sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

KANT: A POSSIBILIDADE DA METAFÍSICA TRANSCENDENTAL E A IMPOSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO PELA METAFÍSICA

UNIFESP


Universidade Federal de São Paulo

DISSERTAÇÃO SOBRE KANT


Aluna: Cristilene Carneiro da Silva

Professor responsável:
Alexandre Carrasco


Trabalho apresentado ao componente
curricular História da Filosofia Moderna, do
2º termo do curso de graduação em filosofia,
período Vespertino.


São Paulo - SP
26 de novembro de 2008




A POSSIBILIDADE DA METAFÍSICA TRANSCENDENTAL

                      Para uma exposição mais detalhada sobre a relação entre as dependências do entendimento com a experiência, toca-se num ponto chave e de importância crucial na filosofia de Kant: a metafísica transcendental.
                     De uma desqualificação a respeito da garantia que a metafísica tradicional mantinha e toda a vulnerabilidade que o seu uso transitório e temporário dentro de intervalos minúsculos entre o dogmatismo ou ceticismo no pensamento o qual cada autor a discernia, formou-se a necessidade de um critério menos inseguro para se dispor o plano da realidade por meio das idéias. Kant parte em busca desse objeto que valide a profundidade da metafísica. Algo que, melhor dizendo, fundamente-a.
                         A proposta do autor em aproximar ao máximo esse exercício de sabedorias o qual considera como natural do homem,é dar uma utilidade científica a esta metafísica que seja equiparável com a sua persistência em existir na vontade humana. Kant usa o argumento de que ela, até o seu presente ensaio, ainda possuía uma razão de permanecer a qual não fora investigada nem esclarecidos os seus motivos pra existir. Motivos requeridos além das auto-afirmações que cada filósofo dentro de sua tese confirmava, ou por meio da falta de certezas também, mas os quais ainda não haviam se perguntado sobre a necessidade de tal metafísica, sua finalidade não só no âmbito questionador das causas, mas uma base objetiva e geral que a determinasse, antes das verdades estabelecidas.
                      Nesse ponto é que o abarcador do pensamento crítico sobre a metafísica, antes de quaisquer outras demonstrações filosóficas, inclui uma necessidade moral para o progresso da espécie racional a partir dessa reflexão maior que realiza sobre tal possibilidade para essa suposta ciência. Que a liberdade da vontade criativa pode não ser uma crença falsa, válida somente para a negação ou afirmação das crenças ou ciências, conforme afirmou Hume, mas se fundada num juízo correspondente com a natureza poderia até chegar num plano de experiência, como os objetos dados no espaço. Daí o seu respeito e interesse de se influenciar com o projeto filosófico de Hume, porém continuá-lo no âmbito da metafísica transcendental.
                        Assim, Kant não recria nenhum outro dos métodos metafísicos, mas somente possibilita a metafísica para uma futura prática e profundidade da mesma, não mais associada a imediatismos egocêntricos e interesses particulares dos filósofos cada vez mais donos de verdades em função de si próprios. Ou em função unicamente de contrariar filósofos anteriores para se tornar atual no campo epistemológico.
                     O conserto que Kant faz a esta maneira particular de filosofar será o estopim para uma história da filosofia, inclusive. Pois se baseia na razão puramente reflexiva e distante de quaisquer dos dois extremos, ou de outras contradições e antinomias. Sobre esta razão pura que universal e absolutamente está contida nas capacidades humanas do entendimento em conciliação com as coisas dadas no espaço e no tempo. Como uma espécie de condição para que o entendimento das coisas seja válido, uma sabedoria reflexiva que está independente das decisões, pois vem antes delas. O que possibilitaria uma metafísica por não dar uma razão total somente para esta, mas propor possibilidades de entendimentos, os quais não estão no plano da razão por serem juízos:

“Só que a razão pura é uma esfera de tal modo à parte, tão completamente unificada em si, que não se pode tocar em nenhuma parte sem afectar todas as outras, e que nada se pode fazer sem primeiramente ter determinado o lugar de cada uma e a sua influência sobre as outras; porque, nada existindo fora dela que possa corrigir o nosso juízo interior, a validade e o uso de cada parte depende da relação tal como, na estrutura de um corpo organizado, o fim de cada membro só pode deduzir-se do conceito geral do todo.”1

                         Nesta razão pura podemos ver a origem da questão transcendental para o autor, a qual será concretizada depois por meio das categorias do entendimento na intuição, mas que é indissociável a esta necessidade de uma filosofia crítica sobre a possibilidade da metafísica que Kant faz primeiramente antes de explicar as teorias dessa crítica. Isso evidencia ainda mais a elaboração de seus ensaios como críticos não só por tratar do transcendental que interage com as partes do entendimento mas também por serem eles os próprios patamares de reflexão entre as idéias e a experiência, ou entre o a priori e o a posteriori.


A IMPOSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO PELA METAFÍSICA

I

                       Quanto à ordem de explicação com relação à teoria do conhecimento para Kant, parte-se desta breve observação sobre a metafísica pois é conforme o próprio autor a colocou em seus prefácios da Critica e também na introdução dos Prolegômenos.
                        Ele a caracteriza como conhecimento sintético a priori, conhecimento filosófico puro e de razão pura. Sendo o a priori, um modo de conhecimento independente da experiência.2 Não qualifica a metafísica como analítica, e aí está mais uma de sua diferença e modificação na filosofia de Hume. Essa consideração foi uma grande responsável na impossibilidade da metafísica. Quando Kant abandona um pouco o princípio analítico para se manter no âmbito dialético dos juízos sintéticos, soluciona a contradição que o princípio analítico está contido, mas não em predicados mais detalhadores para a formação de entendimentos. Apesar de não desconsiderar por definitivo o juízo analítico, pelo contrário, descreve sua existência como meios para o juízo de definição, mas que é algo subjetivo por não ser desmembrado em partes ou conceituado. A metafísica então se fundamenta no analítico mas é sintética: o juízo dos conceitos seria analítico, mas não os conceitos metafísicos já formados.
                       Por isso o foco da teoria crítica kantiana será o juízo sintético a priori, pois assim como o analítico, Kant observa o juízo totalmente a posteriori como um complemento ao analítico, porém muito somente no âmbito empírico sem maiores possibilidades de conhecimento quando independente. O intermédio entre esses dois seria o sintético a priori. O qual possibilita o trânsito entre o empírico e o seu entendimento. E tem sua representação concreta por meio da intuição, a qual também é sintética por poder ser dividida entre a sensibilidade e a sua forma. Da intuição possibilita-se a passagem transcendente à reflexão crítica. Esta última, por sua vez, aparece em favor da razão pura.
                      Essa distinção entre o analítico e o juízo sintético a priori é muito sutil, porém. Deixando um espaço para uma confusão entre as duas principalmente quando chega à conclusão na crítica da razão pura de um esquematismo transcendental muito subjetivo, e mesmo assim ainda não conseguindo encaixá-la como ciência, deixando a metafísica quase que no mesmo patamar analítico que os filósofos precedentes da invenção de sua crítica, diferenciada somente por alguns conceitos criados, mas para validar a própria crítica. Assim como Marilena Chauí dispõe em seu comentário sobre Kant:

“A teoria transcendental das categorias a priori do entendimento como funções sintetizadoras do sujeito cognoscente, tal como justificadas pela dedução transcendental, não pareceu contudo suficiente a Kant para dar conta do problema das relações entre entendimento e as intuições do espaço e do tempo. Por isso o filósofo desenvolveu na Crítica da Razão Pura a teoria do esquematismo transcendental, cujas dificuldades ele mesmo põe em relevo ao afirmar que “se trata de uma arte oculta nas profundidades da alma humana, cujos modos reais de atividade a Natureza não nos permite jamais descobrir”3.

                       Porém podemos considerar tais necessidades kantianas não só no âmbito de distanciar um pouco a metafísica da totalidade analítica, mas também de arranjar um lugar para ela [a metafísica] mesmo que somente no nível moral, já que conclui que ela ainda não é possível como ciência da Natureza4.
                       Disso conclui-se então que a transcendência da crítica é analítica por ser absoluta e moral, pois possibilita a produção de conceitos sobre as representações das coisas. No texto dos Prolegômenos, Kant insiste nessa idéia de como o próprio livro é metafísico nesse sentido analítico de investigar uma outra investigação já feita na Crítica da Razão Pura (esta última agora sintética por tratar dos conceitos já formulados por Kant). Ou seja, coloca em prática o seu método crítico no próprio texto, transcendendo a Crítica da Razão Pura.

