Como eu crio
(um exercício no grupo de profanações da dança do ccsp)
A paixão
chegada, já partida
A intuição despida na fé
e a fé já despedida
O já, já aqui no agora
o presente desafio de estar
no futuro de outrora
dançomovimentaminhar
Mover-se de todo
e ser todo o movente
durante nenhum
entrar em jogo
Nenhum, fim ou princípio
mas corporal-mente
tudo me vem como alívio
num alívio sempre ausente
O que move em mim: o que faz acionar um estado de criação?
Depois que queimo os meus documentos, agora longe de todos e a um passo suicida, agora que não apenas escrevo sobre essa personagem que prossegue e profana mas também a sinto e vivo, enfim passo a assinar livremente quaisquer criação e sobre nomes meus. Agora que sou tudo enfim assino o meu ser, feito de nada, desse nada que enfim, era tudo o que eu buscava ao querer tantas coisas. Não há mais o fato de participar ou não fazer parte, apenas a possibilidade de estar, absolutamente em nada, no ser. Eis o contrário da integridade. Pois é quando a ontologia se confunde com a responsabilidade social e aterriza, novamente, na agonia. Meu cérebro é somente doação em busca de adubo, feito um maço de repolho em que se arrancam as folhas, come-se, com um efeito que nem sempre cheira bem. Mas presente e orgânico, o que de alguma maneira, a qual revejo o tempo todo, o torna corpo.
O que faz ser cena?
O que escrevi aqui antes quando vi os dois repentistas dentro de um ônibus criando rimas e interagindo com os passageiros, sendo levados e pedindo contribuições por seus trabalhos justo no momento em que eu escrevia sobre isso aqui. Isso foi-me um símbolo de como a criação e a cena estão juntas e em processo. Há um tempo eu já teimava com alguns pensadores da contemporaneidade o fato de ter de declarar ser cena para sê-la. As cenas não se distinguem da realidade, pra mim. O que muda entre ambas, realidade e arte, pode ser somente a condição: uma é, necessariamente. A outra necessita ser. Elas estão frente a frente, como numa coincidência invertida. O resultado é o reflexo e a imagem criando vidas para além da reprodução (e da realidade já representativa) do que já está dado, movendo, essa mesma realidade. Cena é o que muda o instante de uma realidade. E aquela cena no ônibus me influenciou a escrever tudo isso. Foi o que escrevi, logo depois daquilo:
" A vontade substituída pela necessidade sufocou o coração pulsante no cérebro. Nosso cérebro sobrevive agora à bombas de poluição respirada, o efeito foi esse pensamento sujo e sem cores. Nublado. Trovões e tempestades jorram violências ocidentais e separatistas, mas espero que, de alguma maneira, chova. E que essa inundação de dentro transborde e prove que o corpo, mesmo se afogando, continua vivo."
mas não existe resposta, existe arte...
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