceita ser corrigido ou interrompido de algo que não haja erro ao ser passado. Se através da maiêutica ele convence os jovens que a virtude não está nas riquezas e sim que a riqueza é conseqüência da virtude, para ele isso está de acordo com a sua própria escolha de vida refletida na sua pobreza, mas em função do bem.
                      Depois de dizer que não teme à morte, o próximo movimento dos contra-argumentos de Sócrates é explicar então, porque viveu tantos anos privadamente, sem servir às funções públicas no àgora, por exemplo, lugar onde eram realizadas assembléias. A solução está no fato de seu “daimon” de inspiração desviar e barrá-lo da atividade política. Esta seria como uma voz objetiva que, assim como os outros argumentos recorridos por Sócrates, vem de fora do filósofo. Além da sua intenção de fazer algo útil aos atenienses no sentido de mostrar seus pensamentos e modificá-los. O que seria impossível se os expusesse pois seria logo morto e perderia a oportunidade de transmiti-los. Pois quem se opõe à multidão, mesmo para salvá-la, é incompreendido e refutado pela própria justiça que a mesma emprega. Acredita que no privado se ganha mais tempo pois há demora em ser condenado. Prova disso foi ele chegar até os setenta anos sem comparecer ao tribunal de justiça como réu. A menos na passagem em que comenta ter sido sorteado para mesário e votado contra o crime tirânico que os comandantes de guerra mesmo na democracia ateniense estavam a favor de cometer: o não recolhimento dos corpos dos soldados. Achou que seria injusto e impiedoso se concordasse com tal política.

                      Por meio da narrativa desse seu comportamento argumenta o quanto é justo em quaisquer situações. Sejam públicas ou privadas. Mas o fato de as privadas o favorecerem mais devido às suas opiniões muitas vezes divergente à dos políticos, não quer dizer que ele só seja justo ou mostre a suas opiniões quando o pagam, que se esconda para ser venal. Pontua novamente o quanto não cobra de ninguém por não prometer nenhum ensinamento nem mesmo chegar a falar sobre algo em particular, mas sempre entre o grupo que o acompanha.
                      Tanto é que Sócrates conclui colocando mais uma hipótese também refutada pelos seus argumentos: se entre o grupo que o acompanha, há alguém que, depois de mais experiente e velho, não mais jovem, obteve a sabedoria de que ele, Sócrates, haveria os corrompido quando jovens. Ele cobra a manifestação de testemunhas de Meleto, que o ajudem a provar tal acusação. Dos nomes citados por Sócrates de vários de seus discípulos presentes no julgamento, não houve aquele que reconhecesse ou se arrependesse, depois de mais velho, de tê-lo escutado.
                       No epílogo Sócrates esclarece o desfecho de sua vida. Não trouxe testemunhas que lhe dessem maior quantidade de votos pois não seria uma defesa justa se ele tentasse se auto afirmar para os próprios cidadãos que nele acreditam. Muito menos o tornaria menos mortal, pois de qualquer forma seria condenado pela própria vida por já estar muito velho. Qualquer forma de suborno, seja com a presença de familiares para lamentar o réu, seja por meio de dinheiro para pagar sua liberdade, não seria justo com os juízes dignos e sérios com relação à justiça, nem com o próprio réu, quando ele é inocente. Pois cairia na acusação feita à ele, seria ímpio, desonesto e injusto. Sócrates prova o contrário dessas acusações ao não cometer tal erro e ao ser justo com o tribunal.












BIBLIOGRAFIA:

PLATÃO. Defesa de Sócrates. Col. Os Pensadores.(Trad. de Jaime Bruna) São Paulo: Abril Cultural, 1972.

PLATÃO. Apologia de Sócrates. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1996.

PLATÃO. Eutífron. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1996.


Elaborado pela aluna: CRISTILENE CARNEIRO DA SILVA, no 1º termo do curso de Filosofia vespertino da Universidade Federal de São Paulo.

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