“Em contrapartida, os prolegômenos devem apenas ser exercícios preparatórios; devem mostrar o que há que fazer para, se possível, realizar uma ciência, mais do que expor essa própria ciência. Devem, por conseguinte, fundar-se em alguma coisa que já se conhece seguramente, a partir da qual se possa partir com confiança e subir até as fontes que não se conhecem e cuja a descoberta nos explicará não só o que se sabia, mas ao mesmo tempo nos fará ver um conjunto de muitos conceitos, todos provenientes das mesmas fontes. O procedimento metódico dos Prolegômenos, sobretudo dos que devem preparar para uma metafísica futura, será, pois, analítico.”5

II

                         A validade objetiva dos conceitos necessita de uma análise entre um objeto dado e nossa representação sobre ele. Por meio de uma forma negativa no sentido em que o limite entre essa relação (entre um objeto dado como “positivado” e o espaço “negativado” ou entre uma experiência empírica e o entendimento sobre ela, respectivamente) oferece base para isso.
                        Quando Kant fundamentou a sua crítica transcendental nas categorias de entendimento que a intuição representa ao juízo, ele se assegurou primeiramente das condições possíveis para a natureza nos aparecer. Seja ela [a natureza] correspondente ou não de como os objetos acontecem no espaço e no tempo, o seu conhecimento por meio do homem seria representado somente como a mesma aparecesse a ele. Seja verdadeira ou não a essência do objeto, ele só pode ser definido humanamente a partir dessas capacidades de reconhecer algo no espaço e no tempo. Espaço e tempo então seriam dois conceitos os quais representam a maneira pela qual a nossa sensibilidade intui os objetos, ou seja, a forma de nossa sensibilidade, considerada uma intuição a priori.
                       Logo, não podemos conhecer a essência das coisas, em si mesmas, mas somente como os fenômenos dados na natureza aparecem para nós por meio da representação deles em nosso entendimento. Papel da intuição, ser dedutiva e levar a impressão dos objetos empíricos, por meio de uma ordenação de quantidade, qualidade, relação ou modalidade a respeito deste. Categorias já embutidas no plano do entendimento, ao mesmo tempo que intuídas depois da existência do objeto no espaço.
                        Mas para que eu entenda tal fenômeno é preciso que um objeto dado se apresente para os meus sentidos. Daí a interdependência do à priori com o a posteriori; se o objeto não existir não vou apreendê-lo, assim como se eu não apreendê-lo ele não irá existir. Os conceitos podem ser formulados pura e a prioramente, mas não haverá as categorias transcendentes para adequá-los a uma representação do material. Como Deus, a alma, ou a metafísica, por exemplo: eles não apresentam substância ou quaisquer outras categorias intuitivas para possibilitar uma demarcação finita por meio do limite da coisa em si conforme se mostra6.
                      Porém a possibilidade de existirem no pensamento não é descartada somente pelo fato de não propiciarem uma dedução por meio de corpos sólidos e existentes no espaço. O testemunho da experiência, mesmo que particular devido à condição nas representações subjetivas de um objeto em si, sendo um objeto dos sentidos e não do conhecimento testado na natureza, é um entendimento dentro das possibilidades de juízo presentes na razão. Mas não que por isso seja válido como ciência objetiva e válida universalmente. A ordem com que se produz os conceitos no entendimento também é particular, daí a impossibilidade de reconhecimento da natureza como é em sua essência verdadeira. Assim, não há como reconhecer a priori um objeto como o é em si, porque não há como acrescentar algo a tal objeto fora da própria representação que se tem dele. Daí a impossibilidade de objetivar tais pensamentos sobre uma ciência da natureza. Ou seja, o entendimento depende da experiência para validar um objeto, pode-se pensar em qualquer coisa mas não será do pensamento que transporemos a matéria em sua existência. Nisso está uma boa distinção de Kant e Descartes: as idéias para Kant são referências sinalizadoras das categorias, por meio do espaço vazio elas sinalizam o espaço pleno (ou a positividade do objeto). Já Descartes parte de uma idéia verdadeira para então adequar esta verdade num objeto.
                       Este uso da experiência para elaborar os conceitos puros da razão já envolve uma contradição7; pois como os fenômenos não dão conta do conceito universal, recorre-se a uma lei, ou a um Deus racional. Um Deísmo inseparável do antropomorfismo “simbólico” como solução para a relação do homem com o mundo. Kant utiliza-se então dessa contradição entre o homem e a natureza e as outras antinomias como sendo diferentes coisas mas que possuem semelhanças muitas vezes perfeitas (como é o caso da geometria na simetria das coisas quando demonstrada no espaço). Daí a moral racionalista para instituir na natureza o que é próprio do homem, inclusive da sua liberdade prática e experiência enquanto possível. Assim deixa as fontes práticas e morais do conhecimento como significado da própria metafísica enquanto crítica, devido a sua impossibilidade de comprová-lo.

