domingo, 24 de janeiro de 2010

Tomás de Aquino na questão 84 da Suma de Teologia

I
                     Para argumentar que o conhecimento intelectivo não é recebido diretamente das coisas sensíveis, nem em absoluto somente das inteligíveis, Tomás expõe as argumentações de alguns filósofos com quem discorre na filosofia de sua obra, Suma de Teologia. A partir das considerações tomasianas a respeito de Demócrito e outros filósofos antigos, os quais também não distinguiam o intelecto e o sentido, ambos enquanto atuantes no modo de conhecer por meio da mudança e do corpóreo; passando à exposição da argumentação platônica, em oposição aquela primeira, onde agora é o idealismo platônico com suas separações do intelecto imutável enquanto princípio divisor dos sentidos que será recusado. Por último estão os argumentos dos autores com os quais Tomás irá dialogar, neste ponto, com maiores convergências que os dois acima citados: com Sto. Agostinho, mesmo que este ainda seja identificado por Tomás com proximidades no aspecto de diferenciação entre como estão os sentidos para a alma intelectiva e as coisas sensíveis para a alma sensitiva, numa suposta separação, assim como em Platão.


                        Logo em seguida, o texto ganha o movimento da passagem sobre Aristóteles em que concluirá a intermediação desse filósofo no que se refere às objeções sobre o materialismo e o idealismo. Pois mesmo ainda dissociando o sentido do intelecto, Aristóteles cria uma interdependência entre a matéria e como ela é impressa nos sentidos e inclusive, também pela alma. Ao detalhar a maneira como o sensível afeta a alma e esta, apreende os corpos, o filósofo grego mantém uma relação mais próxima da operação da alma sensitiva descrita por Tomás, o qual descreveu como “impressão” [impressionem] causada na alma pelos sensíveis: “... Aristóteles concordou com Demócrito nisto, que as operações da parte sensitiva são causadas pela impressão dos sensíveis no sentido; não a modo de emanação, como Demócrito sustentou, mas por uma certa operação [operationem].” Operação a qual denuncia, em certo termos, o teor da Tábula Rasa aristotélica na alma, visto que articula um caráter de agente abstrativo ao intelecto. Abstração esta que também argumenta o movimento dado no texto a Aristóteles enquanto mediano entre a matéria e a alma [idéia], para explicitar a hierarquia entre a impressão (ou imaginação) e as abstrações operadas na alma. Logo, Tomás não descarta a dependência do conhecimento sensível para o inteligível, antes compartilha-os entre si, deixando ainda muito claro que o sensível não é de todo a causa do conhecimento do intelecto, mas simplesmente matéria [objeto] dele.



II 
                       Por mais que Tomás de Aquino coloque as fantasias enquanto próprias e participantes do intelecto possível, por meio das quais a realidade, ou forma das coisas animadas, é acessível e onde também se pode afirmar tal realidade gnosiológica, no artigo 7 da questão 84 da Suma de Teologia, o filósofo acrescenta que as fantasias (ou imagens) não condicionam o ato do intelecto, mas propiciam exemplos de intelecção.

                          Exemplos que a operação da alma sensitiva em conjunto com o intelecto passivo codificam, ou seja, imagens e conteúdo mentais como estimativas, imaginação e memórias. Onde se encontra a metodologia de composição e divisão, que fomentam a qüididade encontrada em sua filosofia, por sinal, na abstração das fantasias pela espécie, ou intelecto agente. A imagem torna-se então, a ligação da espécie com a matéria, e ao mesmo tempo, a abstração na maneira como ela é inteligida desfaz quaisquer materialismo ou idealismo com que Tomás de Aquino possa vir a ser associado. Abstração esta que no artigo 1 da questão 85, vem identificada com a seguinte definição: “conhecer o que está na matéria individual, não na medida em que está em tal matéria, é abstrair a forma da matéria individual, que as fantasias representam”. Assim, pode-se abstrair as imagens originais e não mais precisar de corpos para compor os exemplos e formar os conceitos, assim como requerer da realidade para apreendê-los, porém sempre à semelhança do particular a universalizá-los pelo intelecto, abstraindo-os. Quando não assim, seria por resignação [remoção] ou por comparação, conforme ocorre com a impossibilidade de conhecer, gnoseologicamente, Deus. Uma passagem que auxiliaria ainda a compreender tal influência das imagens da realidade correlacionadas às idéias, é a do tradutor e comentador Carlos Nascimento na introdução da Suma de Teologia: “Tomás de Aquino repete várias vezes no conjunto das questões 84-89 da primeira parte da Suma que o ‘objeto’ próprio do conhecimento intelectual humano é a ‘qüididade da coisa material que cai sob o sentido e a imaginação’ ou ‘a natureza da coisa material’.”

                       Assim como, também, Tomás de Aquino não descarta a liberdade do intelecto sobre o sentido ou a imaginação, argumentando de um intelecto puro, por assim dizer. O qual constituiria somente o incorpóreo, não mantendo relações de qüididade com as fantasias sensíveis. Onde se observa enquanto sendo o intelecto divino, por assemelhá-lo dos valores de nobreza e superioridades. Ao passo que, o modo de conhecimento humano não se liberta do realismo Tomasiano: “...é o indivíduo humano quem conhece por seu intelecto ativo e recipiente, não porque se confronte com um intelecto transcendente ou se volte para ele, mas porque se confronta com as imagens ou fantasias que os sentidos lhes proporcionam. O acesso às realidades imateriais transcendentes tem de passar necessariamente pelo trato com o mundo material.”




BIBLIOGRAFIA


AQUINO, S. Tomás. Suma de Teologia. Trad. e Introd. de Carlos Arthur R. Nascimento. Uberlândia: EDUFU, 2004.

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