“Desta maneira, ninguém pode conceber precisa e acuradamente a proposição de que toda a ocorrência possui a sua causa exclusivamente a partir destes conceitos dados. Conseqüentemente, não se trata de um dogma, embora esta proposição possa muito bem ser demonstrada apoditicamente sob um outro ponto de vista, qual seja o da experiência, afinal o único campo de seu uso possível. Apesar de necessitar ser provado, denomina-se o princípio e não teorema devido ao fato de possuir a propriedade peculiar de tornar primeiramente possível o seu fundamento demonstrativo, a saber, a experiência, e de ter sempre que ser pressuposto na mesma.”8

                       Como não é possível conceber a metafísica como uma experiência da natureza como existe em si, fora da representação humana, então há que concebê-la [a metafísica] como própria do homem, mesmo que não comprove a realidade das coisas, ainda pode ser útil pra se pensar sobre as coisas que nossa imaginação idealiza (no sentido crítico transcendental), sob a experiência possível ao homem, além de ser útil para a moral por ser originariamente própria das leis naturais humanas, possível de propiciar a faculdade de praticar livremente tais pensamentos, mesmo que inválidos enquanto ciência natural.




BIBLIOGRAFIA:

(1) KANT, Immanuel. Prolegômenos a toda metafísica futura. Trad. de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1993.

(2) KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. de Valerio Rohden e Udo Moosburger. Editora Nova Cultural, Col. Os Pensadores. 1996.

_ CHAUÍ, Marilena. “Vida e obra” In: KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. de Valerio Rohden e Udo Moosburger. Editora Nova Cultural, Col. Os Pensadores. 1996.

_ CAYGILL, Haward. Dicionário Kant. Trad. de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000.

1KANT, I. Prolegômenos a toda metafísica futura, p. 21.


notas:
2 Sobre o significado de a priori encontrado no dicionário sobre Kant: “O argumento para a pureza do conhecimento, juízos e elementos a priori sustenta que eles são modos ‘claros e certos’ de conhecimento independente da experiência. ‘Surgiram de forma completamente apriorística, sem levar em conta qualquer contribuição derivada da experiência’, em contraste com os modos a posteriore do conhecimento, os quais ‘recorrem exclusivamente à experiência’ (CRP). São independentes da experiência na medida em que não contêm qualquer ‘ingrediente’ de sensibilidade e que não podem ser derivados dela. Kant argumenta que não só são esplendidamente independentes da experiência _ ‘conhecimento absolutamente independente de toda experiência’ (CRP) _ mas constituem até a condição de experiência.” (CAYGILL, Haward. Dicionário Kant. p.37)

3CHAUÍ, Marilena. “Vida e obra” In: KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura, p.11.

4Este mesmo viés será observado por outros filósofos sucessores por meio de outros argumentos em torno de tais conceitos como Hegel exporá o suprir de seus lados materiais e afetivos por meio dos aspectos formais da experiência, conforme citado no dicionário sobre Kant : “A tábua de categorias, a lei moral e a ‘forma de finalidade’ estética são todas citadas como evidência de uma orientação formalista”. Assim como Nietzsche e Adorno dirão o quanto “o formalismo de Kant seria um exemplo do esclarecimento que reduziu a experiência a um cálculo formal, para melhor controlá-la”. (CAYGILL, Haward. Dicionário Kant. P.161.)

5KANT, I. Prolegômenos, p.36.

6Sobre a impossibilidade de conhecer um objeto por meio da metafísica, Marilena Chauí também cita: “A metafísica, ultrapassando esses limites _ tentando atingir o absoluto e tratando de objetos que não são apreendidos empiricamente _ não seria, portanto, uma forma de conhecimento. Nos domínios da metafísica é possível ‘pensar’, mas não ‘conhecer’. (CHAUÍ, Marilena. “Vida e obra” In: KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura, p.12.)

7“A metafísica pretende conhecer as coisas-em-si e essa já é uma pretensão contraditória: o ato de conhecer, pela sua própria natureza, transforma as supostas coisas-em-si em fenômenos, isto é, aparências”. ( CHAUÍ, Marilena. “Vida e obra” In: KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura, p.14.)

8KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura, p. 443.

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